Na última semana, em decorrência das descobertas feitas pela Operação Lava Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, elevou o tom das críticas ao governo. Durante evento de combate à corrupção disse que o escândalo da Petrobras “convulsiona” o País e que está envergonhado pelo fato de o “Brasil ser extremamente corrupto”. Janot propôs a demissão de toda a direção da estatal, segundo ele, responsável por uma “gestão desastrosa”, e mandou um recado direto a corruptos e corruptores: “Não haverá descanso enquanto não houver punição a todos os que instalaram uma roubalheira desenfreada na maior empresa pública do País”. Presente no mesmo evento, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reagiu, a princípio, timidamente, dizendo que o governo não é conivente e nem tolera a corrupção. Mais tarde, após receber dois telefonemas no Palácio do Planalto, Cardozo convocou entrevista coletiva para defender a direção da Petrobras. Na quinta-feira 11, o procurador-geral voltou ao ataque. Desembarcou em Curitiba (PR), onde está sediada a força-tarefa da Lava Jato, para apoiar os procuradores responsáveis pelas investigações, que denunciaram 36 pessoas pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, entre eles 25 diretores e executivos de seis das maiores empreiteiras do Brasil (leia quadro na pág. 46), e novamente fez um discurso veemente. “O esquema montado na Petrobras é uma aula de crime”, disse Janot, minutos depois de o procurador Deltan Dallagnol apresentar a denúncia contra os empreiteiros, ex-funcionários da Petrobras e doleiros. “Um crime que roubou o orgulho dos brasileiros”, completou o procurador. Em seguida, referindo-se aos empresários, afirmou: “Não existe acordão para o Ministério Público. Todos serão punidos”. Nesse momento, o procurador deixou de manifestar a indignação com o que vem descobrindo em suas investigações e passou a fazer jogo de cena. Não é verdade que o Ministério Público descarte a possibilidade de um acordo com os empreiteiros envolvidos no petrolão.

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O MINISTRO E O PROCURADOR
Cardozo (à esq.) e Janot trocaram farpas em evento sobre corrupção,
mas ambos buscam uma saída para livrar o governo

Em sua última edição, ISTOÉ revelou os encontros que Janot manteve com representantes dos emp reiteiros em busca de acordos que possam agilizar as investigações. O problema é que a proposta oferecida pelo procurador, segundo dois ministros do STF ouvidos por ISTOÉ, impossibilita uma investigação sobre suposta participação do governo no maior esquema de corrupção já descoberto no Brasil. De acordo com advogados que participaram das reuniões com Janot, o procurador busca delações que isentem o governo, mas não abre mão de que os empreiteiros admitam a formação de cartel, assumam a responsabilidade criminal de seus executivos e diretores e citem em seus depoimentos não só parlamentares da base de apoio do governo como também da oposição. Até o final da semana passada diversas empresas ainda resistiam a esse acordo, mas a pressão sobre elas, segundo seus representantes, vem aumentando. “Agora estão nos apertando pelo lado financeiro”, afirmou à ISTOÉ um dos advogados que têm participado de encontros com procuradores da Lava Jato. A pressão financeira contra as empresas teria começado veladamente no final de novembro. No dia 1º de dezembro, durante reunião na sede da Controladoria-Geral da União, em Brasília, com a presença do secretário-executivo da CGU e representantes de pelo menos quatro das empresas envolvidas, foi comentada a possibilidade de serem suspensos os financiamentos dos bancos públicos para as empreiteiras envolvidas nas investigações. Na quarta-feira 10, o BNDES fez uma consulta formal à Advocacia-Geral da União (AGU) para saber qual posicionamento deveria ser tomado pelo banco em relação às futuras operações das empresas vinculadas à Operação Lava Jato. Isso porque, enquanto não houver uma manifestação oficial da AGU, não haverá operações com as empreiteiras investigadas. Também há cerca de duas semanas, segundo representantes de três empreiteiras, o Banco do Brasil e alguns bancos privados têm aumentado as exigências para liberar recursos às empreiteiras que estejam arroladas no Petrolão.

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MAPA DO ESCÂNDALO
O procurador Dallagnol, da Força Tarefa da Lava Jato,
mostra como o dinheiro foi roubado da Petrobras

A insistência do procurador em um modelo de negociação que pode impedir a Lava Jato de chegar ao Planalto e ao mesmo tempo apertar o cerco contra as empreiteiras já fez com que os empresários abrissem mão do projeto inicial de buscar um acordo comum. Com executivos na cadeia e um torniquete financeiro cada vez mais apertado, muitos concordaram com delações premiadas ao longo das duas últimas semanas. ISTOÉ teve acesso a parte desses depoimentos e eles indicam que as delações vêm sendo feitas de forma a atender às exigências de acordos que poupem o governo e atual administração da Petrobras. Assim, a estatal teria sido vítima de um grupo de empresários, que com a participação de ex-diretores e propinas pagas a alguns parlamentares, promoveram o maior caso de corrupção já descoberto no Brasil. O governo e os atuais diretores da empresa de nada saberiam.

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Um exemplo desse expediente está no relatório de indiciamento de Fernando Antônio Soares, conhecido como Fernando Baiano e apontado como o operador do PMDB no esquema. A delegada Érika Marena o classifica como o controlador de um “esquema de corrupção e lavagem” na diretoria Internacional da Petrobras, “enquanto foi de titularidade de Nestor Cerveró”. Sugere, assim, que após a demissão de Cerveró, em 2011, o esquema deixou de funcionar. No depoimento prestado por Baiano, em nenhum momento os responsáveis pela Lava Jato o questionam sobre negócios feitos a partir de 2011, embora em declarações prestadas anteriormente o executivo da Toyo-Setal, Julio Camargo, tenha admitido ter pago propinas para Baiano no Exterior em 2011 e 2012. O relatório mostra ainda que os agentes da PF estavam mais interessados em saber como era a atuação de Baiano na estatal em 2000, durante o governo de FHC.

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Outro caso que revela a condução das delações é o depoimento de Augusto Mendonça, também executivo da Toyo-Setal. Ele relata que a partir de 2012 o clube de empreiteiras deixou de existir. Afirma que a atual direção da Petrobras abriu as concorrências para a participação de empresas de fora do esquema e garante que não houve mais pagamentos irregulares. No mesmo depoimento, no entanto, afirma que pagou propinas nas obras do Consórcio Interpar, de julho de 2008 até janeiro de 2013. Nem os delegados nem os procuradores o questionaram sobre a contradição, apesar de na denúncia do MP constar que o esquema durou até meados de 2014. Mendonça também nem sequer é perguntado pela PF ou pelo MP sobre detalhes da revelação de que que acertou com Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, o pagamento de propinas via doações de “caixa 1” para campanhas do PT. São detalhes como esses que o ministro Teori Zavaski, do STF, planeja examinar com lupa a partir do momento em que receber a totalidade das investigações.

Foto: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO