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A nutricionista Aderuza Horst, 32 anos, professora da Universidade Federal de Goiás, transformou seu jeito de viver. Passou a fazer mais exercícios físicos e reestruturou a dieta com especial cuidado para adicionar a seu cardápio alimentos que ajudam a proteger seus neurônios. A decisão de alterar hábitos para ter um cotidiano mais saudável foi tomada depois que ela pegou nas mãos o resultado de um exame de seu material genético, o DNA. Ele mostrou que seu código genético escondia uma variante genética associada ao risco de desenvolvimento de uma doença neurodegenerativa. “Mas como sei que é um risco e não uma sentença, estudei muito e fiz mudanças no meu estilo de vida e na dieta, como aumentar a ingestão de substâncias e suplementos que oferecem alguma proteção neuronal para gerenciar e diminuir meus riscos”, conta.

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Aderuza é uma das brasileiras que estão conseguindo se preparar para uma vida melhor com a ajuda de uma nova geração de testes de DNA feitos com amostras de saliva, de sangue ou de células bucais (colhidas com cotonete) que começa a ser oferecida no País por centros de medicina genética, hospitais e, em alguns casos, diretamente por médicos. Na lista de inovações disponíveis ou em fase final de implantação estão diversos painéis genéticos, exames assim chamados porque analisam vários genes ao mesmo tempo e com maior rapidez. Há desde “pacotes” para estimar o risco personalizado de problemas cardiovasculares, a tendência à obesidade ou conhecer as respostas do organismo a remédios usados para tratar a depressão e a ansiedade até opções como os perfis genéticos destinados a medir a propensão da pele à degradação do colágeno (proteína que lhe dá sustentação) ou a velocidade de metabolização da cafeína. Esses exemplos evidenciam o crescimento vertiginoso que experimenta esse campo da medicina.

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O conhecimento das reações do organismo aos alimentos, por exemplo, desperta enorme interesse. Por isso, muitos laboratórios de genética estão customizando testes para essa investigação. Os resultados dependerão do “combo” de cada companhia. O perfil nutrigenético do Centro de Genomas, por exemplo, avalia as chances de obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão arterial, intolerância à lactose e ao glúten, o metabolismo das gorduras, das vitaminas, da cafeína e o potencial inflamatório do organismo. Já o laboratório RDO batizou seu exame de Perfil do metabolismo e do exercício. Nesta proposta, são estudados mais de 150 genes cuja investigação permite à equipe de especialistas que faz o laudo sugerir, por exemplo, se o indivíduo é mais suscetível do que outros à maior dificuldade de se sentir saciado após a refeição. “Nesse caso, é analisado o gene FTO, vinculado à massa gorda e à obesidade”, diz o geneticista Roberto de Araújo, diretor do RDO.

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O laboratório Biogenetika planeja o lançamento para este ano de laudos mais focados para apresentar resultados mais objetivos. “Se uma pessoa tem dúvidas em relação aos alimentos mais indicados, poderá realizar um teste só com essa finalidade”, explica a diretora clínica Lia Kubelka. Também crescerão no mercado versões de testes customizados para atletas com o propósito de desvendar as reações do corpo aos exercícios de força ou resistência, por exemplo, e a taxa de metabolização de nutrientes como gorduras, carboidratos e vitaminas. Outra opção já disponível no Brasil são os painéis mais amplos, que fazem uma varredura da predisposição a várias enfermidades. Nesses exames está incluída a análise de genes que indicam as chances de males neurodegenerativos, como Parkinson e Alzheimer.
Parte das novidades está concentrada na área da medicina fetal. Há recursos como o que rastreia mais de 700 doenças hereditárias a partir da coleta de amostra sanguínea de jovens casais que planejam ter filhos, mas receiam transmitir genes defeituosos a eles. “Nos Estados Unidos, esses painéis estão entrando na rotina dos casais que querem ter filhos independentemente de fazerem parte dos grupos para os quais esses exames são indicados, como indivíduos que têm casos na família ou são parentes entre si”, relata o médico geneticista Ciro Martinhago, do Laboratório Chromossome, em São Paulo.

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Outro exame, feito com apenas uma amostra de sangue da mãe, busca possíveis anomalias fetais. “Ele tem a vantagem de não ser invasivo. É uma ótima opção aos testes feitos com essa finalidade que demandavam a retirada de amostras da placenta ou do sangue do cordão umbilical”, diz Wagner Baratela, assessor médico de genética molecular do Fleury Medicina e Saúde.

Uma das explicações para esse grande movimento mundial de disseminação dos testes genéticos é o surgimento de tecnologias que podem baratear e acelerar as análises. No ano passado, por exemplo, a empresa americana Illumina lançou uma máquina capaz de sequenciar cinco genomas inteiros em um só dia ao custo aproximado de US$ 1 mil. “A velocidade da execução dos exames está aumentando e isso permite criar novos formatos”, diz Hélio Margarinos, do Laboratório Richet, no Rio de Janeiro. Além disso, os progressos feitos pelas companhias de biotecnologia e pesquisadores na compreensão do genoma e interpretação dos testes impulsionam o mercado. É o que faz, por exemplo, a deCode, uma companhia líder mundial em biociências sediada na Islândia. Há poucos meses, seus cientistas publicaram trabalhos apresentando mutações genéticas que podem proteger do surgimento do Alzheimer.
As respostas fornecidas pelos testes genéticos podem se tornar preciosas. Saber que se é portador de risco para o surgimento de uma doença contra a qual há prevenção disponível – obesidade e infarto, por exemplo – dá a oportunidade de fazer mudanças a tempo de se prevenir e ganhar o jogo. Desse modo, representam uma revolução no cuidado com a saúde. É o que se vê nos depoimentos publicados ao longo da reportagem.

