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Consultoras contam como a trilogia impulsionou o mercado erótico e mudou o comportamento sexual de muitas mulheres. 

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SUPERPRODUÇÃO
Cena do filme "Cinquenta Tons de Cinza", que levará à tela
grande a história do livro que seduziu milhões de mulheres em todo o mundo

A enfermeira Lissandra Borba da Cunha, 43 anos, recebeu a indicação de uma amiga e ficou curiosa. Na época, só se falava naquele livro e ela resolveu conhecer a história que causava tanta polêmica. Inspirada pelas cenas quentes do romance, decidiu apimentar seu casamento de 21 anos com o advogado Aron Cunha, 48 anos, e começou uma dieta que a fez perder 20 quilos. “O livro despertou essa virada. Ao mesmo tempo que comecei a cuidar mais de mim, do meu corpo, passei a me sentir mais atraente e desejada”, diz. A obra que causou uma verdadeira revolução na vida dessa gaúcha, e de muitas outras mulheres pelo mundo, deve ganhar novo alcance e fôlego – desta vez nos cinemas. Com estreia mundial marcada para 12 de fevereiro, a adaptação para o cinema do maior fenômeno editorial recente, “Cinquenta Tons de Cinza” promete reacender o desejo de muitos casais, numa sociedade já superestimulada pela busca do prazer, impulsionar novamente o debate sobre a sexualidade feminina e movimentar a milionária indústria do sexo.

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ESTÍMULO
Para Lissandra, ao lado do marido, Aron, "Cinquenta Tons"
a incitou a explorar a sexualidade, o que tornou o casal mais cúmplice

“Cinquenta Tons de Cinza” já é um dos filmes mais comentados e aguardados dos últimos tempos. Cinquenta dias antes do lançamento do longa, fãs do livro faziam contagem regressiva nas redes sociais. Nos Estados Unidos, as vendas de bilhetes antecipados para a estreia bateram recordes históricos. Segundo o portal BoxOffice.com, que monitora a audiência dos cinemas americanos, US$ 60 milhões deve ser o faturamento do filme apenas no primeiro fim de semana de exibição nos Estados Unidos, valor superior aos US$ 40 milhões gastos nas filmagens. Especula-se que o estúdio Universal tenha desembolsado US$ 5 milhões pelos direitos cinematográficos da obra – maior valor registrado até hoje. Apesar de confirmarem o sucesso do livro, as cifras astronômicas em torno de “Cinquenta Tons” não devem gerar tanto debate quanto a mudança de comportamento impulsionada pela picante história de amor entre a jovem estudante Anastasia Steele e o alto, forte e bilionário Christian Grey, retratada nos três volumes da trilogia. “As mulheres que leram os livros agora vão levar os maridos e parceiros para assistir ao filme”, acredita a psicóloga e sexóloga Carla Cecarello. “E isso deve abrir a possibilidade para que muitos casais experimentem e conversem mais sobre sexualidade”, diz.

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A explosão “Cinquenta Tons” começou a tomar as livrarias e a imaginação de muitas mulheres no começo de 2012. Até então, a britânica E.L. James, hoje com 51 anos, casada e mãe de dois filhos adolescentes, levava uma vida comum como produtora de uma estação de tevê. Foi sua paixão pela saga “Crepúsculo”, da americana Stephenie Meyer, que a fez começar a escrever “fan fictions” (histórias de ficção baseadas em personagens conhecidos). Uma dessas narrativas teve tanto sucesso que James foi convidada a publicá-la, desde que mudasse os nomes dos personagens. Nascia assim, despretensiosamente, um dos maiores fenômenos editoriais recentes. Em seis semanas, a obra vendeu 10 milhões de cópias – marca que “O Código da Vinci” levou um ano inteiro para conquistar. Hoje, a trilogia composta por “Cinquenta Tons de Cinza”, “Cinquenta Tons Mais Escuros” e “Cinquenta Tons de Liberdade” (todos publicados no Brasil pela Ed. Intrínseca) já contabiliza mais de 100 milhões de cópias, físicas e virtuais, vendidas em todo o mundo e traduzidas em mais de 51 idiomas. A razão para tão estrondoso êxito, segundo especialistas, é a mistura da história de amor clássica com passagens sexuais explícitas. “Trata-se de um conto de fadas com um tempero de submissão”, diz Ailton Amélio, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). “É a história de uma mulher jovem, inexperiente e com baixa autoestima que desperta a paixão de um homem poderoso, bonito e seguro, mas que gosta de sadomasoquismo”, diz.

