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O economista Edmar Bacha, um dos criadores do Real, ganhou fama 20 anos antes da entrada em vigor do plano econômico que devolveu a estabilidade ao País ao criar um termo para explicar o Brasil: Belíndia. Em uma espécie de fábula macroeconômica, Bacha, então com 34 anos, cunhou o neologismo para criticar a política econômica adotada pelo governo militar, sob o comando do onipresente Delfim Neto. No texto, Bacha acusava Delfim e os generais de estarem criando um país ainda mais desigual, criando condições para que uma parte – minoritária, é bom lembrar – vivesse em condições similares a da Bélgica e outra parte – a vasta maioria – em um país muito parecido com a miserável Índia.

Passados 40 anos, a teoria de Bacha se mostrou verdadeira. A desigualdade no Brasil só fez crescer nas décadas seguintes, até a virada do século. Nos últimos 15 anos ela vem diminuindo de forma constante. Mas os extremos continuam ainda mais extremados do que na década de 1970. Hoje, no Brasil, há quem viva como se estivesse no país mais equânime do mundo, a rica, civilizada e superdesenvolvida Noruega. Mas também por aqui quem viva como se estivesse na Libéria, um dos países mais pobres do continente africano.

São Paulo é um pequeno microcosmo deste Brasil desigual que perdura. Em seus pouco mais de 1,5 mil km², São Paulo reúne regiões com Índice de Desenvolvimento Humano superior ao da Noruega, o primeiro colocado no ranking mundial, com 0,944 – nenhum país atingiu o índice perfeito de igualdade, que é 1. Em ao menos quatro áreas da cidade – duas no bairro boêmio da Vila Madalena, no Itaim Paulista e no Jardim Paulistano – o IDH atingiu 0,965, consideravelmente superior ao da Noruega.

No entanto, a poucos quilômetros dali, bairros periféricos no extremo Sul e Leste da capital paulista, registram IDH semelhante ao de países como Namíbia ou Quirguistão. No Jardim Capela, na região sul da cidade, o Índice de Desenvolvimento Humano foi de 0,625, quase o mesmo do país africano que um dia foi um protetorado alemão, que regitra IDH de 0,624.

Se São Paulo é a cidade que registra condições de vida semelhante ao de países nórdicos, Pará é o estado onde está localizada a “pequena Libéria brasileira”. Melgaço, uma cidadezinha de 14 mil habitantes quase na foz do Rio Amazonas, coladinha à Ilha de Marajó, tem o pior IDH brasileiro. Os brasileiros que vivem lá tem renda per capta de apenas R$ 135 e nascem com a expectativa de viver 71 anos. E lá nasce muita gente. Enquanto a taxa de fecundidade em São Paulo não passa de 1,5 filho por mulher, lá é de quase 4. Quase metade da população é analfabeta e quase a outra metade não terminou ao menos o ensino fundamental. Apenas 4,25 % dos moradores de Melgaço concluíram o ensino médio.

Apesar de números tão desalentadores, Melgaço, de certa forma, serve também para mostrar que a teoria de Bacha vai deixar de fazer sentido a médio ou longo prazo. Há 15 anos, Melgaço tinha um IDH inferior ao de Níger, o país com a pior colocação no ranking mundial da ONU de desenvolvimento humano. Em década e meia a qualidade de vida de seus habitantes cresceu em praticamente 100%. Melgaço é a prova de que, ainda que lentamente, o Brasil caminha para deixar de ser uma Belíndia.