Na última década, a escalada da violência no México produziu um mundo de horrores. Na guerra do narcotráfico, corpos foram derretidos em ácido, desmembrados em praça pública ou pendurados em viadutos. Matadores de aluguel se tornaram comuns e, em muitas cidades, até admirados. Em dez anos, nenhum país no mundo viu seus índices de criminalidade crescer tanto. Entre 2005 e 2014, 80 mil pessoas foram mortas na guerra do tráfico e pelo menos outras 40 mil sumiram sem deixar vestígios. Por mais chocante que seja tudo isso, o que aconteceu na cidade de Iguala, de 140 mil habitantes, é incompreensível até para os padrões mexicanos. Mais de um mês depois do desaparecimento de 43 estudantes que planejavam organizar um protesto contra a baixa qualidade do ensino, as investigações oficiais chegaram a um veredicto estarrecedor: evidências mostram que os jovens, entre 17 e 21 anos, foram mortos por ordem de políticos locais ligados a cartéis de drogas.

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VIOLÊNCIA SEM FIM
Manifestantes arrastam policial no aeroporto de Acapulco e homenagem
aos estudantes: 40 mil desaparecidos em dez anos

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É difícil de acreditar na sequência dos fatos descritos pelas autoridades. Após prender os estudantes, a polícia teria consultado o prefeito de Iguala, Jose Luis Abarca, sobre o destino que deveria ser dado a eles. Iguala teria mandado que fossem entregues aos narcotraficantes. Sob o jugo de assassinos, rapazes e moças que estudavam magistério – todos sem qualquer passado associado ao crime – teriam sido executados com tiros na cabeça. Seus corpos, cortados em pedaços, e depois queimados em um lixão nos arredores de Iguala. Os familiares dos jovens, porém, duvidam da versão e defendem a tese de que eles estão sequestrados em algum lugar remoto do país.

Por que Iguala teria ordenado a atrocidade? A resposta é banal. No mesmo dia em que os estudantes organizavam os protestos, a mulher do prefeito, Maria de Los Angeles, faria um pronunciamento público para lançar sua candidatura à sucessão do marido. Ela, então, não queria correr o risco de ser confrontada pelos estudantes. Em 4 de novembro, Iguala e Maria foram presos. Além da suspeita de terem determinado a execução, eles são acusados de pertencer ao maior cartel de tráfico local, o Guerreros Unidos.

O desaparecimento dos estudantes é uma das maiores perversidades cometidas por uma sociedade democrática em tempos recentes. É mais grave por ter sido planejada e executada pelo poder público, representado na figura dos policiais e do prefeito. O crime comprova as íntimas conexões entre políticos mexicanos e o crime organizado. “Os chefes do cartel de drogas agem como monarcas”, disse à revista “Time” Mike Vigil, ex-chefe do departamento de combate às drogas do governo americano. “Hoje em dia, eles estão estruturados como uma empresa global, com filiais e subsidiárias.” Algumas dessas “subsidiárias” são comandadas por prefeitos, deputados e, suspeita-se, até senadores.

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OS MANDANTES DA EXECUÇÃO?
O prefeito de Iguala, Jose Abarca, e sua mulher,
Maria de Los Angeles: ligações com o cartel de drogas

Na semana passada, milhares de manifestantes foram às ruas gritar contra a barbárie. Os mais radicais queimaram prédios públicos, bateram em policiais e agrediram políticos. Na segunda-feira 10, o senador Alejandro Encinas foi atacado, com tapas e garrafadas, quando saía de um café em Veracruz. Também na semana passada, Pedro Zambrano, ex-presidente do PRD, o maior partido de esquerda do país, se feriu depois de receber uma pedrada na Cidade do México.

A revolta dos mexicanos ganhou força depois que o presidente Enrique Peña Nieto deixou o país para visitar a China. É consenso até entre seus aliados que faltou ao chefe da nação sensibilidade diante de uma tragédia de repercussão global. Ele próprio é alvo de denúncias. Há alguns dias, os jornais mexicanos revelaram que a mulher de Peña Nieto comprou uma mansão, na Cidade do México, de uma empresa que conseguiu contratos generosos com o governo. A ironia é que Peña Nieto assumiu a Presidência há dois anos prometendo combater a violência e a corrupção. Fracassou nas duas frentes.

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Fotos: PedroPardo/AFP; Eduardo Verdugo, Alejandrino Gonzalez/AP


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