ula de inglês, de espanhol, natação, academia, futebol ou vôlei, pilhas de lição de casa, papo com os amigos ao telefone, navegação na internet, a tevê e o som sempre ligados. As baladas e os compromissos de um jovem de classe média ou alta são tantos que resultam em um engarrafamento de atividades. E que jovem não quer viver intensamente? É cada vez maior a sensação de que a vida é curta e há milhões de coisas a fazer ao mesmo tempo. Quem entende um adolescente sentado na cama, em frente à tevê, com um caderno no colo, a caneta na mão e o telefone equilibrado no ombro? Bombardeados por informações vinte e quatro horas por dia, a moçada de hoje tem a árdua tarefa de assimilar tudo ao mesmo tempo. Mas na ânsia de abocanhar o mundo passam a impressão de não saber exatamente o que querem.

Segundo pesquisa realizada no ano passado pela MTV, 66% dos jovens utilizam pelo menos dois meios de comunicação simultaneamente. A emissora de tevê entrevistou 1.859 adolescentes para saber como eles entendem a mídia e o mundo. Dos entrevistados, 70% concordam que ouvir música não atrapalha outras atividades, como ler e estudar. Os especialistas os definem como a geração zapping, ou seja, aquela que vive mudando de canal o tempo todo. Diante do desafio de prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo, é como se eles passassem o dia inteiro com um controle remoto na mão, zappeando o mundo. A carioca Joana Barbosa, 15 anos, faz parte desse universo. Ao chegar em casa, liga o rádio, a tevê e corre para o telefone. E estuda inserida nesse caos. “Não consigo fazer uma coisa de cada vez”, explica. Joana compara seu dia-a-dia com a navegação na internet. “A gente vai abrindo novas janelas sem fechar outras. Acompanha o conteúdo de várias páginas simultaneamente”, diz. Seu boletim, no entanto, só apresenta notas boas. A mãe, Cláudia Magalhães, 40 anos, se acostumou. “No início, mandava desligar a tevê. Mas não adianta, ela gosta”, diz.

Antenados – Condições não faltam para que adolescentes como Joana tenham mais informações do que os pais quando tinham a mesma idade. Vivem cercados de notícias. Têm à disposição revistas, canais e sites que falam de tudo. Mas é na tevê, superficial e fragmentada, que está sua maior fonte de saber. Essa tendência é apontada em outra pesquisa, a Brazilian Teenagers Go Global, realizada com 500 jovens de 11 a 19 anos pela Jaime Troiano Consultoria de Marca, de São Paulo. Questionados sobre suas atividades mais frequentes, 87% disseram que ouvem música e 84%, que vêem tevê. Apenas 53% lêem revistas e menos da metade, jornais e livros.

Ao contrário do que pode parecer, no entanto, esse jovem não tem maior capacidade para processar informações. “O cérebro humano não mudou nos últimos dois mil anos”, afirma o neurofisiologista Gilberto Xavier, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. “A diferença é que o jovem aprendeu a eliminar a informação excessiva”, diz. Na ânsia de estar ligada o tempo todo, a maioria dos adolescentes age sem nenhum critério ou intervalo para descanso.

A enxurrada de informações a que se submete se explica pela busca compulsiva por novidade, algo típico da fase. “Dos 13 aos 20 anos, o ser humano estabelece o raciocínio lógico e se torna apto a relacionar informações. Procura conhecer o máximo para construir seu banco de dados. E não gosta de perder tempo”, explica o neurologista Xavier. Para ele, a maior diferença entre as gerações é que antes o mundo exterior era a mais importante fonte de experiência e hoje a juventude prefere consumir o mundo pela tela da tevê ou do computador.

O levantamento da Jaime Troiano indica que os principais valores que norteiam essa juventude são o individualismo, o conservadorismo e o capitalismo. A psicóloga Cecília Russo, diretora da empresa, explica que os jovens abdicaram de projetos coletivos, não têm intenção de romper com o sistema, não sentem culpa por consumir nem por desejar o sucesso econômico. “Se em outros tempos os jovens tinham vergonha de morar com os pais e de não se sustentarem, os de hoje ambicionam carreiras rentáveis e não abrem mão do conforto”, diz.

