A criação de remédios com auxílio da engenharia genética (tecnologia que permite modificar moléculas) é a menina dos olhos da indústria farmacêutica. A mais recente conquista do setor é uma nova droga usada para bloquear a formação de coágulos nas veias, uma doença conhecida como trombose venosa profunda. Esses coágulos ou trombos podem dificultar a circulação do sangue e a irrigação dos tecidos. Pior. Existe a chance de eles se soltarem dos vasos sanguíneos e atingirem alguma veia importante do pulmão, levando à embolia. Essa migração também pode desencadear a famosa síndrome da classe econômica, que acomete passageiros de vôos longos que ficam sem se movimentar por muitas horas seguidas. O mal pode levar à morte.

No desenvolvimento do fondaparinux, princípio ativo da nova droga, os especialistas em engenharia genética copiaram apenas uma parte das moléculas de heparina (substância extraída do intestino e dos pulmões de bois e porcos, usada para evitar a formação de coágulos). O resultado, uma molécula sintética, foi apresentado durante o Congresso Internacional de Trombose, realizado no início de julho em Paris. Produzido pelo laboratório Sanofi-Synthélabo sob o nome comercial Arixtra, o remédio está em fase de aprovação pelo FDA, a agência americana que regulamenta medicamentos. Ele deve chegar ao Brasil no início de 2002.

A grande novidade do fondaparinux é que ele é mais puro do que as heparinas tradicionais, fabricadas a partir de tecidos animais, que têm diversas limitações – uma delas é a possibilidade de causar alergias. “O fondaparinux age seletivamente sobre uma substância presente na coagulação, enquanto as drogas anteriores atuavam em várias substâncias do sangue ao mesmo tempo”, explica o cardiologista José Péricles Esteves, do Hospital Português, em Salvador. O composto inaugura também uma nova classe de medicamentos, os pentassacarídeos (produzidos com cinco moléculas de glicose, um tipo de açúcar). Uma das consequências dessa mudança é a ação mais controlada, comprovada em estudos internacionais. “O remédio reduz em 64% os riscos de trombose depois de cirurgias ortopédicas, por exemplo”, garante Jack Hirsh, da MacMaster University, no Canadá. Ele fala com base num estudo realizado com 1.714 pacientes operados para corrigir fraturas nos joelhos ou pôr próteses nos quadris. Nesses casos, o pós-operatório mais longo eleva as chances de formação de coágulos, especialmente nas pernas.

Outra vantagem da droga é a duração prolongada. “Com vida útil de 15 a 20 horas, ela pode ser dada em uma única injeção diária. É um alívio para o paciente, que antes precisava tomar mais de uma dose por dia”, afirma Esteves, do Hospital Português. A instituição baiana participa de estudo sobre a ação do medicamento no tratamento da embolia pulmonar junto com os hospitais das Clínicas e da Pontifícia Universidade Católica, ambos de Porto Alegre, e o Albert Einstein, de São Paulo.