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A feita às grandes tragédias melodramáticas que povoam as letras de seus tangos mais desbragados, a Argentina está atônita diante de um mistério policial ao melhor estilo de Agatha Christie. Entre os personagens principais dessa trama estão a presidente Cristina Kirchner, agentes secretos iranianos e o promotor federal Alberto Nisman, encontrado morto com um tiro na cabeça no banheiro de seu apartamento na madrugada da segunda-feira 19. Como todo bom romance policial, uma série de perguntas permanecem sem resposta e, a cada dia, a tese de que Nisman, um inimigo declarado de Cristina, se suicidou, como apontaram as autoridades policiais antes mesmo de o corpo do promotor esfriar, fica mais fraca. Na quinta-feira 22 a própria presidente argentina declarou que não acreditava mais na tese de suicídio. “Ele foi morto para prejudicar o governo”, afirmou Cristina Kirchner em um texto publicado em seu blog. Tudo isso a menos de nove meses das eleições que vão escolher o próximo presidente do país.

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DÚVIDA
Mais de 70% dos argentinos não creem que Nisman se suicidou

Faltavam poucas horas para o promotor federal Alberto Nisman depor no Congresso argentino sobre uma denúncia que havia feito contra o governo, quando foi encontrado morto. Nisman passara os últimos dez anos em dedicação exclusiva à investigação de um atentado à principal associação judaica do país, a Amia, ocorrido em 1994. Na denúncia, ele concluía que os responsáveis pela morte de 85 pessoas eram terroristas iranianos e acusava a presidente Cristina Kirchner e o chanceler Héctor Timerman de acobertá-los com o objetivo de fechar acordos comerciais vantajosos com o Irã.

A morte de Nisman suscitou suspeitas quase de forma imediata, principalmente pela decisão apressada das autoridades em determinar que o procurador havia cometido suicídio. Nisman não dava nenhum sinal de que pretendia tirar a vida. No lugar de uma carta de despedida, em seu apartamento havia apenas uma lista de compras. Em vez de convocar a cadeia nacional de rádio e tevê, como costuma fazer, Cristina se pronunciou apenas por uma mensagem. “Um suicídio provoca, em primeiro lugar, estupor e depois perguntas”, escreveu.

No mesmo dia, milhares de pessoas foram às ruas fazer essas perguntas. Uma pesquisa do instituto Ipsos mostrou que 70% dos argentinos acreditam que Nisman foi assassinado e, para mais da metade deles, o governo é o responsável pelo crime. “O mais difícil será o governo provar que não tem nada a ver com isso para o imaginário coletivo, e não para a Justiça”, disse à ISTOÉ o analista político Raúl Aragón.

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Cristina Kirchner seria acusada formalmente
por Nisman, no Congresso, na segunda-feira 19

O clima de desconfiança piorou quando a promotora Viviana Fein, que conduz as investigações da morte de Nisman, disse que “lamentavelmente” não foram encontrados vestígios de pólvora na mão da vítima. Outros pontos mal explicados aumentaram as dúvidas. O chaveiro que abriu o apartamento, a pedido da mãe de Nisman, disse que a porta de serviço não estava trancada e qualquer pessoa poderia tê-la aberto, contrariando a informação inicial de que o apartamento do procurador estava trancado por dentro. Ao “Clarín”, jornal oposicionista, Nisman havia dito que temia ser morto. Na quinta-feira 22, a presidente argentina mudou de ideia e se disse convencida de que se tratava de um assassinato.

Ainda é cedo para se descobrir o que de fato aconteceu com Nisman, mas, pela velocidade com que novos fatos têm vindo à tona, tudo parece levar a crer que o procurador não decidiu tirar a vida. Mas, independentemente da descoberta da verdade, uma coisa é certa: a morte de Nisman ficará ligada de forma indelével à atual presidente argentina.

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21 anos depois, atentado não foi esclarecido

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Com a maior comunidade judaica da América Latina, a Argentina nunca esqueceu o ataque à sede da Associação Mutual Israelita Argentina, em Buenos Aires, ocorrido na manhã de 18 de julho de 1994. A explosão de um carro-bomba deixou 85 mortos e mais de 300 feridos no local. O caso, no entanto, sofreu com a destruição de provas e nunca foi encerrado. O atentado terrorista teria sido orquestrado pelo grupo libanês radical Hezbollah e pelo governo do Irã, com a ajuda de policiais argentinos. Em 2006, a Justiça responsabilizou cinco iranianos e um libanês pelo ataque: todos funcionários do alto escalão do governo ou da Embaixada do Irã em Buenos Aires. O grupo é procurado pela Interpol (polícia internacional) desde então, mas ninguém foi preso. O país persa sempre se negou a colaborar com as investigações.

Fotos: Marcelo Capece, Juan Mabromata- afp; Alejandro Pagni/ap 


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