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Poucos artistas brasileiros transitam com tanta desenvoltura e equilíbrio entre o teatro, o cinema e a televisão como Marieta Severo, artista escolhida por ISTOÉ como Brasileira do Ano em Cultura. Só em 2014 a atriz, avó de sete netos, levou ao público, com sucesso estrondoso, Dona Nenê, do global “A Grande Família”, Newal, personagem do aplaudidíssimo espetáculo “Incêndios”, que esteve em cartaz em São Paulo e agora segue para mais quatro cidades, e ainda prepara o nascimento da protagonista de “Aos Nossos Filhos”, aguardado filme da portuguesa Maria de Medeiros previsto para estrear em 2015. “Para mim não existe esse negócio de ‘ser’ do teatro, ou do cinema ou da televisão. Quando se escolhe um trabalho pela crença na sua qualidade e não pelo potencial comercial, não importa se é dentro do estúdio, sobre um palco ou numa locação”, diz ela. “Preciso de desafios e persigo aqueles que possibilitem voo artístico, nem que seja para eu me esborrachar em algum momento.”

Se foram muitos os vôos, foram pouquíssimas as quedas. Desde o início da carreira, Marieta coleciona um repertório que conta a história do amadurecimento cultural brasileiro, como “Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come” (do grupo Opinião) e “Roda Viva” (dirigido por José Celso Martinez Corrêa), espetáculos de resistência política num tempo em que o cerco da ditadura militar se apertava. “Achávamos que podíamos mudar o mundo e aquilo tinha uma força incrível. Hoje, a percepção do que se é capaz de tocar nas pessoas atuando de uma forma mais pessoal e particular não é menor. Trabalho como uma formiguinha”, diz ela, que, como “descanso” de fim de ano, vai ficar “apenas” com as apresentações de sexta a domingo da peça do libanês Wajdi Mouawad sobre a mulher oriental que deixa a aldeia miserável e passa cinco anos sendo estuprada e torturada na prisão antes de se autoexilar com os filhos. Nos dias de apresentação de ‘Incêndios”, dirigido por Aderbal-Freire-Filho, dificilmente se vê cadeira vaga na plateia. E invariavelmente se assiste aos aplausos finais entre lágrimas do público diante da história de Newal, interpretada pela atriz da infância à velhice com uma verdade desconcertante.

Não é por um acaso que papéis de grandes mulheres dominam o portfólio da carioca de 66 anos – 50 de carreira – que queria ser professora. Depois do golpe de 1964, exilou-se na Itália com seu segundo marido, Chico Buarque de Holanda (o primeiro foi o artista plástico Carlos Vergara), grávida, aos 22 anos, da primeira filha, a também atriz Silvia Buarque. De volta ao Brasil, retornou ao trabalho – menos à TV, que não dava espaço para os indesejados pelo governo. Criou as três filhas e Janaína Diniz Guerra, filha da amiga Leila Diniz, morta num acidente de avião. E por muito tempo com as filhas pequenas o casal sofreu ameaças da polícia militar.

Os muitos anos ao lado de Chico Buarque não ofuscaram a carreira luminosa da atriz, colecionadora de prêmios Shell, Molière e Mambembe – os principais por atuações em teatro no País. Sua segurança não a impediu inclusive de trabalhar em parceria com o compositor. Além de “Roda Viva”, escrita por ele, fez parte do elenco de “Ópera do Malandro”, de 1978, em que assumiu a inesquecível interpretação de “O Meu Amor”. Como agora, em “Incêndios”, se sente completamente à vontade em atuar com Freire-Filho, seu namorado há oito anos. “Precisaria ser alguém com muita experiência e muita confiança no trabalho do ator para montar essa tragédia tão viva e atual como ‘Incêndios’”, referenda a intérprete do texto premiado, que não havia sido montado no País até então. Uma das falas de Newal, uma reflexão sobre as guerras do Oriente Médio, é, para a atriz, uma mensagem direta para a cisão do Brasil de hoje. “Somos feitos da mesma história e, por isso, responsáveis todos, uns pelos outros”, discursa Newal diante de seu algoz no tribunal. “É o que eu diria para o nosso país neste momento.”

Foto: Stefano Martini 

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