Cada vez que um grupo de cientistas anuncia bons resultados em testes com novas substâncias contra a obesidade, o mundo se enche de esperança. Não é para menos – o drama do excesso de peso assumiu proporções globalmente epidêmicas e ameaçadoras. Desta vez, o passo à frente foi dado por cientistas americanos e alemães. Pela primeira vez, eles conseguiram fundir em uma única molécula algumas estruturas criadas à semelhança de três hormônios fabricados pelo corpo humano com ação importante no metabolismo. Desse amálgama surgiu uma substância inédita e com um poder jamais visto na luta contra a gordura.

+ Gordofobia: Formato do corpo pesa mais na estigmatização das mulheres
+ Como a caminhada pode te ajudar a alcançar seu peso ideal
+ 5 erros que a impedem de perder “barriguinha”

Os resultados dos testes pré-clínicos (feitos com animais) divulgados na semana passada pela revista científica “Nature Medicine” indicam que a substância não só eliminou 30% da gordura corporal como também diminuiu o apetite, os níveis de colesterol e a quantidade de gordura no fígado. Além disso, melhorou a sensibilidade à insulina (hormônio que permite a entrada, nas células, da glicose que está circulando no sangue) e aumentou a taxa de queima de calorias.

O novo composto foi moldado para atuar nos receptores existentes nas células para os hormônios GLP-1, GIP e glucagon. Eles são chamados de incretinas. Em sua forma natural, GLP-1 e GIP melhoram a liberação de insulina, reduzindo os níveis de glicose no sangue. O primeiro tem ainda uma ação no sistema nervoso central e na redução do esvaziamento gástrico. O terceiro hormônio associado a ambos, o glucagon, estimula a atividade do fígado na quebra do glicogênio (a forma como a glicose se deposita no fígado). “O efeito desses três hormônios unidos em uma única molécula oferece resultados nunca alcançado antes”, disse um dos autores do trabalho, Brian Finan, do Helmholtz Diabetes Center, na Alemanha. Finan obteve seu doutorado em bioquímica na Universidade de Indiana Bloomington, nos Estados Unidos, no laboratório do químico Richard DiMarchi, que é coautor do estudo.

01.jpg
TRIPLA AÇÃO
DiMarchi (à esq.) e Finan uniram três substâncias na mesma molécula.
Ela atua em diferentes mecanismos relacionados à perda de peso

O impacto impressionante ocorreria por causa da capacidade da molécula de interferir em diversos centros de controle metabólico ao mesmo tempo. “Ela age no pâncreas, no fígado, nos depósitos de gordura e no cérebro”, observa o químico DiMarchi. O novo estudo informa que a molécula teve quase o dobro do impacto obtido no ano passado pelo mesmo grupo com molécula desenhada pelo próprio DiMarchi que combinava as propriedades de dois hormônios e chegou a ser testada em seres humanos.

A maior potência da molécula combinada sugere que ela poderá ser ministrada em dose mais baixa e com menos efeitos colaterais (como náuseas e vômitos) do que as medicações já disponíveis no mercado. “Trata-se de um estudo muito interessante e pioneiro. Os mecanismos exatos pelos quais essa molécula agirá ainda serão muito estudados”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP) e diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Síndrome Metabólica e Obesidade. Ela explica que os caminhos pelos quais atuam o GIP e o glucagon, por exemplo, não são tão conhecidos como os do GLP-1, sobre o qual agem alguns dos remédios já lançados no mercado. “A interação desses três hormônios pode até trazer um efeito específico”, diz a endocrinologista.

IEpag76e77_Medicina-2.jpg
EXPECTATIVA
A endocrinologista Maria Edna, do Hospital das Clínicas
de São Paulo, considera o estudo pioneiro

Outra promessa é que a molécula se converta em uma opção para tratar a síndrome metabólica (quando a obesidade está associada a fatores como pressão arterial elevada, triglicérides elevados, hiperglicemia e colesterol HDL baixo). Dados da Federação Internacional de Diabetes indicam que cerca de 20% dos adultos têm algum tipo de síndrome metabólica, o que os torna muito mais vulneráveis a ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais do que as pessoas sem a síndrome.

O próximo passo dos cientistas será dar início aos estudos com seres humanos, que devem ser realizados pela empresa Roche. Como os estudos são bem iniciais, há ainda muita coisa a ser feita. Se for aprovada nos testes com seres humanos, uma eventual medicação feita com essa molécula chegará ao mercado entre cinco e dez anos.

IEpag76e77_Medicina-1.jpg

Foto: Kelsen Fernandes/Agência Istoé