Já se foi o tempo em que criança saudável era gordinha e bochechuda. O índice de obesidade na infância cresce no mundo todo, alarmando os profissionais de saúde. Para a nutricionista canadense Leslie Beck, que esteve no Brasil para participar do III Congresso Mundial de Nutrição em Pediatria, realizado em São Paulo recentemente, já se pode falar em epidemia. “No Canadá, 25% das crianças estão nessa situação. Falta informação a respeito da gravidade de ser obeso nessa fase da vida”, revela. No Brasil, não há estatísticas, mas os especialistas garantem que o problema afeta países ricos e em desenvolvimento, ocorrendo até mesmo em regiões pobres. “Isso é o mais grave. Temos crianças obesas e ao mesmo tempo mal nutridas”, afirma o endocrinologista Luis Calliari, da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.

Ainda não se sabe exatamente qual será o impacto do aumento da obesidade infantil no futuro. Mas já se calcula que o número de adultos com complicações cardíacas será alarmante. A incidência de outras doenças pode ser agravada. “Com a facilidade de se engordar que existe hoje, é bem provável que daqui a algum tempo muitos adolescentes façam de tudo para emagrecer, podendo sofrer de bulimia (compulsão repentina de ingerir grande quantidade de comida, seguida de indução de vômito) e anorexia (a pessoa se imagina acima do peso e deixa de se alimentar)”, explica o psiquiatra José Eduardo Neves, especialista em transtornos alimentares.

Um indicador de que o mal merece atenção é que a Organização Mundial de Saúde mostrou em 2000 que, pela primeira vez na história, a população mundial de obesos é maior do que a de desnutridos. Um dos motivos disso é a má alimentação. Dentro e fora de casa. Estudo recente feito pelo Instituto Sodexho perguntou a crianças de 11 países, inclusive o Brasil, se elas comem o que querem na escola: 68,8% responderam sim. Em 1960, esse índice foi de 18,2%. Como é fácil imaginar o que os alunos gostam de comer no intervalo das aulas, o dado sugere que a dieta dos pequenos está perdendo qualidade. A inatividade é outra vilã. Devido à violência nas ruas, por exemplo, as crianças saem menos de casa, o que restringe brincadeiras como pega-pega, que serviam para exercitá-las.

Mas não adianta encher a geladeira de frutas e obrigar a criança a fazer natação sem tentar descobrir a razão da engorda exagerada. Muitas vezes, a questão é complexa. “A gula excessiva pode ser causada por problemas com a família. Isso tem de ser pesquisado para que o tratamento seja adequado”, ressalta Marina Gomes, professora de psicologia da PUC de São Paulo. Ela diz ainda que não se deve diferenciar o cardápio do filho que está gordinho ou proibir alimentos. O certo é equilibrar a dieta da família. Caso contrário, o pequeno se sentirá castigado, o que pode piorar a situação. A advogada Denise Chavier, 57 anos, segue a orientação para ajudar seu filho, Eduardo, cinco anos. “Não proíbo nada, só controlo quantidades e horários”, afirma. Além disso, o menino, que tem alguns quilos a mais, brinca diariamente num parquinho para se exercitar.

Para evitar o problema, a saída é a prevenção. A nutricionista Claudia Juzwiak, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que a criança deve aprender mais sobre nutrição. “Precisa ser um esforço conjunto da escola, dos pais e do governo.” A Unifesp, por exemplo, tem um ambulatório especializado em obesidade infantil, formado por nutricionistas, pediatras, psicólogos e professores de educação física. “Os jovens têm chance de dividir os medos e as angústias. É uma luta conjunta”, conta Tarsila Andrade, psicóloga da equipe. A estudante Roseana Bezerra, 15 anos, já emagreceu, mas ainda quer perder mais alguns quilos. O importante é que, durante esse processo, sua auto-estima melhorou. “Eu era muito chorona. Hoje me sinto mais segura e entendo que o lado psicológico é tão importante quanto a dieta”, conclui.