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 Assista à cobertura do 2º dia de greve. 

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SEGURO
Os metalúrgicos do ABC querem que o governo aprove um programa de
proteção ao emprego para reduzir a carga horária dos
trabalhadores com risco de demissão, sem perdas salariais

No início da tarde da quinta-feira 8, Rafael Marques Júnior, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, mal teve tempo para almoçar. Envolvido em um sem-número de reuniões acerca da greve que paralisa a linha de produção da Volkswagen em São Bernardo do Campo, só conseguiu comer um sanduíche natural de queijo com pão integral. Precisava correr para chegar à porta da fábrica antes da troca de turno e liderar mais uma assembleia. Rafael, um eletricista de manutenção que ingressou na Ford de São Bernardo em 1986, tem 50 anos e pela primeira vez lidera uma paralisação desse porte à frente do mítico Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o grande protagonista das greves históricas do fim dos anos 70, o berço petista e a entidade que catapultou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao posto de liderança nacional, há mais de 30 anos.

A greve de agora na Volks em nada lembra as grandes paralisações lideradas por Lula. Mas, à sua maneira, também pode ser emblemática. A depender do seu resultado, pode marcar o início de um distanciamento entre o movimento sindical e o governo da presidente Dilma Rousseff, que inicia seu segundo mandato enviando sinais claros de que, a partir de agora, a ordem é ajustar as contas, custe o que custar. Situação muito distinta da dos últimos 12 anos, quando o movimento sindical não teve ameaçada sua agenda e via no comando da Fazenda um ministro mais preocupado em manter o emprego do que controlar a inflação. “O setor automotivo está acostumado a benesses que o protegem, como as desonerações, algo a que o novo ministro da Fazenda já disse ser contrário. Essa crise da Volkswagen é o primeiro embate com a política econômica defendida pelo Joaquim Levy”, diz João Guilherme Vargas Neto, conselheiro sindical e integrante do Diap.

Rafael Marques sabe disso. E sabe também que todo o movimento sindical está olhando com atenção para como as coisas vão se desenrolar em São Bernardo do Campo, em especial o papel que o governo vai desempenhar na intrincada negociação que deve se desenrolar nos próximos dias entre os trabalhadores e a Volkswagen. O resultado pode ser a senha para uma inédita ofensiva sindical contra o governo petista na busca da manutenção de seus interesses. “Este é o momento de os sindicatos começarem uma série de ações pela defesa do emprego”, diz Adalberto Moreira Cardoso, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj e pesquisador do movimento sindical no Brasil.

Ao contrário dos últimos anos, desta vez os trabalhadores não esperam novas medidas de resgate momentâneo, como as inúmeras desonerações setoriais que marcaram os anos de Mantega na Fazenda. A pressão do movimento sindical, em especial dos metalúrgicos, é que a presidente Dilma tire da gaveta um projeto que já está no Planalto há pelo menos dois anos e que cria uma espécie de “seguro-emprego”. O projeto, que recebe o nome de Plano de Proteção ao Emprego, foi inspirado por um similar alemão e tem o apoio, ao menos conceitualmente, de boa parte da indústria.

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Em linhas gerais, o PPE prevê a criação de um fundo com recursos do FAT ou do FGTS – ou uma união dos dois – para ser usado em momentos de crise setorial, como a que se aproxima do setor automotivo. A proposta é que as empresas reduzam a carga horária – entre 20% e 50% – em vez de demitir os funcionários. Os salários seriam reduzidos por conta disso, mas o trabalhador receberia os vencimentos de maneira praticamente integral por conta do aporte do governo com os recursos do fundo.
A ideia nasceu no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foi adotada como bandeira pela CUT e conta com o apoio das principais centrais sindicais, apesar de haver divergências entre alguns itens. Ela também é bem-vista por parte da indústria, mas vem patinando no Planalto. O projeto estava a cargo do ex-secretário-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Agora passou às mãos do seu sucessor, Miguel Rossetto.