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As palmadas, chicotadas e provocações de Grey em Ana acenderam a libido feminina e fizeram florescer o filão de literatura erótica para mulheres. Desde o lançamento de “Cinquenta Tons”, pelo menos outros 20 títulos similares foram escritos. E essa onda não dá sinais de esgotamento, já que as leitoras continuam procurando esse tipo de romance. A estudante Isabella Sgobbi, 18 anos, começou a ler o primeiro livro da trilogia “Cinquenta Tons” escondida. E a paixão pela obra foi arrebatadora. “Em cerca de uma semana já tinha lido os três volumes, que depois reli quatro vezes”, diz. Para ela, a trilogia se aproxima das leitoras por não ser apenas mais um romance água com açúcar. “Tem, sim, uma história de amor, mas também relações sexuais, que é o que acontece em todos os relacionamentos. Acho mais real.”

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Além do meio literário, outro setor que se beneficia do sucesso acachapante de “Cinquenta Tons” é o mercado de produtos eróticos. Em várias cenas de sexo descritas nos livros, Grey e Ana usam uma série de brinquedos para adultos. São vibradores, bolas de pompoarismo, falos de vidro e, claro, chicotes e algemas, entre outros. Dados da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme) apontam que os itens de fetiche citados na série – caso das máscaras, algemas e chicotes, tiveram aumento de procura de 35% após o lançamento do primeiro livro. Tais acessórios, classificados como sadomasoquistas, pularam do nono lugar entre os dez mais vendidos no País em 2012 para o quinto lugar em 2014. A procura por fantasias e lingeries sensuais também subiu, pulando do quinto para o terceiro lugar. “Até o lançamento do livro, as vendas de artigos ‘sado’ estavam em baixa”, diz Paula Aguiar, presidente da Abeme. “Agora, com a estreia do filme, nossa expectativa é que a demanda aumente ainda mais.”

A crescente busca por artigos eróticos demonstra uma mudança no comportamento sexual da brasileira, garantem especialistas. “Antes, não era hábito por aqui a mulher comprar esses produtos”, afirma a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo. “Liberar as fantasias através de filmes e brinquedos adultos era característica mais masculina”, afirma. A experiência da empresária Christiane Marcello, sócia-proprietária da butique sensual “Sophie”, em São Paulo, confirma essa tendência. “Até a década de 90, os homens eram os principais compradores em sex shops”, diz. “Agora, as mulheres são a maioria.” Segundo levantamento da Abeme, hoje as clientes do sexo feminino representam 65% dos consumidores das sex shops físicas e 60% das online.

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A agora consultora sexual Andissa Begiato, 30 anos, faz parte dessa nova leva de consumidoras de produtos eróticos. “Antes eu tinha pavor desses brinquedos”, diz. Casada há nove anos e grávida, ela sentia que a vida sexual não ia bem, mas também não tinha coragem de adotar práticas mais picantes na relação. Foi depois de ler “Cinquenta Tons” que decidiu comprar alguns apetrechos para esquentar o casamento. Géis de massagem, anel peniano e algemas foram as primeiras aquisições. A intimidade aumentou e o sexo foi ficando melhor. “Foi uma revolução no casamento”, reconhece. Impressionada com a transformação, ela decidiu se tornar uma consultora de produtos eróticos. “Hoje, meu objetivo é mostrar que sexo é bom, não precisamos ter vergonha, e o mundo das sex shops pode trazer vários benefícios”, diz.