Lar, doce lar – Sair de casa continua sendo um desejo, mas não um projeto consistente. Os conflitos de gerações continuam, mas não passam de uma necessidade de marcar posição. “Reclamar dos pais, por melhores que sejam, é previsível. Faz parte da atitude contestatória da idade”, considera Wilma Rocca, diretora do escritório de pesquisa que leva seu nome. Em 1999, em parceria com a MTV, o escritório desenvolveu um levantamento junto a mais de 2.500 entrevistados de 12 a 30 anos que resultou na publicação do Dossiê Universo Jovem. Os números apontados são esclarecedores: 54% dos que moram com os pais não têm nenhuma vontade de sair de casa, 28% têm alguma e apenas 18% dizem ter muita, mesmo assim sem pressa.

Ter seu próprio canto nos próximos cinco anos é o projeto do estudante de turismo Murilo Morano, 20 anos. Isso não significa que ele esteja batalhando além da conta para isso. Desempregado, prefere se dedicar à faculdade e reserva seu tempo livre ao skate e à prancha de surfe. “Sou meio vagabundo mesmo”, brinca. Morador de São Paulo, todo fim de semana Murilo vai para o litoral norte do Estado para pegar onda. Nos outros dias, aproveita para andar de skate e treinar muay-thai, uma arte marcial. Faz bicos como garçom para ajudar na gasolina. O carro, um Renault Clio, ganhou dos pais em 1999. “Eles me sustentam. Sei que poderia fazer mais, mas ainda não tenho cabeça para um trabalho fixo”, diz. No ano passado, fez um estágio de três meses na Disney, na cozinha de um fast-food. Gostou tanto de morar fora que resolveu adiar a volta. Com o aval dos pais, cruzou os Estados Unidos de carro e passou um mês em San Diego, estudando inglês e curtindo a praia. Perdeu sei meses da faculdade e só voltou quando o visto expirou.

Com a idade de Murilo, seu pai, Reinaldo, morava sozinho, cursava direito na PUC, fazia cursinho para entrar na Faculdade de Medicina da USP e, à noite, trabalhava no Banco do Brasil. Pouco tempo depois, engrossaria as frentes de oposição à ditadura militar. “Tive de ganhar a vida cedo. Meu pai não podia me oferecer o que dou a Murilo. Além disso, queríamos transformar o mundo, desejo que não vejo nessa geração”, avalia Reinaldo. Mas a diferença não é motivo para conflitos. “O Murilo não é vagabundo. Ele apenas está usufruindo das facilidades que oferecemos”, completa, certo de que, quando chegar a hora, Murilo vai saber conduzir a própria vida.

Planos – Para a socióloga Célia Belem, diretora de pesquisas da agência de publicidade Young & Rubicam, é um erro pensar que garotos como Murilo não pensam no futuro. Acostumada a trabalhar com jovens nessa faixa etária, ela garante que eles fazem planos com maior empenho do que seus pais na mocidade. A diferença está nos interesses. Agora, as metas são mais pessoais. “Tínhamos ideais coletivos e independência, mas éramos incapazes de prever nossa vida dali a cinco anos. Hoje, os jovens narram o futuro de maneira explícita. Sabem o que querem, onde vão morar e quantos filhos terão”, explica. Célia admite apenas que essa tomada de decisões acontece um pouco tarde demais. “Dos 12 aos 18 anos, muitos adolescentes não sabem tomar um ônibus. Nessa idade, tínhamos condições para explorar o mundo com maior autonomia. O primeiro emprego acontecia mais cedo. Hoje, a adolescência está se arrastando para depois dos 18”, analisa a pesquisadora.