Para os metalúrgicos do ABC, a simples sinalização do governo de que vai desengavetar o projeto ainda no primeiro trimestre poderia resolver a questão com a Volkswagen. “Se a Dilma mostrar que isso pode acontecer de fato, tenho certeza de que chegaríamos a um entendimento de forma rápida”, diz o presidente do sindicato. Apesar de estar a cargo do Planalto, o projeto vai em direção contrária à nova política econômica baseada na austeridade prometida por Dilma. Os metalúrgicos concordam que a discussão ainda não está madura para a criação de um programa que englobe todos os setores da economia e pressionam o governo para que uma espécie de projeto piloto focado, claro, no setor automotivo seja criado de forma imediata. Uma ideia que não deve encontrar apoio da equipe econômica, cujo atual comandante, Joaquim Levy, classificou como patrimonialismo “ajudas pontuais a setores”.

Ainda não há um clima beligerante entre governo e o movimento sindical, que vê o Planalto como aliado, apesar da mudança na política econômica, de viés mais liberal. “Nós apoiamos a presidente, mas a CUT tem autonomia e independência e vai cobrar os compromissos assumidos pela presidenta”, diz Carmen Foro, vice-presidente da CUT.

Apesar de entender que as empresas se beneficiaram profundamente dos incentivos fiscais do governo nos últimos anos, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC diz que compreende a posição da Volks, que vinha tentando renegociar o acordo estabelecido em 2012, com validade até 2016, desde a metade do ano passado. O próprio Sindicato recomendou que a categoria aprovasse a proposta que previa congelamento de salários até 2016 – com a garantia de abonos em 2014 e 2015 – para que os empregos fossem mantidos até 2019. A categoria, no entanto, rejeitou. Nos últimos dez anos, trabalhadores e indústria têm mantido uma relação que poderia ser considerada “cordial” em comparação às décadas anteriores. A última greve de grande porte no ABC ocorreu em 2006, quando a Volks demitiu 1,8 mil funcionários. De lá para cá, acordos de longo prazo têm sido costurados, muitas vezes com o apoio direto do governo.

Por isso, os metalúrgicos do ABC acreditam que o momento é muito mais de pressionar o governo para a criação do PPE do que entrar em confronto direto com a Volkswagen. Por enquanto, a pressão está sendo feita nos bastidores, mas na próxima semana ela pode ganhar as ruas, em protestos realizados longe da fábrica de São Bernardo, e direcionados ao governo, pedindo proteção ao emprego. Recém-reformada, a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC pouco lembra o antigo prédio revestido de pastilhas que se tornou um símbolo de resistência trabalhista. A antiga sala da presidência, a mesma em que Lula comandou as greves históricas do fim dos anos 70, foi abandonada. Vai virar, agora, uma espécie de museu, com a recolocação dos móveis e fotografias originais daquela época e ficará aberta apenas para visitação.

Rafael Marques agora ocupa uma sala mais ampla, bem iluminada e com móveis tinindo de novos. A decoração é frugal, mas simbólica. Apenas três quadros ornam as paredes. Uma foto de uma greve na Ford na década de 90; uma foto oficial da presidente Dilma colocada em uma coluna ao lado da janela, numa área pouco privilegiada do escritório; e uma foto oficial de Lula como presidente da República, estrategicamente colocada acima da mesa ocupada pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista.

Dali, Rafael Marques garante que o governo continua como um aliado do movimento sindical. “Mesmo com a mudança na política econômica, este é um governo que tem uma relação com o movimento sindical”, diz ele, com Lula ao fundo, talvez sem a mesma certeza dos tempos em que seu antigo antecessor comandava o País.

Com reportagem de Ana Carolina Nunes

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Foto: Edmilson Magalhães/Sindicato dos Metalúrgicos do ABC; João Castellano/ISTOÉ

 



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