SARAH MORRIS – GALERIA DO ROCK/ White Cube São Paulo e Galeria Fortes Vilaça, SP/ até 28/3

Se o britânico Damien Hirst fez voo rasante no Brasil em novembro passado para apresentar vistas aéreas de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, agora a artista norte-americana Sarah Morris apresenta na mesma galeria White Cube (que trouxe Hirst) e na galeria Fortes Vilaça seu olhar insider sobre as duas capitais brasileiras. Embora classifique seu trabalho como uma “autorreflexão narcisista”, que não pretende de fato representar as cidades que lhe servem de inspiração, ela traz pinturas que têm como títulos ruas e espaços paulistanos, como “Praça do Patriarca”, “Galeria do Rock” e “Avenida Ipiranga”, e um filme, intitulado “Rio” (88 minutos, 2012), que produz um sensível e complexo mapeamento da cidade a partir de seus eventos aleatórios e personalidades célebres, como a atriz Camila Pitanga, o prefeito Eduardo Paes e o arquiteto Oscar Niemeyer, filmado em casa pouco antes de sua morte em 2012. Observadora sagaz da estética e da psicologia das cidades, Sarah Morris acaba de filmar também o arquiteto americano Frank Gehry para “Strange Magic”, sobre o novo museu da Fundação Louis Vuitton, que será mostrado em Art Basel, em junho próximo. “É quase um filme sobre processos alquímicos: como se faz dinheiro a partir do cheiro de uma flor”, diz Sarah Morris à ISTOÉ, nesta conversa em que fala de sua relação com a arquitetura e defende o engajamento do artista com os acontecimentos prosaicos do mundo.

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ISTOÉ – O que o Rio de Janeiro tem de particular? E de universal?
Sarah Morris –
Pergunta difícil. Eu diria que o Rio é silenciosamente beligerante. Belamente beligerante. Me interessa o que aconteceu politicamente no Brasil nos últimos 50 anos e como isso reflete visualmente na cultura, na arquitetura, nas estruturas de segurança. E o que é universal? Bom, meus filmes sempre lidam com situações, pessoas, ônibus, carros, apartamentos, empregados domésticos, políticos, celebridades… Esses elementos se repetem no filme do Rio.

ISTOÉ – Qual é sua relação com o Rio, a ponto de chegar a compor um retrato complexo da cidade?
Morris –
O filme tem muitas camadas, desde situações mediadas, que poderíamos chamar de “espetaculares”, até momentos aleatórios, como pessoas dormindo diante do prédio de Oscar Niemeyer. Vim pela primeira vez ao Rio em meados dos anos 90 e soube que voltaria para fazer algo aqui. Em meu trabalho as coisas se engatam de forma sequencial. Este corpo de trabalho vem depois de “Beijing” (que enfoca a Olimpíada de Pequim, em 2008), que veio depois de “Los Angeles” (sobre a cidade e a indústria cinematográfica, de 2004). Foi depois de trabalhar com as corporações em Los Angeles que decidi abordar o espetáculo em nível de Estado. O que acontece quando você coloca o capitalismo como uma forma de totalitarismo e como isso se apresenta visualmente. Depois da China, comecei a pensar sobre essa bela beligerância aqui, que também tem sua base política. Quando andamos na rua vemos em cada cerca de segurança, em cada brise-soleil, a história específica deste lugar. Um lugar ainda em construção, sendo retroalimentado pela arquitetura. Também é interessante como o Brasil abraçou Niemeyer, ou como Niemeyer abraçou o Brasil. Há um paralelo no modo como Mies van der Rohe se relacionou com Chicago para construir os arranha-céus que se tornaram a imagem da América.

ISTOÉ – Além da arquitetura, de que camadas é feito seu trabalho?
Morris –
Você está absolutamente certa ao dizer que a arquitetura é apenas uma camada de meu trabalho. É o mesmo que dizer que eu uso o tempo? Sim. Se eu uso pessoas? Sim. Se eu uso dinheiro, transações, negócios, trocas comerciais, sim? Se estou interessada em sistemas de entretenimento? Sim. Se estou interessada em sistemas políticos? Sim. A arquitetura é apenas um elemento, uma arena. Estou mais interessada em usar a arquitetura não como tema, mas como estratégia. Como usar a arquitetura como ferramenta? Focando no sentimento de pertencer a algo maior do que você é, já que somos parte de um todo, de um sistema. É como uma análise de sistemas. Estou interessada em saber se o artista pode entrar na Casa Branca, na noite da abertura da Olimpíada, em uma fábrica de underware, na cerimônia da entrega do Oscar. O mainstream sempre foi um tabu para a arte. Do mesmo modo que sexo foi um tabu em determinado momento. Isso não tem a ver comigo particularmente, mas com o papel da arte. A arte deve se engajar com o que está acontecendo. Não estou dizendo que o artista deve se engajar ao mainstream. Não estou dizendo que sou pró-Coca-Cola. Estou dizendo que você tem que se posicionar no centro das coisas, de forma a fazer algo interessante.

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PONTE AÉREA
A pintura "Galeria do Rock", na página ao lado, e cena do filme "Rio", acima,
são apresentadas por Sarah Morris (abaixo), em São Paulo

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ISTOÉ – Que elementos uma cidade deve ter para atrair a sua atenção?
Morris –
Fiz um filme chamado “1972”, rodado em Munique, que não é sobre o tamanho da cidade, certamente também não sobre o glamour, mas é sobre a história da cidade. É sobre um homem que era responsável pela segurança da Olimpíada de 1972, um personagem muito interessante porque era um psicólogo e um coreógrafo, que se infiltrou na polícia de Munique e se encarregou do controle de multidões. E é claro que a Olímpiada de Munique foi um fracasso estrondoso. Foi realmente o interesse no fracasso que me levou a Munique.

ISTOÉ – E São Paulo?
Morris –
Gosto de São Paulo porque ela parece que nunca acaba. É quase como um sonho, ou um pesadelo. É extremamente interessante o quanto as coisas são inacabadas aqui.

Fotos: João Sal