Mesmo quem parece dedicado a se mostrar independente e engajado deixa transparecer essa vontade de adiar a maturidade. A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Carla Taís Santos, conhecida por ter tirado a roupa numa manifestação pró-CPI da Corrupção em Brasília, não quer mais sair da escola. Aos 21 anos, tradutora e intérprete formada num colégio de Novo Hamburgo, RS, matriculou-se num curso técnico de administração para não perder a condição de estudante que lhe deu o cargo na Ubes. Ao assumir a presidência da entidade, com sede em São Paulo, transferiu a matrícula para uma escola em Campinas, a 100 quilômetros de distância. “Como viajo pelo País defendendo nossas causas, não posso comparecer a todas as aulas. Vou lá em dia de prova e passo o resto do tempo na militância”, conta. Sem saber ainda se vai estudar letras, cinema ou tradução, ela espera a aprovação de uma cota para estudantes de escola pública nas universidades para decidir seu futuro: “Sei que estou deixando de investir na minha carreira, mas não importa. Este é um momento único na minha vida e eu quero fazer um bom mandato. Depois que sair da Ubes, eu penso nisso.” Tamanha dedicação já lhe rendeu um papel em um curta-metragem sobre o movimento estudantil.

Não adianta reclamar da falta de ideologia dos adolescentes. No movimento estudantil atual, esse tipo de questão perde espaço para outras mais pragmáticas, como o passe escolar e o aumento das mensalidades. Tentar mudar o mundo subvertendo a ordem saiu de moda. “Uma adolescente de 17 anos com acesso a internet, tevê a cabo e revistas femininas não tem por que fazer revolução”, opina Alexandre Abrão, o Chorão, vocalista da banda de rock Charlie Brown Jr. “Sua batalha é pessoal. Ela pode usar essas ferramentas para se tornar uma boa estilista” , explica. Aos 31 anos, Chorão ainda fica indignado com a forma com que os políticos e a mídia tratam os jovens. “Em vez de oferecer investimentos em cultura, trabalho e educação, os candidatos prometem parques e pistas de skate”, alfineta. Da sua indignação surgiu a letra da música Não é sério, sucesso nas rádios e, aparentemente, a única forma de protesto de massa que toca a juventude no País.

Modismo – A falta de projetos coletivos faz com que esses jovens sigam ondas. As velhas tribos – de punks, hippies, ecologistas ou comunistas – quase desapareceram. Para a galera de 15 a 22 anos, pertencer a uma delas é uma questão de modismo, diz uma pesquisa feita pela Unilever, fabricante do creme dental Close-up, para detectar as preferências dos jovens, seu grande público-alvo. Na avaliação de Roberto Capodaglio, especialista em pesquisas de mercado na empresa, a tribalização, agora, dura 15 minutos. “Pertencer a um grupo é um exercício temporário”, afirma. “Eles assumem uma fantasia e se divertem, sem juízo de valor. E podem mudar sempre que quiserem”, diz. Até o ano passado, o estudante paulistano Paulo Roberto Teixeira, 19 anos, usava piercing na língua e frequentava festas clubbers para curtir música tecno. Agora está deixando a cabeleira crescer e dança forró de quinta a domingo. “Não houve choque. Meus amigos também mudaram de estilo. Só precisei aprender a dançar”, conta. Paulo também tentou sair de casa, mas a tentativa de morar com um primo não durou. “Mudar é normal, a gente não acerta na primeira”, defende ele. “Não gosto de me prender a nada por muito tempo, sinto que tenho de arriscar enquanto ainda sou jovem”, conclui.

Esse troca-troca constante de opinião é valorizado. “Os jovens pensam que estar antenado nas novidades é uma qualidade”, analisa o sociólogo Augusto Caccia Bava, da organização não-governamental Centro Brasileiro de Infância e Juventude (Cebrij). “Da mesma forma que os pais substituem os eletrodomésticos da casa quando se cansam, eles jogam fora o que antes era valioso. Apenas seguem a onda”, diz. Às vezes, as mudanças se sucedem durante um único dia. Nascida anos após o movimento hippie, a estudante carioca Ana Beatriz Paes, 15 anos, se divide entre o estilo paz-e-amor e o patricinha. “Eu não me defino. Tudo depende do meu humor, de como eu acordo…”, explica. Para ela, o importante é ter um jeito próprio, mesmo que este seja uma mistura de todos. “Adoro saia indiana. Se pudesse, iria a todos os lugares assim”, conta. Mas sem abrir mão de roupas e sapatos de grife. A variedade de estilos reflete a pluralidade de locais frequentados por ela. Vale desde boate com música eletrônica até funk, dance music, forró, reggae… “Os melhores DJs são os que tocam um pouco de tudo”, define.

Sem tribo – Em vinte e quatro horas, Ana Beatriz é capaz de percorrer três ou quatro tribos diferentes. E não existe nenhum sentimento de culpa. As tribos perderam o sentido a partir do momento em que as doutrinas ideológicas foram esvaziadas. “Parte da responsabilidade por isso é da televisão”, acredita o apresentador Serginho Groisman, 50 anos, há mais de 30 em contato diário com a moçada. De acordo com ele, quando aparece um punk na novela, o estereótipo fica tão gritante que um adepto se sente ridículo e desiste do movimento. Só que, em sua opinião, isso é positivo. “Nos anos 70 e 80, o jovem deixava de conhecer muita coisa porque lhe cobravam uma permanente coerência de idéias. Hoje, ele pode incorporar o que há de melhor na filosofia punk, hippie ou oriental, sem preconceitos”, diz.

 

Num mundo em que as escolas tentam preparar os adolescentes para a faculdade e esta faz o mesmo para o mercado de trabalho, a geração zapping também leva vantagem pela velocidade com que reage a estímulos e assimila novidades tecnológicas. A socióloga Fátima Cabral, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz que “saber mudar o tempo todo é ótimo, porque o emprego para a vida toda não existe mais”. Para ela, os jovens de hoje têm o perfil ideal para o mercado fragmentado, em que as empresas querem pessoas prontas para novidades a toda hora. Para a filósofa Olgária Mattos, professora de filosofia política na USP, a expectativa é que, conforme realizem seus ideais de sucesso profissional, estético e familiar, eles adquiram paciência para se aprofundar em suas áreas de interesse. “Eles não vão ficar eternamente nesse troca-troca. Quando crescerem, em vez de zappear, vão saborear o mundo”, aposta. Apetite, parece, essa geração tem de sobra.

Colaborou: Clarisse Meireles; Produção: Lívia Mund; Modelos: Paola Oliveira (Ag. Model’s Bank), Vanessa Moço (Ag. U:ma), Roberto Ferreira (Ag. Angel) Tiago Bom Venti (Ag. Taxi); Cabelo e maquiagem: J.R.O. Santos; Agradecimentos: Mineral, Criativa e Antishock

A primeira vez de cada um

Se seu filho tem mais de 15 anos, ele provavelmente já transou, experimentou álcool, cigarro e sabe descrever os efeitos de pelo menos uma droga ilícita. Esta foi a conclusão da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), responsável pela pesquisa Avaliação das ações de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis e uso indevido de drogas nas escolas. Após analisar 16.619 questionários respondidos por jovens de 10 a 24 anos de 14 capitais brasileiras, chegou à idade média das primeiras experiências mais polêmicas da adolescência. Drogas lícitas e ilícitas são provadas antes dos 15 anos por mais da metade dos adolescentes. Já a primeira relação sexual ocorre em média aos 14 anos para os meninos e aos 15 anos e meio para as meninas.

Tachada de precoce pelos pais, esta vivência é coerente com a atitude exploratória da geração zapping. Os estudantes Renato Sales e Alexandre Monteiro, por exemplo, experimentaram álcool aos 11 e 13 anos respectivamente. “Bebia escondido. Pinga, vodca e batidas”, confessa Renato. Aos 18 anos, os dois acham natural beber com os amigos. “Até na saída da escola é possível tomar uma cerveja sem ser incomodado. Quando junta uma galera, a gente faz de conta que é uma festinha e passa a tarde curtindo”, admite Alexandre, que fuma desde os 14 e consome um maço de cigarros por dia. “Mesmo antes de completar 18 anos, os adolescentes têm acesso fácil a esses produtos e aprendem com os próprios pais que beber é um hábito socialmente aceito”, explica Maria das Graças Rua, uma das responsáveis pelo estudo da Unesco.

Mas essa precocidade não deve se tornar motivo para desespero. Após o primeiro trago ou o primeiro porre, o adolescente não estará necessariamente fadado ao vício. “Os pais erram ao achar que os filhos podem ser ludibriados por más companhias”, afirma a socióloga Célia Belem. “Mesmo em relação às drogas, os jovens têm total consciência dos perigos da dependência química. Mas não deixam de experimentá-las, com a certeza de que são imunes ao vício. Provam, usam por algum tempo e normalmente abandonam a droga”, diz.