Uma tempestade torrencial caía em Buenos Aires no final da tarde de quarta-feira 18 quando cinco promotores de Justiça, Guillermo Marijuán, José María Campagnoli, Carlos Stornelli, Germán Moldes e Raul Plee, chegaram à praça em frente ao Congresso carregando um grande cartaz: “Homenagem ao promotor Alberto Nisman”. A partir dali, o quinteto iniciou uma caminhada silenciosa de poucos quarteirões, em direção à Casa Rosada, sede do governo argentino, na Praça de Mayo. Em menos de uma hora, quando a chuva diminuía, o local já estava tomado por um mar de guarda-chuvas carregados por 400 mil pessoas. Era a “Marcha do Silêncio”, que a presidente Cristina Kirchner vinha sonhando evitar. Não se viam estandartes partidários, nem os tradicionais bumbos das manifestações portenhas. Apenas a bandeira nacional, acompanhada por outras duas, negras. Uma destas estampava a frase “Cry for me, Argentina” – numa versão afirmativa da música-tema da peça teatral “Evita”. Na outra bandeira negra, a explicação do protesto: “Silenciaram Nisman, despertaram milhares”. Em raros momentos, surgia um grito na multidão: “Justiça!”. Políticos de oposição a Cristina, como os pré-candidatos à presidência Sergio Massa, Mauricio Macri e Hermes Binner estavam presentes ao lado de empresários e intelectuais. O governo e seus aliados procuraram desqualificar a marcha, afirmando que ela não passava de um golpe político da oposição. Cristina Kirchner tentou não se mostrar abalada e, momentos antes da caminhada, fez um pronunciamento na TV sobre a produção de energia nuclear. Ignorou o protesto, embora ele se repetisse em outras cidades como Santa Fé e Mar Del Plata e até nas embaixadas argentinas no exterior.

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A Marcha do Silêncio foi promovida e liderada pelos colegas e familiares de Nisman, encontrado morto no banheiro de seu apartamento com um tiro na cabeça na madrugada de 19 de janeiro. No dia seguinte ele iria apresentar denúncia acusando o Irã pelo atentado anti-semita contra a Associação Mutual Israelita-Argentina, em 1994, e o governo de Kirchner por acobertar os suspeitos em troca de negócios valiosos. Um mês depois, a morte de Nisman ainda não está esclarecida. As autoridades afirmam que Nisman teria se matado, porém a população acredita que o governo pode ter sido o responsável pela sua morte. “De maneira nenhuma admito a possibilidade de suicídio e menos ainda com uma arma no meio”, disse a juíza Sandra Arroyo Salgado, ex-mulher de Nisman, à rádio “Vorterix”, no dia seguinte da passeata. Novas testemunhas apareceram na semana passada, lançando mais dúvidas sobre a investigação realizada pelas autoridades argentinas. Um carpinteiro, cuja identidade foi preservada, chamado para ser observador imparcial do trabalho dos peritos, afirmou à “Telefe” que viu sangue no banheiro da casa e pegadas que saiam do cômodo em direção a um closet. A outra testemunha, Natalia Fernandez, 26 anos, em entrevista ao jornal “Clarín”, contou que foi convocada para ser testemunha dos procedimentos de investigação e que a promotora Viviana Fein, responsável pela investigação, lhe mostrou cinco projéteis de cápsulas. Contudo, a informação oficial é de que apenas um disparo teria saído da arma que matou Nisman. Além disso, Fernandez contou que durante a perícia, os agentes usaram telefone, cafeteira e banheiro do apartamento e também mexeram nos documentos que lá estavam.

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Assassinado?
O promotor Alberto Nisman investigava o atentado que matou 85 pessoas em Amia.
Um dia antes de acusar o Irã pelo atentado, e o governo de Kirchner
por acobertar os suspeitos em troca de negócios valiosos,
ele apareceu morto em seu apartamento

A “Marcha do Silêncio” ocorre num momento delicado para o governo. Este ano, em 25 de outubro, os argentinos escolherão o novo presidente e as recentes pesquisas de intenção de voto dão vantagem a um ferrenho opositor de Cristina, o deputado Sergio Massa, da Frente Renovadora (FR), ex-aliado da presidente. Massa, também peronista, foi chefe de Gabinete de Kirchner, mas saiu do governo rompido com a presidente. Depois dele, aparece em segundo lugar outro nome oriundo do Partido Justicialista (peronista), o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, que igualmente não mantém relações afáveis com Cristina. Maurício Macri, do liberal Proposta Republicana, e o socialista Hermes Binner, do Frente Ampla Unen, são os outros nomes destacados nas pesquisas. “O caso Nisman serviu como ponto de partida do protesto, mas a corrupção que assola o país é a razão fundamental da insatisfação”, diz o cientista político argentino Mario Sacchi. “Acho que vai haver uma mudança na política e provavelmente a oposição ganhe a eleição”. A partir dessas manifestações, acredita Sacchi, a oposição começou a entrar em contato e selar acordos. Com a morte de Nisman, o promotor Gerardo Pollicita tomou à frente da investigação sobre o atentado a Amia e na sexta-feira 13, assinou um requerimento para indiciar Cristina, o chanceler Timerman e os outros envolvidos. As duas investigações podem ser cruciais para o resultado da eleição.

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Estratégia
Cristina Kirchner fez um pronunciamento momentos antes da caminhada
para falar sobre o aumento da energia nuclear e ignorou o protesto

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Fotos: JUAN MABROMATA/AFP Photo; MARCELO CAPECEZ 


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