Passaram cinco anos desde que a dívida da Grécia saiu do controle e ameaçou contaminar boa parte da Europa com uma crise na zona do euro. O então primeiro-ministro ­George Papandreou pediu socorro aos agentes financeiros e fechou um resgate bilionário com a troika formada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia. Como contrapartida, Atenas deveria seguir com rigor as medidas de austeridade fiscal defendidas pela chanceler alemã, Angela Merkel. No auge da crise, em 2012, a Grécia quase abandonou a moeda única, mas o custo seria alto demais para o bloco europeu, sobretudo Berlim, e assim acabou seguindo com o plano. Até que, no domingo 25, os gregos foram às urnas e tiveram a chance de dar seu veredicto. O resultado foi claro: a receita que alia corte de gastos e benefícios e aumento de impostos fracassou.

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HISTÓRICO
O novo premiê, Alexis Tsipras (acima), e seus eleitores comemoram a
vitória em Atenas, no domingo 25 (abaixo). Ele prometeu recuperar a soberania do país

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O grande vencedor das eleições foi o Syriza, partido que representa a esquerda radical e tem como principal bandeira a rejeição à austeridade. Sem gravata, como de costume, o novo primeiro-ministro, Alexis Tsipras, prometeu libertar o país da humilhação e recuperar sua soberania. Ele não diz isso por acaso. Nos últimos anos, a economia e o salário mínimo encolheram, enquanto o desemprego aumentou. A dívida pública também subiu. Para o economista Paul Krugman, o que aconteceu na Grécia desde 2010 foi um “pesadelo econômico e humano”. O Nobel afirma que, quando o acordo com a troika foi firmado, as projeções previam uma recessão passageira. Não foi. O Produto Interno Bruto (PIB) só voltou a crescer no fim do ano passado. “A extraordinária vitória do Syriza é uma rejeição às medidas impostas de fora do país”, afirma Vincenzo Scarpetta, analista político do instituto Open Europe, de Londres. “Nisso há um paradoxo. A maioria dos gregos quer continuar com o euro, mas eles discordam das regras atuais.”

Além de aumentar o salário mínimo, oferecer acesso gratuito ao sistema de saúde e restabelecer a energia elétrica gratuita para 300 mil famílias, o que o Syriza propõe é renegociar os termos do resgate. Novo ministro das Finanças, o professor universitário Yanis Varoufakis quer relacionar o pagamento da dívida de 280 bilhões de euros ao crescimento nominal do PIB, baseado nas projeções do FMI e do BCE. “Em 2038, vencem os títulos dessa dívida e teremos pagado o que pudemos”, disse em entrevista ao jornal espanhol “El Mundo”. “O que não pudermos, não pagaremos.” Na primeira semana no poder, o novo governo suspendeu um programa de privatizações e recontratou funcionários públicos. Os bancos do país perderam um terço de seu valor. Ainda é uma incógnita saber até que ponto vai o radicalismo dessa esquerda à grega. “Tsipras envia mensagens contraditórias, que variam conforme a audiência”, disse à ISTOÉ Takis Pappas, professor da Universidade da Macedônia. Autor do livro “Populism and Crisis Politics in ­Greece” (“Populismo e Crise Política na Grécia”, numa tradução livre para o português), Pappas acredita que o novo primeiro-ministro será um pragmático. “Para ser radical, é preciso ter dinheiro no caixa ou a possibilidade de desvalorizar sua moeda”, afirma. “Na Grécia, nenhum dos dois caminhos existe.”

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As medidas defendidas pela chanceler alemã, Angela Merkel,
não surtiram o efeito desejado. A economia encolheu e a dívida subiu

Ainda que passageiro, o maior efeito da vitória do Syriza além das fronteiras da Grécia foi um impulso a legendas populares tão díspares quanto o Podemos, da esquerda espanhola, e a Frente Nacional, da direita francesa. “Estamos assistindo a uma grande aproximação das extremas na Europa inteira”, diz Elena Lazarou, professora da Fundação Getulio Vargas e pesquisadora da Fundação Helênica para Política Europeia e Externa, de Atenas. “Os opostos se atraem pela recusa à austeridade.” Foi exatamente o que aconteceu quando Tsipras anunciou que formaria uma coalizão com o partido de direita Gregos Independentes. Em outras questões, como a imigração e a separação entre Estado e Igreja, eles continuam em dissonância. Na cerimônia de posse, Tsipras, que é ateu, dispensou o juramento sobre a “Bíblia”.

Se a esquerda pode empurrar a Grécia para fora do euro e eventualmente do bloco europeu, ninguém arrisca um palpite no momento. Mas o primeiro racha já ficou evidente – e não foi por causa dos empréstimos. Uma reunião de emergência com ministros da União Europeia definiria na quinta-feira 29, em Bruxelas, novas sanções econômicas à Rússia pelo conflito separatista no leste da Ucrânia. A favor de uma reaproximação com Moscou, a Grécia ameaçou quebrar o consenso entre os 28 Estados-membros, mas acabou voltando atrás.

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Fotos: Petros Giannakouris/AP Photo; Lefteris Pitarakis/AP Photo; ODD ANDERSEN/AFP PHOTO