Se comida é memória, a campanha lançada por dois chefs de São Paulo pela liberação do uso de sangue animal nas receitas dos restaurantes pretende nos salvar de uma amnésia. Jefferson Rueda, do Attimo, e a mulher, Janaina Rueda, do Bar da Dona Onça, ambos de São Paulo, iniciaram uma mobilização para trazer essa discussão à baila e lutar pela volta do ingrediente, ligado às origens da cozinha nacional. Não há legislação específica por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas em alguns Estados do País, incluindo São Paulo, é preciso registrar o sangue e comprovar sua origem. “Essas regras inviabilizam nossa criação”, afirma Rueda. “Fala-se muito na nova e alta gastronomia brasileira, mas não podemos deixar de lado nossa história.”

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ALTERNATIVA
Para fazer galinha a molho pardo, o chef Jefferson Rueda,
do Attimo, usa um embutido de sangue de porco

O casal começou uma expedição para ver como chefs e cozinheiros utilizam o ingrediente. Foram a Minas Gerais, por exemplo, para conhecer o restaurante Maria das Tranças, que construiu um abatedouro e um frigorífico para manter a galinha ao molho pardo no cardápio. Para 2015, já tem planejadas viagens ao Nordeste e ao Japão. Também tem se manifestado via redes sociais. No Instagram, criaram a “hashtag” #sangueéingrediente. “É uma maneira de chamar a atenção para o assunto”, diz Janaína. A rígida regulação do uso do sangue colocou em extinção pratos como a galinha ao molho pardo, também chamada de cabidela, trazida ao País pelos portugueses. No Attimo, a saída encontrada por Jefferson foi preparar a receita com chouriço, o embutido de sangue de porco.

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Chef brasileiro reconhecido mundialmente, Alex Atala considera legítima a reivindicação dos Rueda. Fundador do Instituto Atá, que busca reavaliar a relação do homem com a comida por meio de pesquisas e estudos, Atala ressalta que na Europa as regras são parecidas com as brasileiras, mas toda vez que um produto é comprovadamente relacionado à cultura e à economia locais é aberta uma exceção. “Não podemos fechar os olhos ao controle dos alimentos, mas as normas precisam de revisão para salvaguardar nossa tradição.”

Fotos: Leticia Moreira/ Folhapress; Fernando Sciarra/ Estadão Conteúdo