Considerado um dos maiores bancos do mundo, o HSBC virou alvo nas últimas semanas de escândalo proporcional ao seu tamanho. Registros internos de sua filial na Suíça vazados à imprensa indicam que a instituição financeira manteve, até 2007, práticas condenadas pelas regras internacionais de combate à lavagem de dinheiro. O HSBC teria gerido mais de US$ 100 bilhões em recursos de origem duvidosa. Na imensa lista de clientes de conduta nada ilibada estão ditadores, corruptos e traficantes, além de estrelas de Hollywood e esportistas famosos. O Ministério Público suíço abriu inquérito sobre o caso, fez uma devassa na sede do banco em Genebra, na Suíça, e descobriu cerca de 8,7 mil correntistas brasileiros com mais de US$ 7 bilhões em depósitos. Agora, surge o elo entre o escândalo envolvendo o HSBC e o Petrolão. Integrantes da Operação Lava Jato já reúnem provas de que a filial do HSBC no Brasil serviu de guarda-chuva para operações ilegais do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que drenou os cofres da Petrobras. Uma das principais empresas de fachada do doleiro Alberto Youssef, a GFD Investimentos, era cliente da sede do HSBC na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Entre 2009 e 2013, a conta numerada “2005002928” recebeu mais de R$ 84 milhões, em sua maioria depósitos de companhias integrantes do “clube” que agia em cartel nos contratos com a estatal, como Mendes Júnior, Engevix e UTC, além da Sanko Sider.

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O ELO
A GFD Investimentos, de Alberto Youssef, era cliente da matriz do HSBC na
avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Em Genebra, Suíça (abaixo),
o banco sofreu uma devassa na semana passada

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Os procuradores já sabiam que 11 suspeitos de envolvimento no Petrolão, inclusive o ex-gerente de engenharia da Petrobras Pedro Barusco, um dos principais delatores do esquema, mantinham contas no HSBC da Suíça. Mas é a primeira vez que eles relacionam o centro nevrálgico do esquema do Petrolão com o HSBC. Os investigadores confirmaram à ISTOÉ que estão dispostos a colaborar com o MP suíço. Na denúncia feita pelo MPF em 11 de dezembro passado, os procuradores afirmaram que a GFD Investimentos nunca exerceu “qualquer atividade”, funcionando apenas como fachada para operações de lavagem de dinheiro. “Jamais prestou serviços às empreiteiras cartelizadas contratadas pela Petrobras, de modo que não há justificativa econômica lícita para os pagamentos”, disse o MPF. O extrato da movimentação da conta da GFD, obtido por ISTOÉ, registra mais de 3,4 mil transações, entre depósitos, saques e transferências, no período de 23 de novembro de 2009 a 21 de março de 2014 – quatro dias depois da deflagração da Operação Lava Jato. As operações com o HSBC correspondem a 98% de todo o relacionamento bancário da GFD. Os outros 2% são de uma conta no Safra.

As normas internacionais de combate à lavagem de dinheiro, também aplicadas no Brasil, obrigam instituições bancárias a avaliar a capacidade financeira e patrimonial do cliente, a fim de determinar se ele tem condição econômica compatível com o volume movimentado em suas contas. Além disso, o banco deve zelar também pela procedência legal dos recursos e comunicar ao Coaf qualquer transação acima de R$ 10 mil. No caso da conta da GFD no HSBC, os valores superam muito esse limite. Um exemplo é o depósito de R$ 2,45 milhões feito na conta da GFD no dia 6 de outubro de 2010, três dias depois do primeiro turno da eleição presidencial de 2010. No dia seguinte, foram realizadas duas transferências, uma de R$ 600 mil e outra de R$ 1,2 milhão para destinatários desconhecidos. Outros R$ 500 mil foram para a Piemonte Empreendimentos, que pertence a um dos sócios do Grupo MPE, que faz parte do consórcio Interpar ao lado da Mendes Júnior e Toyo Setal.

O extrato das movimentações da conta no HSBC apresenta outras centenas de operações sem identificação da origem ou destino dos recursos. Segundo a força-tarefa da Lava Jato, a GFD também foi usada em operações de câmbio ilegais para remessa de divisas para o exterior. No contrato social, a GFD é controlada pela Devonshire Global Fund, uma offshore fantasma sediada na Holanda, e administrada por Carlos Alberto da Costa, testa-de-ferro de Youssef.

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De acordo com o MPF, a GFD Investimentos foi constituída em abril de 2009 por Alberto Youssef, doleiro com recursos no exterior “provenientes de crime por ele praticado, visando a lavagem de bens e valores, mediante blindagem de patrimônio”. Em setembro, a empresa recebeu R$ 9 milhões da offshore. Ao MPF, Meire Poza, ex-contadora de Youssef, disse que ele usava a conta da GFD no HSBC “para esquentar” o dinheiro. Nos quatro anos de operação, a empresa simulou diversos negócios e prestação de consultorias para justificar o recebimento de propina desviada de contratos com a Petrobras, com a participação do ex-diretor de abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa. Procurado pela reportagem, o HSBC disse que “segue os mais altos padrões de compliance em todos os países nos quais atua e colabora com as autoridades sempre que requisitado”. Na quinta-feira 19, executivos da instituição financeira informaram à cúpula do Banco Central que não haveria nenhum indício de envolvimento da filial brasileira no escândalo da Suíça ou no Petrolão.

Fotos: JOEDSON ALVES/AGÊNCIA ESTADO; AFP PHOTO/FABRICE COFFRINI