Aberta em janeiro de 2002 como uma das respostas do então presidente americano, George W. Bush, para os ataques de 11 de setembro de 2001, a penitenciária da Baía de Guantánamo, em Cuba, foi durante todos esses anos um símbolo da chamada Guerra ao Terror. Desde então, ela se tornou também um símbolo da injustiça. Acusados de crimes de guerra e de ligações com o terrorismo, 136 homens são mantidos encarcerados sem nunca terem sido julgados. É verdade que esse número já foi bem maior – em junho de 2003, a prisão chegou a ter 684 detentos –, mas, apesar da promessa do presidente Barack Obama de que faria disso uma prioridade, os esforços para fechá-la têm recebido doses homeopáticas. “Não há dúvida de que Guantánamo é um retrocesso para a autoridade moral, que é a moeda mais forte dos Estados Unidos no mundo”, disse Obama em seu primeiro ano na Casa Branca. “A existência de Guantánamo provavelmente criou mais terroristas do que jamais deteve.” Na semana passada, o processo de fechamento do local recebeu um empurrão do Uruguai, que acolheu seis ex-prisioneiros como refugiados.

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RECUPERADOS
Acima, um dos ex-detentos acena para os fotógrafos em
Montevidéu. Abaixo, outro homem libertado experimenta o mate.
No período que passaram em Guantánamo, muitos aderiram
a uma greve de fome e foram alimentados à força. Para a
advogada Cori Crider (mais embaixo), o tratamento era desumano

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Dos seis, quatro são sírios, um tunisiano e um palestino, que dividem uma história de vida comum. Sobre eles pesavam as suspeitas de participação em células terroristas na Síria e no Afeganistão, mas o próprio governo americano os considerava presos de baixa periculosidade. Há cinco anos, o grupo esperava ser transferido e receber a liberdade. Numa carta aberta ao povo uruguaio, o sírio Omar Mahmoud Faraj, que passou 12 anos na base militar americana, agradeceu por ter sido libertado “daquele buraco negro em Cuba”. Em março, o presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica, tinha aceitado os ex-detentos por razões humanitárias, mas adiou a transferência – rejeitada por metade da população – para depois das eleições presidenciais realizadas em novembro. “Oferecemos nossa hospitalidade para seres humanos que sofriam um sequestro atroz em Guantánamo”, disse Mujica em comunicado. Ele próprio foi preso e torturado durante mais de 14 anos, entre as décadas de 70 e 80, quando era guerrilheiro, e garantiu que os homens serão livres para fazer o que quiserem no país. Casa e emprego foram oferecidos.

Mujica espera inspirar outros países, inclusive o Brasil, a oferecer a mesma acolhida. Alemanha, Reino Unido e Rússia já aceitaram indivíduos que estiveram em Guantánamo, mas os Estados Unidos ainda precisam convencer mais governantes a receber o restante dos 67 presos aptos à transferência. Isso porque o Congresso atualmente proíbe que eles sejam levados para território americano. Com a cadeia esvaziada, porém, o presidente espera conseguir colocar os detentos mais perigosos em cadeias de segurança máxima no país. “Quando Obama disse que queria fechar Guantánamo, ele se referia apenas à instalação, e não à injustiça que ela representa”, diz o advogado americano David Remes, especialista em direitos humanos. “Guantánamo é maior que isso. A ideia de uma cadeia em que as pessoas vão presas sem direito a um júri vai continuar existindo.”

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Há mais de dez anos, Remes abandonou a carreira num grande escritório de advocacia de Washington para se dedicar à defesa de dezenas de presos em Cuba. Hoje ele representa 18. “Nesse momento, o clima é de excitação”, afirma. “Meus clientes estão focados em quando vão ser soltos e para onde vão.” Na quarta-feira 10, quando falou à ISTOÉ, o advogado comemorava a mudança de categoria do iemenita Abdalmalik Wahab. Acusado de ser guarda-costas de Osama bin Laden, Wahab agora está apto a ser libertado desde que algum país aceite recebê-lo. Ele está em Guantánamo desde janeiro de 2002.

Em protesto a esse limbo jurídico a que foram confinados, os detentos organizaram uma greve de fome em massa em 2013, que durou até 21 meses. Nesse período, eles foram alimentados à força por meio de tubos colocados em suas narinas. O caso chegou à Justiça depois que advogados processaram o Estado pelo tratamento desumano – alguns presos chegavam a vomitar durante as sessões gravadas em ao menos 11 horas de vídeo. Cori Crider, advogada de Jihad Ahmed Diyab, que participou da greve e hoje está no Uruguai, afirmou: “Esses vídeos mostram que existe muita coisa chocante acontecendo agora”. Na semana passada, um relatório do Senado americano, baseado em informações fornecidas pela CIA, a agência oficial de espionagem, mostrou a extensão da tortura institucional. A mesma Guerra ao Terror que criou Guantánamo produziu muitas outras situações tão violentas quanto ineficazes durante o governo Bush. Depois de analisar milhares de documentos internos da CIA, os senadores detalharam as técnicas de tortura utilizadas pelos agentes, como afogamentos e privações de sono de até uma semana. E concluíram: diferentemente do que os Estados Unidos fizeram o mundo crer, a tortura de suspeitos não foi determinante para a captura de Bin Laden, em 2011. O homem que levou ao líder da Al Qaeda era investigado pela CIA havia pelo menos dez anos.

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Fotos: Ines Guimaraens/Diário El Observador/AP; Andres Stapff/REUTERS