Considerado um dos precursores e maiores mestres do estilo barroco, o pintor italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) sempre foi afeito a polêmicas. Orgulhoso e bom de briga, ele gostava de provocar controvérsias em sua vida pessoal e também através de seu trabalho, marcado pela representação de temas religiosos tomando como modelos indivíduos de baixa estirpe, como comerciantes, marinheiros e prostitutas. Agora, mais de quatro séculos depois de sua morte, o artista está de novo imerso em uma contenda. Uma de suas obras está no cerne da disputa entre a prestigiada casa de leilões Sotheby’s e um colecionador de arte britânico, que levou a questão à Suprema Corte de Londres. O julgamento começou na semana passada e deve durar quatro semanas. Lancelot Thwaytes está processando a Sotheby’s por ter avaliado um quadro, que fazia parte do acervo de sua família, como cópia de um Caravaggio. A obra foi leiloada em 2006 por cerca de US$ 100 mil, mas avaliadores contratados pelo comprador da peça alegam que o trabalho é autêntico e que pode valer até US$ 17 milhões.

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VERDADEIRO OU FALSO?
Versão do quadro -The Cardsharps-, cuja autenticidade não foi
confirmada (acima) e a obra original, que apresenta diferenças
na luz e expressão dos personagens

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Trata-se da pintura a óleo “The Cardsharps” (“Os trapaceiros em jogo de cartas”, em tradução livre), cujo original teria sido pintado pelo mestre italiano por volta de 1595. Em 1962, um familiar de Thwaytes comprou a versão da obra por cerca de US$ 200, acreditando ser uma cópia. Décadas depois, Thwaytes procurou a Sotheby’s para analisar o quadro e a casa de leilões descartou qualquer possibilidade de o item ser verdadeiro. Assim, foi leiloado e arrematado por aproximadamente US$ 100 mil por Denis Mahon (1910-2011), outro famoso colecionador de arte britânico, que já havia descoberto outros três Caravaggios. Mahon, por sua vez, contratou especialistas para avaliarem a obra e eles apontaram que era um legítimo Caravaggio. Inconformado com o prejuízo, Thwaytes decidiu processar a Sotheby’s por negligência e por não ter realizado testes com raios infravermelhos que poderiam comprovar a autoria da peça. Em sua defesa, a casa de leilões londrina alega que seus peritos não falharam ao avaliar o quadro, e que descreveram a obra como o trabalho de “um seguidor de Caravaggio, um pintor que copiava o estilo do artista, contemporâneo a ele, mas não necessariamente seu pupilo”.

Não é tão raro conferir autoria a obras de grandes mestres que por séculos passaram despercebidas. Em meio à polêmica envolvendo “The Cardsharps”, outra obra de Caravaggio acaba de ser identificada. A peça “Maria Madalena em Êxtase”, de 1606, foi descoberta no acervo de uma família europeia que pediu para permanecer no anonimato. A importância do achado se deve ao fato de que o quadro, descrito como “a verdadeira Maria Madalena de Caravaggio”, já que há ao menos oito versões conhecidas da obra, era até então considerado perdido. O artista transportava a pintura consigo em sua última viagem, em 1610, e, com sua morte precoce, o item teria desaparecido misteriosamente. “O rosado do corpo nas suas diferentes tonalidades, a intensidade do rosto, os pulsos fortes e as mãos de tons lívidos […] são os aspectos mais interessantes e mais intensos desta pintura. É um Caravaggio”, afirmou na segunda-feira 27 a especialista italiana Mina Gregori, que também acredita que a versão de “The Cardsharps” que pertencia a Thwaytes é verdadeira.

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O julgamento do caso Thwyates versus Sotheby’s tem prazo para acabar, mas a questão da autenticidade do quadro que pode ser de Caravaggio, no entanto, não deve ter um desfecho tão cedo. Especialistas parecem não entrar em um consenso, e a tecnologia atual pode ajudar no processo de verificação da autoria de uma obra, mas nem sempre confirmá-la com absoluta certeza. Autêntica ou não, a controversa pintura, deixada como doação ao governo britânico após a morte de Mahon, pode ser vista atualmente no Museu da Ordem de São João, em Londres. O original permanece em exibição do outro lado do Atlântico, no Kimbell Art Museum, no Texas, Estados Unidos.  

FOTOS: NATIONAL NEWS/ZUMA WIRE; MARTIN GODWIN/GETTY IMAGES


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