O presidente licenciado do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA), desembarcou em Brasília, na manhã da terça-feira 14, na expectativa de aproveitar a “armação amazônica” para desqualificar a enxurrada de denúncias de corrupção em que se afoga. Na quarta-feira 15, antes mesmo do laudo técnico do perito Ricardo Molina, Jader foi à tribuna do Senado para vociferar contra as acusações de participação nos escândalos com Títulos da Dívida Agrária, nas fraudes na Sudam e no desvio de recursos do Banco do Estado do Pará. Não colou. Durante 53 minutos, abusou da retórica, manipulou documentos e distorceu a verdade, mas conseguiu apenas se complicar mais. Jader insistiu, por exemplo, que até hoje o Banco Central continua lhe dando atestado de inocência das falcatruas no Banpará, apesar do calhamaço de documentos do BC e de o Ministério Público comprovar que parte do produto da fraude foi parar em suas contas bancárias e nas do clã dos Barbalho. “O discurso foi bom na forma e fraco no conteúdo. Além de não ter convencido ninguém, serviu para iluminar o que deve ser prioridade na investigação do Senado. A situação de Jader é insustentável”, avalia o líder do PPS no Senado, Paulo Hartung (ES). “Do ponto de vista pessoal, é sempre bom desabafar. Mas, do ponto de vista processual, o discurso não muda nada”, reforçou o senador Romeu Tuma (PFL-SP), integrante da comissão do Conselho de Ética que investiga as denúncias contra Jader.

Pautadas pelas contradições entre Jader e órgãos federais, as oposições resolveram acelerar a apuração do caso Banpará. Vai ser convocado o inspetor Abrahão Patruni Júnior, o primeiro a descobrir o envolvimento de Jader na fraude. Em seu discurso, o presidente licenciado do Senado voltou a pinçar trechos mais convenientes de documentos que o comprometem. Numa tentativa de contrapor os relatórios do BC à Nota Técnica do Ministério Público, que o aponta como principal beneficiário dos desvios do Banpará, apelou para a ironia. “Aquilo que o Banco Central do Brasil nunca acreditou, dois assessores dessa 5ª Câmara foram capazes de fazê-lo. Essas duas autoridades em sistema financeiro, desconhecidas até agora do público, produziram o trabalho que o Banco Central não foi capaz de fazer.” Pura balela. O próprio Jader tem em mãos desde março um relatório do BC – elaborado pelas áreas jurídica e de fiscalização e endossado pelo presidente do banco, Arminio Fraga – que o identifica como o destinatário final de R$ 7,1 milhões do dinheiro aplicado no fundo de renda fixa do Banco Itaú. Trata-se do famoso fundo de aplicações ao portador que acolheu o dinheiro desviado do Banpará e depósitos de empresas que prestavam serviços ao governo paraense durante a primeira gestão de Jader. Resumo dos 12 volumes produzidos pelos fiscais do banco, o documento do BC também afirma que R$ 12,5 milhões (65% do dinheiro sacado do fundo) foram parar nas contas do senador, da ex-mulher e atual deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA), de parentes e de outras pessoas ligadas a ele. Jader conhece há pelo menos cinco meses esses trechos que preferiu omitir. Em outro malabarismo, ele disse que a entrega dos seus extratos bancários à Comissão de Ética é uma prova de transparência. Mas Jader só liberou os extratos depois que o STF resolveu quebrar o seu sigilo bancário. Em vez de ser um instrumento de defesa, os extratos apenas confirmam as operações bancárias descritas pelo BC.