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Porém, devido ao fato de ser essa uma área mais recente da medicina comparada a especialidades já bem estabelecidas, algumas ressalvas se fazem necessárias. Um exemplo é a validade de se submeter aos novos painéis genéticos para alimentos ou exercícios. “Eles fornecem sugestões baseadas nas mais recentes descobertas para reorientar a alimentação de modo a promover a saúde”, defende a nutricionista Aderuza Horst, que é também doutora em ciência dos alimentos e especialista em nutrigenética. Ela auxiliou na formatação de alguns exames e costuma ser consultada por médicos para interpretar os resultados. A médica geneticista Lavínia Schüler-Faccini, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Genética, tem outra opinião. Ela acha que, em muitos casos, os dados oferecidos por esses painéis nutricionais, para a beleza ou exercício são insuficientes. “Os resultados e o aproveitamento acabam sendo limitados quando as evidências científicas são pequenas ou fracas”, diz a especialista, que é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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A geneticista Lavínia também alerta quem pretende se submeter a um teste de DNA com finalidade preventiva – com a intenção de conhecer a sua predisposição a doenças como Alzheimer e Parkinson, por exemplo – a se aconselhar antes com um geneticista. “Pode ser fonte de muita dor de cabeça se a pessoa não for bem orientada e não tiver suporte para discutir os resultados e tirar as suas dúvidas.” Lavínia fala com conhecimento de causa. “Atendo muita gente que comprou testes de DNA pela internet, como os que são vendidos pela companhia americana 23andMe, e se apavorou ao ler o laudo”, diz.

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De fato, descobrir-se portador de uma mutação que predispõe ao câncer ou a uma doença degenerativa não é uma informação fácil de digerir e tampouco pode ser ignorada. A oncogeneticista Maria Isabel Achatz, do A. C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, está acostumada a ser procurada por pessoas que fizeram testes para avaliar suas chances de câncer e com milhões de dúvidas na cabeça. “Em geral, foram testes pedidos por médicos que não conseguiram interpretar adequadamente os resultados”, afirma. Em um dos casos, a paciente fez um teste para avaliar as chances de câncer de mama hereditário e se assustou com mutações que o mastologista não soube explicar. “Melhor teria sido se ele a enviasse a um geneticista para estudar melhor o exame diante da história da família”, diz a médica. Para ela, a necessidade de os médicos de várias especialidades trabalharem em conjunto aumenta na medida em que os recursos para detectar variações nos genes associadas ao câncer também se multiplicam. Hoje, há desde testes para tumores de mama que avaliam 19 genes a outros que rastreiam 94 e até mais de 300 genes para vários tipos da doença.


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Mais uma preocupação da geneticista Lavínia são os testes para crianças. “Se um teste desses aponta que um menino que adora correr não será um atleta de sucesso nessa área por causa das características das suas fibras musculares, pode desencorajá-lo a fazer algo de que gosta. E sabemos que vencer não depende só dos genes”, diz a especialista. A questão é ainda mais grave se o teste for preditivo de enfermidades que só se manifestam na idade adulta, como a doença de Huntington (mal hereditário e degenerativo caracterizado por desordens mentais e motoras). “É preciso que a pessoa tenha suporte e recursos emocionais para lidar com seu diagnóstico”, defende Lavínia.

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O desafio de administrar as informações dos testes genéticos é mundial. No final de 2013, por exemplo, a agência americana que regulamenta medicamentos e procedimentos, o FDA, proibiu a 23andMe de vender seus testes de genoma diretamente aos usuários, o que a companhia vinha fazendo desde 2010. Um dos questionamentos do FDA era justamente o gerenciamento dos resultados e das atualizações que a companhia enviava por e-mail por causa de descobertas sobre o papel dos genes. A decisão gerou grande polêmica sobre o direito de os indivíduos conhecerem seus dados genéticos e qual seria o caminho mais adequado para prover o suporte necessário a quem quisesse abrir a caixa de Pandora do seu DNA.

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Atualmente, o site da companhia oferece um teste vendido a US$ 99 para identificar ancestrais. Ou seja, se você descende de esquimós, indianos, europeus, africanos. Mas, no final do ano passado, o kit de anélise do genoma foi lançado na Inglaterra, país que está mobilizado por um projeto de sequenciar 100 mil genomas para formar um banco de genomas nacional e se tornar líder mundial em genética. No Brasil, há o desafio de baixar o preço desses testes – muitos bem acima de R$ 1 mil – e obter a cobertura dos planos de saúde para sua realização. É preciso ainda compilar variações específicas da nossa população e aumentar o número de especialistas na área. “Somos apenas uns 350”, diz Bernardo Garichochea, coordenador do centro de Aconselhamento Genético e Câncer do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Fotos: Pedro Dias, Rafael Hupsel – Ag. Istoé; RENATO VELASCO; Gabriel Chiarastelli/ag. istoé; Montagem sobre foto shutterstock; FELIPE GABRIEL 


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