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A Agência Espacial Europeia (ESA, da sigla em inglês) fez história hoje ao colocar pela primeira vez um módulo espacial na superfície de um cometa. Na tarde desta quarta-feira 12, o robô Philae aterrissou com sucesso no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, a 500 milhões de quilômetros distância da Terra, próximo à trajetória da órbita de Júpiter.

O módulo se separou da sonda espacial Rosetta às 7h03 da manhã, e levou cerca de sete horas em queda livre até atingir a superfície do cometa. A missão tinha 50% de chance de não ser bem sucedida e o pouso só foi confirmado cerca de 28 minutos após a aterrissagem, tempo que o sinal emitido pelo módulo leva para chegar à Terra. A sonda foi lançada em 2004, com missão de estudar pela primeira vez a superfície de um cometa.

“Os cometas são considerados como restos da nuvem primordial que supostamente criou o Sistema Solar. Existe agora uma abertura para pesquisar coisas como a origem da vida, saber como era a composição química na época da formação do Sistema Solar, e outras questões científicas muito importantes, como se foi realmente um bombardeio de cometas que trouxe água para a Terra”, afirma o coordenador da pós-graduação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Antônio Fernando Bertachini de Almeida Prado, doutor em engenharia aeroespacial. Para ele, a missão pode ajudar a entender como se formou o Sistema Solar e prova que a humanidade tem o poder de se defender caso algum grande corpo celeste entre em rota de colisão com a Terra.

ISTOÉ – Qual a importância de uma missão como essa para a exploração espacial pelo homem?
Bertachini – Existem dois lados para serem analisados. Primeiro, tem o lado tecnológico muito importante. Conseguir manobrar um veículo espacial para ficar em órbita no cometa e depois descer até ele é uma das tarefas mais difíceis, porque sua massa é muito pequena, o que gera pouca gravidade. Uma pequena falha qualquer no propulsor pode fazer a nave perder o contato e o cometa vai embora. É muito mais difícil que ir pra Marte ou pra Lua, lugares que têm uma gravidade muito forte, então não é necessária tanta precisão. E há a dificuldade de comunicação, porque demora para enviar e receber informação, já que a velocidade da luz é finita. Do ponto de vista de astronomia, os cometas são vistos como corpos que mantém a estrutura do Sistema Solar na época da sua formação. A Terra sofreu com erosão, chuvas, toda a sua superfície é desgastada. Mas os cometas são considerados como restos da nuvem primordial que supostamente criou o Sistema Solar. Existe agora uma abertura para pesquisar coisas como a origem da vida, saber como era a composição química na época da formação do Sistema Solar, e outras questões científicas muito importantes, como se foi realmente um bombardeio de cometas que trouxe água para a Terra.

ISTOÉ – Como as análises podem influenciar o futuro das pesquisas espaciais?
Bertachini – Se você pensar em engenharia espacial, provamos que a humanidade é capaz de realizar uma missão tão difícil, que tem habilidade suficiente para isso. Ou seja, ela vai conseguir ir para outros corpos, para onde for necessário. Questões como, por exemplo, o risco da colisão de um cometa ou um asteróide grande com a Terra são de grande importância. Significam a sobrevivência do planeta. Se você tem habilidade para chegar nesse cometa, também terá habilidade para explodi-lo, desviar sua órbita ou algo assim. O ser humano a partir de hoje tem a capacidade para se defender desse tipo de ameaça.

ISTOÉ – A missão tinha 50% de chance não ser bem sucedida. Em uma missão espacial, essas são chances boas ou muito pequenas?
Bertachini – Este é um número bem arriscado. Uma missão para a Lua ou para Marte tem um fator de segurança muito maior. [O cometa] é um corpo distante no Sistema Solar, numa órbita entre a Terra e Júpiter, e tem uma gravidade muito fraca. Então, se você lançar um veículo à Lua e errar um pouquinho na propulsão dele, até pode colidir, mas é grande a possibilidade de ele ainda fique em sua órbita. No caso de um um cometa, não. Se você não colocar uma velocidade muito precisa, ele não consegue estabelecer uma órbita, escapa e perde o contato com o corpo. Ter 50% é um número bem ruim. É uma missão muito difícil de fazer. O normal são números muito mais seguros. Acredito que uma missão pra Marte ou para a Lua teria muito mais de 90% de chance de sucesso.

ISTOÉ – A Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) afirma que os arpões que prenderiam o módulo ao cometa não funcionaram. Como isso pode afetar o futuro da missão?
Bertachini –
É um mecanismo que serve para prendê-lo, como âncora. Como a gravidade é fraca, existe o receio de que um movimento brusco do cometa tire o módulo de sua superfície. Eles vão tentar acioná-los novamente, já que o previsto era que o módulo ficasse preso ali até 2015.

ISTOÉ – Qual o próximo passo para a exploração espacial?

Bertachini – Asteróides e planetas são corpos que estão na vitrine agora. Os EUA já têm planos de levar o ser humano a um asteróide, que são corpos maiores, mas na mesma categoria de cometas no sentido de serem muito pequenos para terem gravidade elevada. Há planos para extração de minerais deles, trazê-los para a Terra, mas ainda é muito cedo para saber se isso vai ser economicamente viável, já que os custos são muito elevados. Mas há a discussão de que, no futuro, com a escassez de minerais no planeta, os cometas sejam uma nova fonte. Essa missão provou que conseguimos chegar lá com sucesso.

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ISTOÉ – Qual a tradição da ESA na exploração espacial?
Bertachini –
A ESA tem uma tradição de grande sucesso. Eles têm uma constelação de satélites similares ao GPS, que os americanos têm. Eles têm a base de lançamento de Kourou, na Guiana Francesa, que funciona há muito anos com muito sucesso. Essa missão, por exemplo, saiu de lá há dez anos, em março de 2004. E têm capacidade técnica para ir pra Lua, para asteróides, e até para cometa, que é mais difícil. Eles têm um programa muito forte em aplicações e até mesmo no espaço interestelar profundo.