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Nos últimos anos, tornou-se comum para os brasileiros conviver com sucessivas quedas de energia elétrica. Bairros, cidades e até regiões do País ficavam no escuro e, em todas as ocasiões, o governo alegava que eram problemas localizados, provocados por defeitos nas redes de distribuição. Essa desculpa deixou de valer no início da tarde da segunda-feira 19. A partir das 14h55, a população de 11 Estados ficou mais de uma hora no breu. Com o blecaute, linhas de metrô deixaram de funcionar, o comércio teve grandes prejuízos e, mais uma vez, o brasileiro perdeu a confiança no sistema energético nacional. Às pressas, o Planalto acionou os órgãos do setor para explicar as razões do apagão. Em entrevistas e notas divulgadas pela imprensa, apesar de alegarem que havia uma “folga de geração no Sistema Interligado Nacional”, as autoridades reconheceram que o fenômeno foi provocado pelo alto consumo de energia, em decorrência do uso em excesso de aparelhos de ar-condicionado, ligados para atenuar o calor sufocante do verão. Atribuíram o problema também a falhas na transmissão de energia das regiões Norte e Nordeste para a Sudeste. Em razão do pico de demanda, as usinas foram desligadas preventivamente para evitar um colapso do sistema.

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CAMINHO ERRADO
Dilma apostou no investimento nas termelétricas. Agora, se vê que a aposta
deu errado. Não supriu a demanda e ainda encareceu a energia

O desabastecimento de energia expôs a realidade até então encoberta pelo governo para evitar desgaste, principalmente, no período eleitoral. Relatórios de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e análises técnicas oficiais revelam as fragilidades energéticas do País. De 2011 a 2014, o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) registrou mais de 180 lapsos de fornecimento em grande escala. No apagão da semana passada, que afetou mais de três milhões de pessoas, devido ao excesso de calor e das poucas chuvas, as usinas que abastecem as regiões de maior consumo doméstico e industrial simplesmente não tiveram musculatura para atender às necessidades do mercado brasileiro. Ou seja, a despeito da tentativa das autoridades de tentar tranquilizar a população, atribuindo o ocorrido na segunda-feira 19 também a uma falha técnica, resta evidente que o sistema energético brasileiro opera hoje no limite de sua capacidade. Outra prova disso é que, no dia seguinte ao apagão, o Brasil recebeu aporte de 998 megawatts da Companhia Administradora del Mercado Mayorista Eléctrico, da Argentina, para abastecer as regiões Sudeste e Centro-Oeste no horário de pico, por volta das 15h.

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VÍTIMA
Em razão do apagão da semana passada, o metrô de São Paulo
chegou a parar. Diversas pessoas tiveram que ser levadas a centros médicos

O governo não pode alegar que se surpreendeu com o aumento de consumo provocado pelos aparelhos de ar-condicionado neste verão. O consumo nacional de energia havia crescido 3,7% em 2014 e os sinais de que os reservatórios estavam com a capacidade reduzida já apareciam havia três anos em relatórios dos especialistas da consultoria PSR. No final do ano passado, estudos indicavam que os consumidores residenciais e de comércio precisariam reduzir em 6% os gastos de eletricidade, caso não quisessem conviver com eventos como os de segunda-feira 19. Em maio de 2014, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) afirmou, no Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase), que se cogitava fazer um racionamento, mas a medida extrema esbarrava em um dilema. “Existem dois riscos. O primeiro, de se precipitar e ter arrependimento. O outro, de não fazer e ter um problema mais sério no futuro”, afirma Hermes Chipp. Mas a decisão de adiar medidas de gestão de consumo obedeceu a uma agenda política. Às vésperas da eleição, o governo não ousou mexer no consumo de energia, porque sempre usou o racionamento de 2001, feito pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, como arma eleitoral contra os tucanos. À época, os brasileiros que ultrapassassem o consumo mensal de 320 megawatts tiveram de pagar 50% a mais na tarifa. Atualmente, calcula-se em 1 mil megawatts o gasto mensal por família. O racionamento gerou prejuízo de mais de R$ 40 bilhões à economia.

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A baixa dos reservatórios e o atraso nas obras de ampliação do sistema elétrico indicam que, em 2015, uma saída para se evitar novos apagões pode ser a volta do racionamento de energia. As medidas de restrição, seja lá que nome tenham, são inevitáveis. Esta é a previsão de Raimundo de Paula Batista, presidente da Enecel, empresa que comercializa energia. “Se nós tivéssemos no País uma economia aquecida, com mais demanda energética da indústria, o quadro seria mais grave. Como um sistema com capacidade para 120 mil megawatts tem que cortar fornecimento por causa de 2,2 mil megawatts? É preciso orientar a população, dar um choque de realidade, pois o apagão vai acontecer outra vez”, vaticina.

