A graça da ficção científica é que nela tudo é possível. De seu fértil exercício de futurologia emergem tanto previsões absurdas quanto premonitórias. Ainda não se inventou um computador de personalidade forte como Hal 9000, que no filme 2001: uma odisséia no espaço, do diretor Stanley Kubrick, se comunica com os tripulantes e dá as ordens na espaçonave. Hoje, ninguém corre o risco de ser rotulado de maluco se for pego num empolgante diálogo com uma máquina. Os computadores já conversam com os humanos, executam tarefas, administram e detectam falhas em sistemas de produção industrial, fazem cirurgias, substituem enfermeiras e guias em museus. Pelo andar da carruagem, não é improvável que em 50 anos, como prevêem os otimistas, nossos bisnetos brinquem no quintal com garotos robóticos que têm sonhos, amam e querem ser amados como David – a estrela de silicone e silício do novo filme de Steven Spielberg (leia mais à pag. 98).

Dotar chips – pastilhas de circuitos integrados que comandam as funções de uma máquina – de sensibilidade e emoção é a ordem do dia nos laboratórios de inteligência artificial. Há cinco anos, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, conduz pesquisas para mensurar as emoções humanas. Seus pesquisadores querem encontrar nas variações do ritmo cardíaco ou da umidade da pele termômetros confiáveis para traduzir os estados de alegria, tristeza ou de raiva. Com sinais desse tipo na memória, os computadores poderiam ser programados para reagir apropriadamente. Ao perceber que visitantes incômodos irritam o dono da casa, o mordomo mecânico se livraria deles com um leque de desculpas convincentes. Funcionários biônicos agiriam com mais eficiência no trabalho ao detectar que o patrão não está de bom humor. As máquinas teriam condições de prever não apenas as idiossincrasias de seus donos, mas também emitir juízos de valor. Para que isso aconteça, os cientistas terão que se desembaraçar de várias armadilhas. Podemos rir de nervoso ou chorar de alegria. Como fazer o computador entender essa multiplicidade de reações sensíveis, que dependem de diferentes contextos e situações?

Amor – As pesquisas mais avançadas tratam até de questões filosóficas. Para dotar o computador de sentimentos amorosos, é preciso definir o que é o amor. Marvin Minsky, fundador do MIT e um dos papas da inteligência artificial, diz que amar é não enxergar os defeitos do ser amado. Só essa idealização permitiria a aproximação entre duas pessoas. “Quando você levar um robô para casa, ele saberá que você é o motivo pelo qual ele está lá e que o melhor que ele tem a fazer é mantê-lo feliz e só executar ações que lhe agradem”, prevê Hans Moravec, diretor do Instituto de Robótica da Universidade americana de Carnegie-Mellon. Para chegar à criatura só há um caminho – desvendar os mistérios do criador. “Tecnologias de ponta nos dão a chance de entender qual o papel das emoções, a natureza da memória e como os componentes da inteligência interagem”, afirma Rodney Brook, diretor do MIT. Ele e Minsky estão certos de que, sem emoções, não haverá máquinas inteligentes de verdade.

Há um exército de robôs em gestação nos laboratórios. Nas lojas, os seres robóticos executam as mais variadas funções, a começar pelas entediantes tarefas domésticas. Segundo estudo da Organização das Nações Unidas, três mil robôs domésticos foram vendidos em 1999. Até 2003, estima-se que haverá 290 mil deles no mercado. A inteligência artificial está por toda parte, controla os vôos nos aeroportos, muda o ritmo dos sinais de trânsito de acordo com o horário e o volume de tráfego. A lógica para seu funcionamento é uma só: impulsos elétricos são traduzidos em um código de dois dígitos (zeros e uns), para que a máquina entenda os comandos. Chips menores do que um selo postal espremem uma quantidade cada vez maior de transistores, os semicondutores que controlam o fluxo da corrente elétrica (leia quadro acima). O Deep Blue, computador que derrotou o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov, consegue analisar 200 milhões de posições por segundo graças a seus 32 processadores. “Os computadores imitarão as qualidades humanas com mais perfeição”, avisa a engenheira da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Ana Reali Costa, criadora de um time de futebol robotizado. Significa que eles poderão também fugir ao nosso controle. “Dependendo do grau de autonomia da máquina, podemos não gostar dos resultados”, observa Ana Cristina Garcia, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense, que trabalha com robôs localizadores de poços de petróleo.

