Marco Antônio Cavalcanti/Ag. o Globo
Pinaud, o secretário de Justiça,
foi agredido: impasse

Na época de sua inauguração, em 1987, o presídio Bangu I foi apresentado pelas autoridades como a primeira unidade penitenciária do Brasil que poderia ser considerada inexpugnável. Projetado para zerar as fugas e manter incomunicáveis os detentos, o prédio ficou conhecido nacionalmente por ter “segurança máxima”. Os grandes traficantes cariocas foram mandados para lá e duas réplicas foram construídas – Bangu II e Bangu III. Passados 13 anos, a fama do presídio é outra. Já houve pelo menos uma fuga e se tornaram rotineiras as denúncias de que os criminosos presos conseguem gerenciar de dentro das celas os seus negócios ilegais – tráfico de drogas, contrabando de armas e outros crimes. Para isso, se utilizam de agentes penitenciários corruptos, advogados bandidos e telefones celulares. Na segunda-feira 4, um assassinato provou que atualmente Bangu I não passa de um barril de pólvora semelhante a outros presídios brasileiros. A diretora da unidade Sidneya Santos de Jesus, 46 anos, foi alvejada com três tiros quando chegava a sua casa, na Ilha do Governador, zona norte do Rio.

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Sidneya: não à mordomia

Sidneya era conhecida por sua fama de incorruptível e pela forma corajosa com que procurava cortar as mordomias dos chefões do crime. Era também rigorosa com os agentes carcerários corruptos, a quem costumava punir de forma exemplar. Recentemente negou os pedidos de vários criminosos que desejavam ser transferidos para outras unidades – recusou inclusive uma oferta de propina de R$ 50 mil – e passou a ser ameaçada de morte. “Se ligar para essas ameaças vou deixar de viver”, comentou com amigos. O crime detonou uma crise no setor penitenciário do Rio de Janeiro. Os diretores de presídios entregaram seus cargos, agentes carcerários entraram em greve que durou 14 horas e exigiram a saída do secretário de Justiça João Luiz Pinaud, presos depredaram celas e portões de Bangu III, ameaçando fugir. Na quarta-feira 6, o governador Anthony Garotinho (PDT) convocou uma reunião com os secretários de Justiça e Segurança, os 24 diretores de presídios e representantes dos agentes penitenciários. No encontro, o governador ameaçou de demissão os grevistas, prometeu contratar mais agentes e tratar de um aumento para a categoria. Foi o bastante para acalmar os ânimos.

Vingança – Apenas 48 horas após o assassinato, a polícia do Rio tinha uma tese e alguns suspeitos. Investigava a possibilidade de Sidneya ter sido morta por um agente penitenciário e dois cúmplices, a mando do sequestrador Claudio Roberto Moreira Pacheco, conhecido como Sussuquinha. Entre outros delitos, ele é acusado de ter comandado o sequestro de um dono de hospital de dentro de Bangu I, pelo telefone celular. Em 1997, a diretora do presídio conseguiu abortar uma tentativa de fuga de Sussuquinha, que, desde então, teria prometido vingança. Somente o prosseguimento do trabalho da polícia poderá esclarecer o caso. Mas, desde já, o advogado Artur Lavigne, ex-secretário de Justiça no governo Brizola, acha estranho que um preso esteja envolvido na morte de uma diretora de presídio. “Isso seria inédito. À exceção da Máfia, não há na literatura mundial outro caso de um detento que tenha matado autoridades como diretores, secretários de Estado ou juízes”, afirma Lavigne. Para o ex-secretário, o sistema penitenciário perdeu o rumo no governo Marcello Alencar. “No lugar de advogados e sociólogos, os policiais tomaram conta do sistema. Os agentes penitenciários ganharam um poder que não tinham, foi o ovo da serpente.”

Primeiro diretor de Bangu I, o tenente-coronel PM Francisco Spargole ficou no cargo de 1988 a 1994. Foi ele quem criou as normas internas que são vigentes até hoje, chegou a servir de refém aos presos em 1988, num motim que durou poucos minutos. “Recebi várias ameaças de morte”, conta. Além de lutar contra a audácia dos criminosos presos, ele puniu vários agentes penitenciários por corrupção. Com autoridade, diz que o mito de Bangu I não se sustenta. “Segurança máxima não existe.” Pelo jeito, Uê, Paulo Maluco, Miltinho do Dendê, Marcinho VP, Marcelo PQD, Sussuquinha e outros bandidos cariocas já descobriram isso há muito tempo.

Luz no fogo
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Luz: dinheiro das quentinhas

Depois de anos esculpindo a fama de fiel homem da lei, o deputado estadual Hélio Luz (PT) teve de passar a última semana dando explicações sobre sua conduta no tempo em que era delegado de polícia de Itaperuna, no norte fluminense. Num rastreamento feito pelo Ministério Público nas contas de Jair Coelho, o “rei das quentinhas” dos presídios do Estado, descobriu-se que, em meados de 1990, foram feitos depósitos bancários numa conta do Banerj em nome do então delegado. Luz diz não se lembrar do valor dos depósitos, mas explica que o dinheiro servia para complementar a alimentação de cerca de 30 policiais da delegacia. “Reconheço que cometi um erro administrativo, mas nada que tenha dado prejuízo ao erário público. Também não houve enriquecimento ilícito. Portanto, não cometi crime”, declarou na quinta-feira 7. Para provar que não teme pelas ações do passado, Luz afirma que irá propor à Assembléia Legislativa, na terça-feira 12, a criação de uma CPI para investigar as relações de todos os administradores públicos com os fornecedores de alimentação de 1990 até hoje. “Não tenho medo de ninguém. Podem vasculhar minha vida inteira. Não vão encontrar nada.” Autor de frases de efeito, Luz ficou famoso por combater o tráfico de drogas e os sequestros. Quando virou chefe de Polícia Civil, descredenciou a Brasal de Jair Coelho e introduziu na polícia carioca os tíquetes-refeição: “Causei um prejuízo mensal de R$ 900 mil ao rei das quentinhas”, ufana-se. Liana Melo

 

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