O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) está acostumado a caminhar junto com o poder. Sua inclinação ao governismo o levou a conquistar papel de destaque em diferentes períodos da vida política brasileira e a desfrutar como poucos de prestígio e influência. Apesar de sua conhecida preferência pela situação, o presidente do Senado tem demonstrado que está disposto a se rebelar contra o governo Dilma Rousseff, do qual era um dos principais aliados. Na semana passada, o peemedebista devolveu a medida provisória da Desoneração, que aumentava a carga tributária das empresas e era considerada estratégica para o ajuste fiscal. O recado de Renan foi entendido por todos e comemorado pela oposição: as complicadas relações entre ele e o governo Dilma parecem agora ter chegado ao limite. Em conversas reservadas, Renan não esconde a lista de mágoas acumuladas nos anos de convivência com a presidente – e assim se coloca como mais um entre os muitos problemas que o Planalto precisa administrar para não ser sugado pelas recentes crises.

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DESAFETO
Acostumado a caminhar junto com o poder, Renan agora parece
estar disposto a infernizar a vida da presidente Dilma

A irritação atingiu seu ápice quando ele foi informado de que está na lista de investigados do procurador-geral Rodrigo Janot por suposto envolvimento na Operação Lava-Jato. Renan contava com uma blindagem, que não aconteceu. Quando, em vez disso, viu sinais de que o governo comemorava seu infortúnio, saiu atirando. Ele diz estar convencido de que a inclusão de seu nome – e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – foi resultado da interferência do governo, que estaria tentando jogar para o Congresso a crise gerada pela operação que investiga os desvios na Petrobras. Em troca, segundo sugere Renan, Janot receberia apoio para sua recondução ao cargo máximo do Ministério Público. Para reagir ao que acredita ter sido uma ação combinada, o presidente do Senado mostrou que o jogo com o governo será ainda mais duro. Durante reunião de líderes, o presidente avisou que não aceitaria a MP da Desoneração e o faria com base em argumentos jurídicos, uma vez que é proibido aumentar tributos por meio de MPs. Diante da surpresa dos líderes com a postura do então aliado do PT, coube ao senador Humberto Costa (PT-PE) deixar a reunião de forma discreta e avisar sobre as intenções de Renan ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

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A tensão tomou o Planalto. A saída encontrada foi colocar a própria Dilma para conversar com Renan e pedir apoio para a proposta. Durante a sessão plenária, a presidente da República telefonou três vezes para ele, mas era tarde para reverter sua decisão de rebelar-se. Nos bastidores, o presidente do Senado alega que não foi consultado pela equipe econômica sobre o teor da MP da Desoneração, embora dois dias antes da publicação da proposta ele e outros peemedebistas estivessem em uma reunião com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, justamente para discutir o ajuste fiscal. Levy não mencionou a intenção de enviar a proposta. Depois da surpresa com a devolução da MP, o ministro conversou com Renan Calheiros. Disse a ele que, ao ser convidado para o cargo, ouviu que não haveria dificuldades para aprovar matérias no Legislativo. Mas Levy percebeu que o cenário político é bem mais complicado do que lhe prometeram.

Renan também está incomodado com a resistência do governo em nomear para a presidência da Transpetro alguém de sua confiança. Desde a queda de Sérgio Machado, uma das primeiras vítimas da Operação Lava-Jato, ele tem tentado emplacar o novo presidente da subsidiária da Petrobras, mas suas investidas foram infrutíferas. Embora a busca por cargos e espaços no primeiro escalão do governo seja a justificativa mais óbvia para esse comportamento rebelde, emissários do Planalto descobriram na semana passada que a insatisfação do presidente do Senado vai além do velho fatiamento do poder. Renan quer mais. Para provar sua disposição ao enfrentamento, já conversou com aliados sobre a devolução do ministério do Turismo, cuja indicação está na sua cota pessoal. Acredita que a discussão sobre cargos tem favorecido o governo, que usa o tema para ressaltar o conhecido fisiologismo do PMDB e fragilizar seus dirigentes. Para petistas, a ameaça não combina com as ambições dos peemedebistas e pode ser um blefe para conquistar pastas com maior peso político.

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A investida do Planalto contra o PMDB é outro ponto crucial que pode justificar a rebelião de Renan. Um dos pontos de maior tensão tem sido a movimentação do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, para atrair peemedebistas para o PSD. Renan e seus aliados acreditam que a manobra é orquestrada com o governo, para tentar reduzir o poder do PMDB e inchar o partido criado por Kassab, obediente a Dilma desde que ganhou um dos mais importantes ministérios da Esplanada. Renan deu recados de que pretendia ser chamado para uma conversa objetiva com a cúpula do governo. Declarou que a coalisão governista era capenga, que Dilma deveria dar sinais de compromisso com cortes de gastos, enxugando a máquina pública, e avisou que, para aprovar propostas, era preciso negociar melhor com os aliados. O governo não reagiu às suas intenções e seguiu prometendo atenção ao aliado de forma apenas genérica.