Passado o período eleitoral, o governo precisou admitir que convivia há meses com um problema contábil que nem as dezenas de manobras fiscais feitas pelo Tesouro Nacional foram capazes de encobrir. Na última terça-feira 11, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, foi ao Congresso pedir a aprovação de um projeto que, na prática, abandona o compromisso do Executivo de alcançar o superávit primário nas contas de 2014. Isso quer dizer que, embora tenha prometido economizar R$ 99 bilhões este ano para pagar os juros da dívida pública, o governo alcançou até setembro um déficit superior a R$ 25,5 bilhões. Com as contas no vermelho e a economia prometida muito longe de ser alcançada, a saída foi colocar em prática um plano pensado há 40 dias, nos bastidores, pela equipe econômica. Como primeiro passo, abriu-se o diálogo com o Congresso para buscar uma solução capaz de permitir o descumprimento da meta do superávit deste ano. O governo apresentou uma proposta que retira o limite de R$ 67 bilhões de abatimento da meta dos recursos aplicados em desonerações tributárias para alguns setores da economia e pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sem o limite, tudo que foi gasto pelo Executivo nas obras e nas desonerações, cerca de R$ 123 bilhões, pode ser deduzido dos R$ 116 bilhões previstos para o superávit. A manobra é mais uma maquiagem nas contas públicas, transformando um saldo no vermelho em aparente cumprimento das metas de economia prometidas.

PIC_Dilma.jpg

A proposta do governo foi um sinal claro de que as promessas de campanha e os números de crescimento defendidos por Dilma Rousseff durante os debates eram parte dos relatórios maquiados do Tesouro e não condiziam com a real situação financeira do país. Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), adversário de Dilma no segundo turno, a proposta de modificação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) chancela a crise econômica que vinha sendo negada durante todo ano eleitoral. “Dilma vendeu aos brasileiros um País que não necessitava do aumento da taxa básica de juros, porque não tinha inflação; que apresentaria dados de diminuição do desmatamento; que estava permanentemente diminuindo a miséria no País e que tinha as suas contas em ordem. Até um mês atrás, as principais autoridades do governo diziam que cumpririam o superávit primário de 1,9% do PIB”, lembrou.

As críticas à forma como o governo trata as contas públicas vieram até do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes. Segundo o ministro, o governo atua de improviso e se tornou adepto de jeitinho para administrar o País. “Não queremos mais essa questão de atropelo, de liberar recurso apenas nos últimos dias do ano para o governo fazer caixa e acertar suas contas. O Brasil tem de acabar com essa improvisação, com esse jeitinho de acertar as contas. Temos de ter um planejamento mais adequado”, afirmou o ministro, logo após um evento no Senado, no qual falou sobre irregularidades encontradas pelo TCU nos contratos públicos.

Mesmo diante da avalanche de críticas e da impossibilidade de disfarçar os erros na condução da política econômica ao longo dos quatro anos do governo Dilma, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, incorporou a missão de fazer parecer que o cenário não é tão tenebroso como parece. Para a ministra, o abandono da meta proposta para este ano é resultado da redução do ritmo de crescimento do país, como consequência da crise internacional, que tem sido usada como justificativa para praticamente todos os problemas financeiros do governo. Para a ministra, as mudanças vão garantir a manutenção das políticas de incentivos fiscais e os investimentos necessários à retomada do crescimento da economia. O governo argumenta ainda que é preciso manter as taxas de emprego. “O governo tem sido transparente e isso é um mérito que precisa ser considerado. Há prioridades importantes para os brasileiros que o governo está tentando preservar. Esse crédito tem de ser dado”, disse o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), que preside a comissão de orçamento e atuou como maior defensor das mudanças na LDO.

Embora a proposta da equipe econômica tenha sido costurada desde outubro, no depoimento aos congressistas a ministra do Planejamento não conseguiu dizer quanto o Brasil vai economizar para pagar os juros da dívida. Esse dinheiro é importante não apenas para que um País se mantenha adimplente, mas especialmente porque serve como indicador de confiabilidade diante do mercado internacional. Por isso, a ministra e sua equipe insistem que a mudança na LDO “não significa um cheque em branco para o governo gastar como quiser”. Resta saber se o discurso de agora é suficiente para recuperar a credibilidade com o mercado e evitar uma debandada de investidores do país. Afinal, tem sido cada vez mais difícil acreditar que a equipe econômica sabe como conduzir as contas públicas brasileira.

ISTOÉ ASSIM

Por meio de projeto de lei enviado na terça-feira 11 ao Congresso, o governo pediu carta branca para descontar do superávit do setor público todos os gastos com o PAC e com as desonerações tributárias, antes limitados a no máximo R$ 67 bilhões.
Isso aconteceu porque o governo federal, que até setembro registrava deficit de R$ 15,4 bilhões, não conseguiria cumprir o superávit de 2,15% do PIB em 2014

Fotos: Adriano Machado/AG. ISTOE