Editorial.jpg

 

Reeleita, a presidenta Dilma Rousseff não necessita de fanfarras, passagens de faixa ou desfile em carro aberto para voltar a governar. Depois da dedicação quase exclusiva à campanha, quando deixou de lado as atribuições do Planalto para tratar de garantir sua permanência no poder, não é hora de perder tempo ou esforço em rituais. A mandatária precisa cair em si sobre o tamanho da tarefa que lhe aguarda, apresentar soluções e agir logo. Dar início “JÁ!” à propalada nova fase, concretizando a promessa até aqui marqueteira de transformação, que foi vendida em seu programa eleitoral. O clima de incertezas precisa ser vencido. Se ela saiu das urnas disposta a atender o ruidoso clamor por mudanças, não pode adiar o compromisso ou simplesmente esquecê-lo, escanteá-lo como impulso passageiro.

Iludir o público nativo e burlar seus anseios é um ardil que costuma cobrar alto preço. E ela sabe. Já experimentou nas ruas o risco da impopularidade por equívocos do tipo. O bônus e o ônus de dividir o Brasil ao meio, na mais belicosa eleição jamais vista por estas bandas, resumem-se na missão de costurar a conciliação – algo que precisa ir além do discurso de vitória e se consubstanciar na prática com a abertura imediata de diálogo junto aos vários setores da sociedade, inclusive adversários. A arte da política está na aproximação com opostos. Nesse aspecto foi mau sinal a descortesia de nem sequer pronunciar o nome do candidato rival, Aécio Neves, no palco de sua sagração domingo passado, mesmo após ele lhe ligar para congratulá-la. É da tradição das disputas tal gesto, que traduz a grandeza de intenções do vencedor e cristaliza valores republicanos tão reverenciados por nosso povo. Mas Dilma se absteve de realizá-lo. Prevaleceu o rancor, a inclemência e, em especial, a influência de seu mentor e tutor, Lula, que descartou a hipótese. Foi o primeiro dos vários erros da largada. A ideia, logo abortada por aliados, de fazer uma reforma política mediante plebiscito seguiu no mesmo tom. Afrontou o Congresso, que tem a prerrogativa constitucional de legislar sobre a matéria, e flertou com valores autoritários típicos de regimes bolivarianos, em voga na vizinhança.

É completamente inexequível no atual estado de ânimos geral um plebiscito que voltaria a dividir a Nação entre os que querem essa ou aquela reforma. Da mesma maneira, não há como impor uma agenda essencialmente petista ao amplo leque de forças que hoje compõem a democracia brasileira. A oposição está viva – mais viva do que nunca e animada com o despontar de uma liderança robusta trazida por Aécio Neves das urnas. E, sob seu comando, esse bloco opositor conseguirá responder à altura aos atos de desmando, sejam eles sobre a máquina pública, sejam contra instituições legítimas da sociedade constituída. O pendor de inspiração chavista de algumas ramificações do governo tem de ser deixado de lado em prol da negociação.

A presidenta precisa mostrar disposição ao entendimento, mudar o estilo recluso e autocrático de comandar e atenuar o nível belicoso de seu temperamento. Dela se espera que seja a artífice de uma mobilização geral e de uma composição parlamentar a favor de avanços. Disso depende a governabilidade. No bojo do “mudar” devem vir medidas efetivas contra a corrupção, o aparelhamento do Estado, o fisiologismo perverso do toma lá dá cá, além de um plano de ação que consiga ao mesmo tempo abater a ameaça inflacionária, resgatar a confiança do setor produtivo e ampliar o horizonte de parceiros internacionais que propiciem um incremento da balança comercial. Eis uma plataforma que vem ao encontro das aspirações nacionais, um grandioso trabalho que, se bem executado, pode contornar parte da “herança maldita” que ela recebeu de si mesma.