No discurso, Jader também tenta tirar o corpo fora da desapropriação da famosa Fazenda Paraíso, que só existia no papel. A participação de Jader, que pressionou para apressar o processo, está comprovada no inquérito conduzido pelo delegado da Polícia Federal Luís Fernando Ayres. A PF apura a denúncia de que Jader seria o verdadeiro dono dos TDAs fraudulentos, emitidos para pagar a desapropriação da fazenda fantasma, conforme acusação do banqueiro Serafim de Moraes e de sua atual mulher Vera Arantes, divulgada em junho por ISTOÉ. Na versão apresentada por Jader ao Senado, a denúncia caiu por terra depois do depoimento do casal a Romeu Tuma e à PF. Na realidade, o inquérito vai de vento em popa: o STF já autorizou o rastreamento das contas de todos os envolvidos, inclusive de Jader e de Elcione Barbalho. O ofício do delegado Ayres que instruiu o pedido da Procuradoria da República ao STF aponta Jader como suspeito da prática de crime de peculato (desvio de dinheiro público).

Outro escândalo com TDAs promete dar dor de cabeça ao senador. Na segunda-feira 13, a Justiça Federal suspendeu o pagamento de R$ 4,4 milhões de títulos emitidos na gestão de Jader no Ministério da Reforma Agrária, pela desapropriação do Polígono dos Castanhais, no sul do Pará. Denunciada por ISTOÉ em 1997, a indenização paga estava superfaturada em 420%, de acordo com relatório do Tribunal de Contas da União. Tem mais: Jader caiu na rede da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados que investigou a grilagem de terras na Amazônia. Na sexta-feira 17, o relator da CPI, deputado Sérgio Carvalho (PSDB-RO), pediu o indiciamento de Jader por ter feito desapropriações irregulares e superfaturadas quando comandou o Ministério da Reforma Agrária. “Não se trata de um caso ou outro, em que porventura tenha ocorrido alguma irregularidade, que pudesse ter fugido ao conhecimento do ministro e de seus assessores mais diretos. São quase todos marcados por profundas e graves irregularidades e quase sempre as mesmas”, escreveu Sérgio Carvalho em seu relatório.

 

Acossado por tantas denúncias, Jader foi assessorado pelos líderes do PMDB, Renan Calheiros (AL), e do PSDB, Sérgio Machado (CE), na preparação do discurso. Ao contrário do que ele mesmo espalhara há uma semana, não disparou ataques contra outros senadores. A alguns, afagou e até defendeu de acusações de corrupção. Foi o caso do presidente licenciado do Conselho de Ética, senador Gilberto Mestrinho (PMDB-AM). O mesmo método adotado pelo ex-senador Antônio Carlos Magalhães às vésperas de sua renúncia. Nem assim Jader melhorou sua situação. Sem respostas convincentes para a maioria das denúncias, o presidente licenciado do Senado não conseguiu se desviar da rota que o leva à perda do mandato.

Fábrica de crises
Leonel Rocha

 presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de criar duas crises com uma cajadada só: a indicação do procurador-chefe do Banco Central, José Coelho Ferreira, para ocupar uma vaga no Superior Tribunal Militar (STM). A primeira crise é no Senado, onde Coelho terá de explicar, durante a sabatina a que será submetido esta semana, as razões do seu parecer, de maio de 1992, inocentando o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) no caso de desvio de dinheiro do Banpará. A segunda crise eclodiu no próprio STM, onde o nome do funcionário do BC é considerado sem a reputação ilibada exigida por lei para o cargo. É que Coelho foi indiciado em inquérito aberto pela Polícia Federal em 1997 por obstrução ao trabalho da Justiça e prevaricação, quando impediu a citação de Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, e descumpriu decisão da Justiça Federal que suspendeu a intervenção na corretora Interunion Holding, decretada dias antes pelo BC. Além disso, o procurador não atuou como advogado por dez anos, exigência legal para ocupar a vaga. Dos 15 ministros do STM, pelo menos sete estão contra a posse de Coelho. O presidente Fernando Henrique escalou o chefe do gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Cardoso, para tentar convencer os ministros do STM a aceitar o nome de Coelho. Ele tem outro padrinho: o ministro da Fazenda, Pedro Malan, que levou seu nome para FHC.