O Ministério de Minas e Energia faz planos decenais de investimentos. Mas entraves burocráticos na cadeia de licenciamento ambiental e na execução de grandes obras de infraestrutura levaram o governo a contar com as chuvas para adiar por mais um ano o fantasma da falta de energia elétrica. O último balanço do eixo de energia do PAC mostra que apenas 53% das obras de ampliação do sistema de geração e transmissão foram entregues no prazo contratado. Oito hidrelétricas em fase de construção poderão aportar 18,8 mil megawatts ao sistema e as usinas eólicas, outros 2,3 mil megawatts. Os projetos, porém, estão emperrados. “A tendência natural dos políticos é culpar a natureza, mas nós técnicos sabemos que a natureza é cíclica, não nos rendemos a essa tentação. Não se trata apenas de uma horinha sem luz, a crise é séria, mas os políticos negam até a última hora”, lamenta Rafael Herzberg, consultor da Interact Energia.

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Em fevereiro de 2014, quando uma falha na rede de transmissão em Tocantins provocou um apagão em 18 Estados, a situação dos reservatórios já não era boa. Mas o governo se blindou para evitar que a oposição no Congresso discutisse o problema. O Planalto também errou ao direcionar grandes investimentos para a matriz termelétrica. Essa foi a solução encontrada por Dilma Rousseff em 2004, quando ela ainda era ministra de Minas e Energia. As termelétricas funcionam como um sistema de segurança para falhas ou para aporte do sistema hídrico. O modelo, no entanto, não conseguiu suprir a demanda e o alto preço da energia gerada ajudou a elevar a tarifa, impactando também os índices de inflação e equilíbrio do mercado. Em maio de 2013, Dilma desestabilizou o setor de energia. Na ocasião, a presidente editou um decreto que reduziu artificialmente o valor da tarifa elétrica. Como a energia termelétrica é muito mais cara, a medida gerou um rombo nas contas dos governos e nas finanças das empresas. Só nos dois últimos meses de 2014, as companhias do setor tiveram prejuízo de mais de R$ 3 bilhões para manter as tarifas em níveis mais baixos.

Ainda este mês, o governo anunciaria o início de reajustes, que podem chegar a 40% até o final do ano, no custo da energia elétrica. A má notícia para os consumidores foi adiada após o apagão. Titular da Comissão de Minas e Energia da Câmara, o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) reclama que o Palácio do Planalto mobilizou sua base aliada para vetar, no ano passado, a convocação do ex-ministro Edison Lobão para falar de possibilidade de apagão em 2015. “Todo setor elétrico dizia que o apagão aconteceria, mas o governo não queria falar disso no período das eleições. Assim como mudaram a meta de superávit na canetada, queriam fazer São Pedro mudar a meta de chuvas”. Pode não ser agora, mas o aumento no preço da energia para os consumidores vai acontecer. Mesmo assim, nada indica que os brasileiros estarão livres de novos apagões.

“Vamos atrair investimentos”
O engenheiro eletricista Eduardo Braga, 54 anos, assumiu o Ministério de Minas e Energia no dia 1º de janeiro e, logo na terceira semana, enfrentou uma crise no sistema energético brasileiro. Nesta entrevista, ele fala sobre os problemas do setor e aposta na modernização das redes de baixa tensão como uma das soluções para o País.

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ISTOÉ – Chegamos ao limite do sistema energético?
Eduardo Braga
– Não. Nós estamos trabalhando em situações extremas, com uma reserva de água menor e menos chuva do que nos anos anteriores. O que aconteceu foi consequência de um problema técnico em uma rede de transmissão e foram feitos desligamentos preventivos.
ISTOÉ – O sistema está preparado para um longo período de estiagem?
Braga –
Nosso sistema é bastante robusto e eficiente. Diferentemente de outros países, o Brasil tem um Operador Nacional do Sistema Elétrico. Temos uma matriz energética diversificada, com um preponderante papel da matriz hidráulica. Isso é bom, mas nos obriga a ter um sistema de térmicas de base para suportar longos períodos de estiagem. Os nossos estudos foram feitos até o ponto de referência mais crítico pelo cenário histórico. Se ultrapassarmos esse cenário, correremos algum risco.
ISTOÉ – O que deve ser feito para evitar novos problemas?
Braga –
Teremos alguns fatos novos, por exemplo, na matriz eólica, na matriz foto-voltaica e de biomassa, que farão uma grande diferença na geração distribuída na próxima década. Precisamos modernizar a nossa rede de baixa tensão, essa que passa na rua, e a iluminação pública.
ISTOÉ – O sr. afirmou que é necessário construir um ambiente propício aos negócios. O que significa isso?
Braga –
É preciso diálogo com o setor privado, com o setor público e com os diferentes agentes reguladores para que haja um ambiente de confiança. Vamos buscar fontes de financiamento e atrair mais investimentos. Isso vai fazer com que possamos ter os leilões cada vez mais disputados, seja de distribuição de geração, seja de novas tecnologias.

Eumano Silva

Fotos: Adriano Machado/AG. ISTOE; Fernando Nascimento/Folhapress; Wilson Dias/Agência Brasil Shutterstock 



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