Esse fenômeno, no entanto, não é exclusivo das consumidoras brasileiras. Após o sucesso da trilogia, a corrida de mulheres a sex shops do mundo todo motivou a fabricante britânica Love Honey a criar, em parceria com E.L. James, a linha oficial de brinquedos eróticos de “Cinquenta Tons”. Todos os itens, em tons de preto e, claro, cinza, têm características iguais às dos usados por Ana sob o comando de Grey. Por aqui, a Loja do Prazer, maior sex shop do País, detém a exclusividade dos produtos. “Depois da divulgação do trailer, a procura pelos brinquedos oficiais cresceu muito”, diz Daniel Passos, presidente da Loja do Prazer. “E várias outras marcas entraram na onda, criando produtos similares.” O frenesi em torno do lançamento do filme também inspirou a grife de lingeries britânica Bluebella a lançar uma linha oficial, com peças que remetem ao universo BDSM (acrônimo para Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). Até o famigerado “quarto vermelho da dor”, onde Grey realiza suas fantasias de dominação, motivou a criação de uma suíte especial no motel Classe A, em São Paulo. Decorado de forma fiel à descrição do livro, com paredes de veludo e um sofá de couro vermelho, o quarto é disputado por dois ou três casais por dia. “Tem gente que vem aqui só para usar essa suíte”, diz o empresário Robson Marinho.

A maior liberdade para falar abertamente de sexo e de fantasia, e o acesso cada vez mais democrático à internet também estimularam muitas mulheres a acessar sites de conteúdo erótico. Segundo a pesquisa NetView, da Nielsen Ibope, do total de 15,5 milhões de brasileiros que navegaram em sites adultos em dezembro de 2014, 25% eram mulheres. A porcentagem é parecida com a da audiência do PornHub, maior portal de pornografia do mundo. Em um levantamento divulgado no dia 13 de janeiro a empresa afirmou que o Brasil é o país com a maior parcela de mulheres entre os visitantes do site. Aqui, 29% dos usuários do PornHub são do sexo feminino, enquanto nos Estados Unidos, país que detém o título de maior consumidor de pornografia do planeta, apenas 15% do público é composto por mulheres.

A crescente procura feminina por filmes pornográficos fez surgir um novo filão, o pornô para mulheres. As diferenças para as produções tradicionais vão desde o elenco (nos filmes para elas, os atores e atrizes são mais bonitos) até os detalhes técnicos, como iluminação, cenografia e trilha sonora. As fantasias retratadas também são diferentes. “O convencional está cheio de clichês, como a enfermeira tarada ou a dona de casa desesperada, fetiches masculinos que não refletem os desejos das mulheres”, diz a premiada diretora sueca Erika Lust, que já dirigiu quatro longas do gênero. Erika não gosta da trilogia “50 Tons”, mas reconhece a relevância da obra para a conquista da liberdade sexual feminina. “A popularidade desse título tornou mais fácil para muitas mulheres descobrirem e aproveitarem o erotismo, os brinquedos eróticos e até a pornografia, o que é fantástico.”

Para a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de “O Livro do Amor Vol. 1 e 2” e “A Cama na Varanda”, a loucura de muitas mulheres pela trilogia “Cinquenta Tons” não significa que elas desejam ser submissas, pelo contrário. “O livro faz sucesso porque é excitante”, diz Regina. “E por conta do feminismo e da liberação sexual, as mulheres hoje podem escolher como querem viver o sexo, com muito prazer”, afirma. Já a sexóloga Carmita Abdo acredita que os homens também precisam responder às mudanças. E o filme pode intensificar essa necessidade. “Diante desse novo comportamento sexual feminino, eles podem ficar gratificados ou assustados”, diz. Aron, o marido da enfermeira Lissandra, do começo desta reportagem, reconhece com bom humor a nova rotina sexual do casal. “Certa vez, disse em tom de piada aos amigos que estava pensando em me esconder no banheiro para fugir das constantes investidas da minha mulher”, diz. Aguarde Lissandra depois do filme, Aron.

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Fotos: João Castellano/Ag. istoé; Mireya de Segarra; Divulgação; Pedro Dias, João Castellano – Ag. istoé; Divulgação