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Thomas Watson, presidente da IBM, gerenciou pessoalmente as operações para Adolf Hitler

Uma máquina antiga, com as dimensões de um forno de microondas, não costuma causar muito impacto nos visitantes do U.S. Holocaust Memorial, em Washington. Afinal, as galerias do local trazem itens muito mais contundentes que documentam a história do Holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial. Mas, para o jornalista Edwin Black a presença do velho instrumento retangular com mecanismos expostos, em meio a relíquias do aparato nazista de destruição, causou um choque inspirador. O aparelho de aparência inócua era um tabulador Hollerith – espécie de bisavô dos computadores modernos –, capaz de catalogar e ajudar na análise de dados codificados em cartões perfurados. A peça havia prestado serviços inestimáveis aos gerenciadores de campos de extermínio. “Quando Hitler e seus comandados precisavam identificar judeus por meio de nome, residência ou ascendência, aquela maquininha fazia o serviço com a exatidão tão a gosto dos alemães”, disse Black a ISTOÉ. E essa constatação resultou no livro IBM and the Holocaust, que teve lançamento mundial simultâneo na segunda-feira 12. A obra documenta com precisão, digamos, de uma engenhoca Hollerith, as relações espúrias entre seu fabricante americano e o esforço totalitário nazista. A empresa produtora desta tecnologia era a IBM e suas operações foram tão importantes para os desígnios do III Reich que, em 1936, o presidente da companhia foi agraciado com uma medalha por Adolf Hitler.

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A máquina perfuradora de cartões

Thomas Watson, o lendário comandante que transformou a IBM numa das maiores corporações do mundo, devolveu a medalha contendo a águia e a suástica em 1941, quando sua empresa perdeu o controle da Dehomag, a filial alemã da IBM. Mas, até então, as relações entre a companhia e o governo nazista tinham a firmeza de uma parceria antiga. “Nos censos de 1936 e 1939, feitos na Alemanha, as máquinas Hollerith ajudaram a catalogar quem era judeu ou quem tinha algum tipo de ascendência judaica. Também documentaram propriedades, locais de residência e outras informações que serviriam ao esforço de extermínio e desapropriação dos bens de judeus pelos nazistas. Em 1939, a IBM estava fornecendo cerca de um bilhão de cartões perfurados ao governo alemão. Isso a despeito de memorandos internos darem conta de que a Wehrmacht (Exército alemão) estava usando o material ‘para todos os propósitos imagináveis’”, diz Black.

E nem mesmo a utilização desta tecnologia para os fins da chamada “solução final do problema judeu” era secreta. Já em 1933, quando Hitler chegou ao poder, Willy Heindeger, o chefe da Dehomag e membro de carteirinha do Partido Nazista, escreveria a Watson dizendo que as máquinas da empresa iriam ajudar o führer a fortalecer a saúde e a pureza do corpo social alemão. “Até 1940 Watson gerenciou com zelo pessoal as operações alemãs na Europa ocupada pelos nazistas”, revela Black. “Não se pode dizer que Watson aprovasse especificamente o emprego de sua tecnologia em campos de concentração. Mas documentos que encontrei mostram claramente que as máquinas Hollerith foram usadas em pelo menos 12 destes campos, incluindo Buchenwald, Auschwitz e Dachau”, diz Black.

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As revelações do livro de Black geraram ação contra a IBM

Ação indenizatória – As parcerias entre empresas internacionais e o governo nazista não representam novidade. Bancos suíços foram processados por terem embolsado bens expropriados das vítimas do Holocausto. A Ford americana, por meio de sua subsidiária alemã, ajudou no esforço de dominação nazista. E a vez de a IBM entrar na fila dos devedores chegou agora juntamente com a obra de Black. No sábado 10, cinco sobreviventes de campos de concentração entraram com uma ação indenizatória na corte federal do Brooklyn, em Nova York. “No campo de Dachau existiam 24 tabuladores, selecionadores e impressoras IBM”, diz a advogada Suzette Malveaux, da firma Cohen, Milstein, Hausfeld & Toll, que representa os queixosos. “Os técnicos da IBM sentaram com seus clientes nazistas e desenvolveram o sistema. Treinaram os burocratas dos campos a usar as máquinas e a fazer os cartões. O pessoal da empresa visitava os campos de extermínio com regularidade para fazer a manutenção do equipamento”, acusa Suzette.

Em meio a este dilúvio de péssima publicidade, a IBM parece agir com a cautela dos acuados. “Nós não podemos comentar este livro, pois não tivemos acesso prévio aos manuscritos. Mas, se as alegações da obra forem verdadeiras, a IBM condenará qualquer ação que tenha ajudado os nazistas”, disse a porta-voz Carol Makovich.

Edwin Black, filho de sobreviventes de um campo de extermínio e autor do livro The transfer agreement, em que relata as relações entre a Alemanha nazista e a liderança sionista na Palestina, reconhece que o Holocausto teria acontecido mesmo sem a IBM. “Mas a tecnologia da empresa deu uma dimensão muito maior ao pesadelo”, diz.