Após quase um ano de negativas, propostas conciliadoras e eternas promessas de que não havia necessidade de medidas mais drásticas para reduzir o consumo de água na Grande São Paulo, o governador do Estado, Geraldo Alckmin, capitulou. Pela primeira vez desde o início da crise hídrica que ameaça deixar a maior cidade do País sem água, Alckmin decidiu implantar um rigoroso sistema de punição para quem aumentar o consumo, com aumento de 50% no valor da conta de quem gastar mais de 20% acima do volume médio rotineiro. A decisão foi tomada a poucos dias do início deste verão que promete temperaturas recorde. O governo paulista, finalmente, começa a acreditar no que a maior parte dos especialistas vem alertando há anos: com as torneiras abertas, São Paulo vai secar.

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A fé de que os céus mandariam chuvas volumosas para a região nesta primavera e neste verão jamais contaminou os meteorologistas. Eles, no entanto, vinham alertando que, sob o olhar estritamente científico, não havia indicadores de que isso iria acontecer. E agora, dois meses depois do início oficial das chuvas, só um milagre, dizem os especialistas, impedirá que uma situação que já era crítica se transforme em catastrófica.

A estimativa dos principais meteorologistas e especialistas em hidrologia é de que, se São Paulo simplesmente não secar, a água servida à população terá qualidade bastante inferior à que é oferecida hoje. “Um dos piores cenários que prevíamos era que este verão fosse igual ao do ano passado e, pelo que observamos até aqui, continuará sendo”, diz Marussia Whately, uma arquiteta especializada em recursos hídricos que coordena a ONG Aliança Pela Água, que congrega uma série de organizações preocupadas com o tema. De acordo com o meteorologista Alexandre Nascimento, da Climatempo, neste verão as chuvas não chegarão a atingir nem ao menos a média histórica. “Janeiro até pode superar um pouco, mas nos meses seguintes choverá menos do que o normal”, diz ele.

O reflexo disso, claro, será a redução ainda maior da quantidade de água disponível nos diversos reservatórios que abastecem a cidade, como o Guarapiranga, o Alto Tietê e o agora tristemente famoso Cantareira. A necessidade de se retirar água de camadas cada vez mais profundas, com muitos sedimentos, como acontece no Cantareira, leva o chefe do departamento de demografia da Unicamp, Roberto Luiz do Carmo, a prever que a qualidade da água deve cair nos próximos meses. “O impacto de doenças não muito acompanhadas, como as diarreicas, tendem a aumentar muito nos próximos anos”, diz ele.

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A parcela mais prejudicada da população, segundo Carmo, será aquela com menos recursos econômicos. “As pessoas vão procurar soluções individuais”, diz. “Quem pode pagar vai conseguir comprar algo um pouco melhor; quem não pode vai beber água de péssima qualidade.”

O professor titular do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP Pedro Jacobi, que estuda governança da água e indicadores de sustentabilidade, concorda que não há muito o que fazer para evitar os efeitos da seca em 2015. “Vai levar de seis a oito anos para que a situação dos reservatórios volte ao normal”, diz. “É necessário também reduzir as águas contaminadas, aumentar o tratamento e reúso do esgoto, além de investir mais para diminuir a dependência da região do sistema Cantareira”, afirma. “O governo tem tapado o sol com a peneira, fingindo que o problema não existe. Houve muita procrastinação”, diz o professor.

A não ser que um milagre contrarie as previsões e haja de fato um aumento das chuvas nos próximos meses, parece que não há muito que fazer a não ser esperar pelo momento em que não sairá mais água da torneira aberta. “Sabíamos do problema há 20 anos. Ele foi sendo construído nessas últimas décadas. Provavelmente, levaremos mais 20 anos para que o solucionemos”, diz o professor Carmo, da Unicamp.

Foto: LUIS MOURA/ESTADãO CONTEÚDO