Poucos dias antes de morrer, Jimi Hendrix, o maior virtuose da guitarra de todos os tempos, disse o que pensava de si próprio. “Acho que sou um guitarrista melhor hoje, mas nunca fui bom de verdade. Não toco bem o suficiente para botar essa música toda para fora.” A principal lição que se extrai da leitura de “Jimi Hendrix por Ele Mesmo” é que os mitos, afinal, são feitos de carne e osso. Outras biografias – e há pelo menos duas boas na praça – escancararam a face tímida e insegura do músico americano.

HENDRI-X-01-IE.jpg

A diferença agora é “ouvir” isso da boca do próprio Hendrix. Eis aí o mérito do livro organizado pelo cineasta Peter Neal e o produtor Alan Douglas. A dupla pesquisou, durante quase cinco anos, o que Hendrix disse e escreveu em sua curta mas arrebatadora existência. Foram resgatadas entrevistas para estações de rádio e televisão, cartas e anotações em cadernos, diários, guardanapos de bares, maços de cigarro e até caixas de fósforos.

O resultado é uma autobiografia póstuma que percorre da infância aos momentos finais do artista, morto aos 27 anos de causa nunca explicada. “Posso escutar sua voz em minha cabeça enquanto leio”, disse o irmão do guitarrista, Leon Hendrix.  

Hendrix_LIVRO.jpg
TÍMIDO
Livro organizado pelo cineasta Peter Neal e pelo produtor
Alan Douglas em cima de diários e anotações do menino
que se escondia para escrever poemas

No começo, Hendrix fala da indiferença pela escola em Seattle, onde nasceu e cresceu, da relação conturbada com a família e de como a música salvou o garoto que escrevia poesias escondido e que, cedo ou tarde, fugiria para bem longe. Está lá também a passagem pelo Exército (ele serviu como paraquedista), tratada com humor e ironia. O bacana vem depois: o relato das viagens Estados Unidos afora, sem dinheiro no bolso, em busca da descoberta musical. Hendrix aprendeu a domar a guitarra sozinho e refinou o talento tocando com figuras como Little Richard, B.B. King e Chuck Berry. Ele descreve os encontros que teve com gente que se tornaria lendária. “Bob Dylan andava sempre com um bloco para anotar o que via à sua volta. Ele não precisava estar chapado para compor, mas geralmente estava.” O melhor são as observações marotas. “Os Stones são muito legais longe dos microfones, mas é um negócio de família, tão de família que, às vezes, tudo começa a soar meio igual”, ele diz sobre a banda liderada por Mick Jagger. 

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

IEpag92e93_Hendrix-2.jpg

O livro é um alívio num mundo – especialmente no show biz – que dá pouco espaço para a sinceridade. “Esse lance do dinheiro pode acabar transformando você num escravo do público, num zumbi”, escreveu Hendrix. Outro trecho: “O show foi ótimo. Deixei a plateia ligada com uma música pesada, voltei ao hotel, fiquei chapado e fiz amor com Pootsie, uma loura sulista”. “Hendrix por Ele Mesmo” é também a manifestação de uma mente delirante que não se encaixa em rótulos. O guitarrista fala de psicodelismo (com certo desprezo), dos hippies (“a paz e o amor não estão nos cabelos encaracolados, nas miçangas e nos balangandãs”), de racismo (não se identifica com os Panteras Negras), do calvário do sucesso, de Woodstock, da juventude perdida, do desejo de morar numa cabana na montanha, da morte que ele pressente. E, claro, de sua guitarra. Hendrix foi o maior de todos não porque revolucionou o uso das guitarras elétricas, ou porque literalmente botou fogo nelas, ou por transformar “Hey Joe” no hino de uma geração e fazer do riff de “Purple Haze” uma obra inesquecível. Hendrix foi o maior porque, além de tudo isso, verteu sentimento como nenhum outro. “Minha meta é que eu e a música sejamos um só”, ele disse. Conseguiu.

Foto: latinstock


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias