Alan Rodrigues
Inventor Riedel e as lentes…

O Brasil coleciona casos de desprezo por seus cientistas. Um exemplo flagrante é o professor mineiro Bernardo Riedel, 60 anos. Aos trancos e barrancos, montando máquinas com peças encontradas em ferro-velho, ele se tornou o maior fabricante de telescópios do País. Sua fábrica, a B. Riedel Ciência e Técnica Ltda., lembra com fidelidade a oficina do Professor Pardal, o alucinado personagem de Walt Disney que popularizou a figura do cientista disposto a tudo para dar vida útil à sucata. Escondido atrás de um muro chapiscado de cimento no pacato bairro do Horto, a três quilômetros do centro de Belo Horizonte, o cenário da fábrica é surrealista. Telescópios modernos nascem em meio a velhas máquinas de costura, colchões rasgados e geringonças enferrujadas que um dia terão utilidade. Ou não.

“Comprei um timer de laboratório fotográfico por R$ 5. Não sei como vou usar, mas dentro dele tem um motor que vale US$ 50 e tem de ser útil”, diz o professor, rindo de si ao lembrar que, poucos dias antes, jogou fora as quinquilharias amontoadas há mais de uma década em seu depósito. Seu maior orgulho é a câmara de vácuo que consumiu cinco anos de trabalho, vários deles juntando polias de assadeira de frango (a popular televisão de cachorro), bomba de vácuo da Força Aérea americana e correia de copiadora. Antes de entrar na câmara de vácuo para ser transformada em espelho de telescópio, a lente é aquecida num antigo forno de pizza.

O cabelo grisalho liso e arrepiado, o nariz fino e a inquietude de quem tem “uma cabeça que não pára um minuto” inspiram os amigos a chamá-lo de Professor Pardal. “Chego no ferro-velho e eles logo dizem ‘lá vem o velho maluco’. Mas consigo quase de graça coisas que custam muito”, vangloria-se, mostrando uma cadeira de dentista com o sistema hidráulico intacto. Para que servirá a cadeira, comprada em São Paulo? “Ainda não tive tempo de descobrir”, explica-se.

Carlos Magno
… usadas por profissionais como Rangel Nunes, do Observatório Nacional

Amazônia – As invenções começaram cedo para Riedel. Aos 13 anos, num acampamento de escoteiros, ele apaixonou-se pelo céu e construiu seu primeiro telescópio, uma estrutura quadrada feita de caixote de madeira. A família acabou jogando-o na faculdade de Bioquímica e, depois, na de Engenharia Sanitária. Para não perder os astros de vista, Riedel passou a fabricar telescópios para amigos. Começou observando crateras na Lua e logo viajou para Júpiter. O professor calcula ter fabricado entre 1.500 e 1.600 aparelhos. Foram para escolas francesas, astrônomos amadores e tribos da Amazônia. “O primeiro telescópio do Norte do Brasil foi feito por ele. Instalei em Roraima para observar o cometa Halley em 1985. Muitos telescópios importados têm espelhos colocados em metal, que oxida com a umidade brasileira. Os do Riedel são colocados em vidro”, ensina o físico Marcomed Rangel Nunes, do Observatório Nacional, no Rio. Segundo Marcomed, um dos trunfos de Riedel é dominar a tecnologia para fabricar telescópios com abertura de 18 centímetros, que capta mais luminosidade dos astros do que os aparelhos importados, com 15 centímetros de diâmetro, em média.

Para o diretor do Centro de Estudos Astronômicos de Minas Gerais, Eduardo Pimentel, Riedel é o melhor ótico do País. “A astronomia nacional deve muito a ele, apesar do velho atraso na entrega”, atesta o astrônomo. “Ih, eu devia ter acabado o do garoto do Jota Quest em julho e ainda não acabei”, confirma o gênio, apontando para o telescópio encomendado pelo tecladista da banda mineira, Márcio Buzelin.

O professor afirma ter gasto com as invenções todo o dinheiro da venda de sete imóveis. Hoje ele tem cinco funcionários e se prepara para montar, na laje do galpão, um centro de observação celeste aberto ao público. Ninguém sabe quando ficará pronto. Ele tenta acionar amigos e clientes em busca de investimento para aumentar a produção de sua fábrica. Os telescópios da B. Riedel custam entre R$ 690 e R$ 2,6 mil, dependendo de tamanho, sofisticação e acessórios. No ano passado, Riedel se aposentou como professor da Universidade Federal de Minas Gerais. A burocracia e a falta de recursos, segundo ele, empurram os espíritos criadores para fora do País. “Nas universidades americanas, uma idéia começa a ser executada em um mês. Aqui, demora anos para sair do papel, quando sai.