Antiga fonte segura de audiência na qual nasceram ícones como as apresentadoras Xuxa, Angélica e Eliana, hoje os programas voltados para os “baixinhos” já não rendem como nos anos 1990 e estão sumindo das grades de programação da tevê aberta. Nomes fortes como a “TV Globinho” têm perdido espaço para shows de interesse geral nos quais cabem incursões publicitárias mais lucrativas, como aconteceu, em 2012, com o lançamento do “Encontro com Fátima Bernardes” — que tirou o “Globinho” do ar nos dias da semana, restringindo-o aos fins de semana.

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NOVA ORDEM
Programas infantis têm perdido espaço para shows de
variedades na TV, que são mais lucrativos

As emissoras estão fechando a grade de programação de 2015 e a tendência é que esse espaço dedicado ao público infantil seja ainda mais reduzido e, em alguns casos, pode até sumir de vez.

“Esse segmento nos canais abertos parece estar com os dias contados”, diz o professor Laurindo Leal, que dá aulas de tendências da televisão brasileira na Universidade de São Paulo (USP). Um dos motivos é a maior fiscalização do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança do Adolescente, que impedem a inserção de merchandising em atrações infantis, tornando-as menos rentáveis. Além disso, a programação engessada da tevê perde na briga com a internet, que dá autonomia ao pequeno espectador de ver seus programas prediletos no tablet quando bem entende e está cheia de aplicativos e jogos virtuais interativos. Uma pesquisa da agência reguladora das indústrias de comunicação do Reino Unido revelou que o número de crianças britânicas com televisores em seus quartos caiu 20 pontos percentuais nos últimos cinco anos. O motivo é que 62% delas utilizam tablets. Esse é um fenômeno mundial, e o Brasil, segundo dados do YouTube, só perde para a Inglaterra em crescimento de audiência infantil na plataforma. O aumento nacional foi de 378%, apenas três pontos atrás do verificado no país europeu.

O maior canal nacional no YouTube – e o primeiro a atingir um bilhão de visualizações no Brasil – é o do fenômeno “Galinha Pintadinha”. Em entrevista à ISTOÉ, os produtores afirmam que só consideram a hipótese de ir para a televisão fora do País.

Mas, se hoje eles desdenham a tevê, no passado foi o contrário. “Mostramos a ‘Galinha Pintadinha’ para um executivo de televisão, porém a negociação não deu certo. O público descobriu o desenho na rede e se encantou”, conta o fundador Juliano Prado.

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Encontrar a galinha dos ovos de ouro não foi tão fácil para a Movile, empresa por trás do aplicativo “PlayKids”, que já virou febre global. Foram lançados 40 protótipos de diferentes temas e públicos, o único infantil foi exatamente o de maior sucesso. Em um software interativo, 8 milhões de crianças conectadas pelo mundo podem jogar, colorir, tocar música e assistir a desenhos animados. O aplicativo já superou seus concorrentes criados por gigantes do entretenimento, como Disney e Nickelodeon. “O conteúdo é adaptado para cada país, na língua de origem e com os programas favoritos de cada região”, explica Eduardo Henrique, que comanda o escritório da companhia brasileira nos Estados Unidos.

A neurocientista paulista Elvira Lima, autora de diversos livros sobre o cérebro infantil e o processo de aprendizado, explica que a interatividade comandada majoritariamente por gestos das mãos é o segredo do sucesso com a criançada: “É uma questão de autonomia e de tomada de decisão.

Na televisão, em geral, o espectador é passivo; no tablet, os comandos não envolvem símbolos complexos, o que facilita para a criança”. A especialista diz que os pais não precisam se assustar se tiverem menos intimidade com os tablets e smartphones do que seus filhos de 5 anos. A facilidade com os novos equipamentos é fruto de redes neuronais constituídas culturalmente, desenvolvendo dentro do sistema nervoso a sensibilidade ao toque na tela. Em outras palavras, a nova geração de espectadores-mirins sabe bem o que quer: o controle. E eles sabem muito bem como funciona.

Foto: Iain Sarjeant