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Você seria sócio de uma pessoa com dois processos criminais, problemas com o Fisco, bens penhorados para saldar dívidas decorrentes de emissão de cheques sem fundos e, como se não fosse o bastante, mal falada na cidade onde vive? Pois esse é o perfil do sócio e braço direito do técnico da Seleção Brasileira, Wanderley Luxemburgo. Ele é Sérgio Luiz Malucelli, 42 anos, empresário e integrante de um dos clãs mais tradicionais do Paraná.

Salada, apelido do empresário, e Luxa, que entre outras denúncias é acusado de diminuir a idade, o que no futebol é chamado de gato, se conheceram em 1995, época em que Luxemburgo treinou o Paraná Clube. Mas a fama de Malucelli é bem anterior a esse encontro. A carreira do empresário começou com uma malsucedida operação na Bolsa de Valores. No final dos anos 80, Sérgio trabalhava numa corretora de valores da família. Uma aposta em ações a futuro foi frustrada pela quebra das Bolsas orquestrada pelo megainvestidor Naji Nahas. A operação quase levou a corretora a pique. O prejuízo causado por um grupo de cinco investidores, capitaneado por Sérgio, teria passado de US$ 500 mil. Malucelli nega a história. Ele se diz o grande prejudicado na operação. “Perdi tudo” garante.

Mesmo quebrado, meses depois, no início do governo Collor, ele abriu a sua primeira revenda de carros usados. Um conhecido empresário curitibano garante que ele declarava nas guias de importação um valor inferior ao pago pelos carros. Assim, driblava a Receita e acabava pagando um imposto menor que o devido. Fora a questão fiscal, Sérgio se meteu em outra confusão. Como o governo não autorizava a entrada de carros usados, ele se valeu de liminares. Quando foram cassadas, muitos desses compradores acabaram ficando com um mico na mão. Não podiam vender nem trocar os carros. Sérgio se defende. “Quem comprava sabia do risco que estava correndo. Mesmo assim, comprei de volta alguns desses carros. Mas não podia ficar com todos.”

Por essas e por outras Sérgio foi ganhando inimigos. Da Boca Maldita, tradicional ponto de discussões políticas no centro de Curitiba, ao sofisticado Batel, seu nome foi ficando conhecido. A lista de empresários que se diz prejudicada por ele é grande. Procurados por ISTOÉ, muitos deles preferiram se calar. Em seus negócios, nem a família era poupada. Em 1994, Malucelli teria usado um primo num esquema de fraude de recolhimento de ICMS. O parente, que não quer se identificar, era o laranja na Impocar. Mais de 300 carros importados, todos eles supostamente adquiridos por Malucelli e um sócio, foram comercializados sem arrecadação de um centavo sequer de imposto. A Secretaria da Fazenda do Paraná desconfiou e foi investigar. A bomba estourou na mão do primo. Sérgio diz que o problema não é dele. A dívida do primo com a Receita paranaense chegaria a um R$ 1 milhão. Para entrar na jogada, Sérgio teria oferecido US$ 50 mil ao parente para que ele fosse seu testa-de-ferro.

Sócio de Luxemburgo em um bar e agora numa fábrica de isotônicos, Malucelli é réu em duas ações criminais no Paraná. Numa delas, ele é acusado de integrar o famoso “Clube dos 60”. Donos de empresas foram seduzidos por uma promessa de ter 60% do ICMS recolhido de volta. O imposto era pago em um caixa frio, a guia autenticada e o dinheiro repartido pela quadrilha. O rombo chegou aos R$ 30 milhões. Segundo denúncia do Ministério Público, cabia a Malucelli o papel de convencer os empresários a entrar no esquema. Três dos 27 envolvidos estão presos. Malucelli responde pelos crimes de sonegação fiscal, formação de quadrilha e corrupção ativa. Se condenado, pode pegar até 19 anos de prisão. Ele confirma que conheceu Ademir Costa, um dos cabeças da quadrilha. “Ademir me disse que tinha um jeito de pagar menos imposto e me pediu para apresentar alguns empresários. Mas nunca imaginei que se tratava disso”, defende-se.

Malucelli também está sendo investigado pela Polícia Federal. Dessa vez a acusação é de fraude no pagamento de Darfs de seis carros importados por ele e um grupo de empresários. O esquema é parecido com o do Clube dos 60. As guias eram autenticadas em um caixa falso. O rombo chegaria aos R$ 360 mil. A exemplo do amigo Luxemburgo, Malucelli tem problemas com o Fisco. Foi condenado na 3ª Vara de Execuções Fiscais de Curitiba a pagar R$ 183.573 por irregularidades no recolhimento do Imposto de Renda entre os anos de 1992 e 1994. Está tentando renegociar a dívida. Em Colombo, interior do Paraná, foi condenado a pagar uma dívida referente a um cheque sem fundos. Acusações e denúncias à parte, a amizade do técnico e do empresário segue inabalável. Os dois, ao lado de esposas e filhos, passaram os dois últimos réveillons juntos. Sempre que vai a Curitiba, Wanderley fica na luxuosa cobertura do empresário, ou então no sítio de Quatro Barras, cidade da Grande Curitiba. Lá, jogam futebol e combinam negócios. Os papos são acompanhados pelo “Borrego no rolete”, um churrasco de carneiro novo muito apreciado na cidade de Malucelli, a pequena Irati. Foi de lá que saiu Arinélson, aquele jogador vendido ao Santos supostamente com pagamento de comissão a Wanderley. Mas isso já é outra história.