Neurônios – Imagine se eles ganhassem emoção? O lado mais fascinante e promissor da inteligência artificial está na criação de redes neurais que imitam o funcionamento das células nervosas do cérebro, os neurônios. É esse conhecimento que já permite ao cérebro eletrônico obedecer ordens verbalizadas. Para desenvolver um programa que reconheça a voz de seu dono, o pesquisador da Universidade de São Paulo Roberto Sória simulou modelos matemáticos que atuam como neurônios. As palavras e suas frequências são gravadas no computador. Quando Sória pede à máquina que apague a luz, sua voz é comparada a um banco de dados de sons.

Enquanto isso, cientistas israelenses trabalham num computador que já tem arquivado um vocabulário de 200 palavras. Batizado também de Hal, espera-se que em dez anos ele seja capaz de funcionar como um assessor para missões burocráticas, como comprar passagem aérea, alugar carro e reservar hotel. “O objetivo é ajustar o comportamento da máquina ao estado emocional de seu dono. Ao perceber que estou com sono enquanto escrevo, meu computador tomaria a iniciativa de salvar os textos, como precaução”, diz o pesquisador Cláudio Pinhanez, que fez sua tese de doutorado no MIT. Ele desenvolve um programa que localiza documentos perdidos na bagunça do escritório. Nenhum estudioso duvida que estamos fadados a ter a companhia de autômatos cada vez mais parecidos com os humanos. Também não se descarta a possibilidade de homens e robôs conviverem com uma nova linhagem de seres, os borgues – formados de carbono e silício, o material de que são feitos os chips. Cientistas alemães anunciaram na semana passada o primeiro circuito eletrônico que junta moléculas de um semicondutor de silício com neurônios – o neurochip. Células nervosas de caracóis foram cultivadas em um chip conectado a uma fonte de energia. É o primeiro circuito integrado vivo. Esses neurochips podem servir para reparar células do sistema nervoso, devolvendo aos pacientes suas funções perdidas. “Quando estivermos fundidos às máquinas, o que significará ser humano?”, questiona o físico e professor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas Luiz Alberto Oliveira. A seu ver, teremos que repensar a máxima do filósofo francês René Descartes: “Penso, logo existo.” Pelo caminho que a robótica já tomou, a capacidade de dedução lógica deixará de ser um atributo exclusivo dos seres humanos.

Computador premiado

Quando os robôs domésticos fizerem parte da família, o PC de seu escritório provavelmente será peça de museu. Cientistas da IBM anunciaram na semana passada a criação de um circuito para computadores que é menor do que uma molécula. A estrutura, um microscópico tubo de carbono, possui um centésimo de milésimo da espessura do fio de cabelo, mas é uma das maiores promessas para substituir os atuais chips de silício, que deverão atingir seu limite físico entre 15 e 20 anos. Com o processador molecular, será possível abrigar dez mil vezes mais transistores no mesmo processador. “Veremos um progresso inimaginável na miniaturização e na potência dos computadores”, empolga-se o líder do projeto, Phaedon Avouris.

Por enquanto, vale a Lei de Moore, segundo a qual o número de transistores dobra a cada dois anos, em média. Na semana passada, a Intel lançou o processador Pentium 4 de 2 GHz. Máquinas com o novo chip são 300 vezes mais rápidas que os primeiros PCs, ou até quatro vezes mais velozes que um Pentium 3 de 500 MHz, de 1999. São também mais caras. No Brasil, um PC com Pentium 4 de 2GHz não sai por menos de R$ 4,5 mil.

Henrique Fruet