João Noronha
Sérgio Malucelli tem problemas com a polícia e a Receita Federal

ISTOÉ – Por que não deu certo o bar que você e o Luxemburgo abriram em Curitiba?
Sérgio Malucelli – Na verdade, o bar não era nosso. Ele foi arrendado por três meses. O lugar onde estava situado não tinha um bom movimento. Além disso, o estacionamento e a consumação eram caros. Não tínhamos como baixar. O condomínio era caro. Perdemos R$ 150 mil no negócio.

ISTOÉ – A Beverage é de vocês? (fábrica de isotônicos argentina, bebida similar ao Gatorade, que tem planos para se fixar no Brasil). Quando começará a operar?
Malucelli – É nossa. Temos a intenção de começar a produzir no ano que vem. A Prefeitura de Irati (cidade onde nasceu Sérgio) vai nos dar o terreno e construir o galpão em que será construída a fábrica.

ISTOÉ – Vocês não tinham condições de bancar o negócio sozinhos?
Malucelli – Não vejo nenhum problema em ser ajudado pela prefeitura. A fábrica vai gerar pelo menos 50 novos empregos. Para a cidade é interessante. Aqui no Paraná essa é uma prática comum. A Audi e a Renault só vieram para cá por causa dos incentivos.

ISTOÉ – A Receita Federal apreendeu 60.600 garrafas do produto no início de setembro. O que vocês têm a ver com isso?
Malucelli – Nada. O problema aconteceu com o antigo representante da Beverage em Curitiba. A carga estava sob a responsabilidade dele. Problemas como esse fizeram com que o proprietário da fábrica, o argentino Francisco Morrone, nos procurasse para oferecer a sociedade.

ISTOÉ – Além da Beverage, que outros negócios têm?
Malucelli – Nenhum. Vivem dizendo que o Wanderley é sócio em todos os meus negócios. Nada disso. Certa vez, comprei alguns carros para ele em um leilão. Foi só. O máximo que faço é vender carros para ele. Ele compra todos aqui na minha agência.

Time pequeno, grandes amigos

João Noronha
Sede do Iraty Sport Club, no Paraná: obra do Sérgio Malucelli

Sérgio Malucelli é dono do minúsculo Iraty, clube do interior do Paraná. Mas isso não o impede de ter amizades e relações com figurões do futebol brasileiro. Muitas dessas amizades, lógico, só foram possíveis graças a Wanderley Luxemburgo. A galeria é extensa. Fazem parte dela os empresários Juan Figger, seu filho Marcel e os super-stars Reinaldo Pitta e Alexandre Martins, a dupla de procuradores de Ronaldinho. O craque já esteve no badalado sítio de Quatro Barras. A presença do atacante foi um mimo para o presidente da Sony japonesa, que em visita a Curitiba fez questão de conhecer Ronaldinho.

Um assunto incomoda, e muito, Malucelli. Trata-se da venda de Arinélson por R$ 900 mil. O negócio suscitou suspeitas. Muitos acham que Luxemburgo, na época técnico do Santos, levou comissão na ida do jogador para o clube paulista. “Posso garantir que o Wanderley nada teve a ver com isso. O Arinélson só foi para o Santos porque Pelé o convenceu”, garante.

Para defender o amigo, vale até entrar no túnel do tempo. “Quando o Parreira era técnico da Seleção havia um empresário português que administrava a carreira de oito jogadores do time. É natural que um técnico indique os jogadores com os quais quer trabalhar. Mas desde que conheço o Wanderley tenho certeza que ele nunca ganhou nada por indicar jogadores”, avalia Malucelli, que se diz um apaixonado por futebol. Por isso mantém o Iraty, que segundo ele lhe dá prejuízo. Recentemente, inaugurou o novo alojamento para os jogadores do clube. Malucelli queria homenagear Juan Figger. O prédio teria o nome do empresário. Há desconfianças de que Figger tenha um esquema de falsificação de passaportes portugueses. Edu, do Corinthians, Warley e Adriano, estes últimos com passagens pela Seleção Brasileira, tiveram problemas em aeroportos do Exterior ao apresentar passaportes portugueses, todos dados como falsos. Os três têm a carreira administrada por Figger. Coincidência ou não, Malucelli não vai mais dar o nome do empresário à sede. Figger é também muito amigo de Luxemburgo.