Desde que anunciou o seu alinhamento com os EUA no combate armado ao Estado Islâmico, o governo canadense vem anunciando nos últimos dias a subida gradativa do seu alarme contra o terror. Para boa parte da população do país, e também para o mundo, tal cuidado parecia demasiado. Na realidade, revelou-se até acanhado demais. Na terça-feira 21 o primeiro sinal de que alguma coisa fugia à rotina de calmaria no Canadá veio com o atropelamento intencional de dois soldados em Quebec, resultando na morte de um deles. Vinte e quatro horas depois o que se julgava inimaginável aconteceu: o país estava de fato sendo vítima do criminoso fanatismo do Estado Islâmico. Um homem convertido ao islamismo, depois identificado como Michael Zehaf-Bibeau, matou a tiros um soldado que protegia o Memorial Nacional da Guerra, em Ottawa, que exibe orgulhosamente a participação militar do Canadá no conflito armado mundial do começo do século XX. Após deixar a marca do fanatismo em um dos pontos mais conhecidos e venerados da capital do país, localizado às margens do rio Ottawa, Zehaf-Bibeau correu para o Parlamento. Ao entrar no local deu seguimento à ação disparando pelo menos 30 tiros contra os seguranças, até ser morto por um deles. No total, três guardas ficaram feridos sem risco de morte.

abre.jpg
CENA ATÍPICA
O Exército patrulhava as ruas de Ottawa numa cena que parecia
ser mais a de um filme do que da vida real

O momento do ataque parece ter sido meticulosamente escolhido pelo atirador: naquele instante, em uma sala próxima ao corredor onde houve o tiroteio, o primeiro-ministro canadense, Stephen Harper, reunia-se com políticos de seu partido, e todos tiveram de ser rapidamente transferidos para um local seguro. Também a data sugere que a ação foi calculada em detalhes: semanas antes o Canadá declarara apoio aos EUA e se unira à coalizão internacional de combate ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque. O ataque em Ottawa, no entanto, não fez as autoridades recuarem. “Trata-se de um atentado terrorista, mas não seremos intimidados”, declarou o primeiro-ministro Harper. “Isso redobrará nossos esforços e tomaremos todas as medidas necessárias para enfrentar ameaças e manter o Canadá seguro”. A proteção ao país foi reforçada com o Exército nas ruas, e contou com o apoio do presidente dos EUA, Barack Obama. “Quando se trata de combater o terrorismo, americanos e canadenses sincronizam-se totalmente nos dias de hoje como agiram sincronizados no passado”, disse ele.

CANADA-03-IE.jpg
HOMENAGENS
A confirmação de que o Canadá fora vítima do terror estava nas homenagens
póstumas prestadas ao soldado morto no Memorial Nacional da
Guerra (acima) e no interior do Parlamento  (abaixo) no dia do tiroteio,
quando o primeiro-ministro do país se reunia com políticos

CANADA-04-IE.jpg

A coalizão de diversos países foi a solução encontrada para o combate ao Estado Islâmico, grupo extremista que tenta impor a sua ideologia por meio de extrema violência – basta lembrar, aqui, os vídeos que exibem decapitações de civis cujas nacionalidades são de “nações inimigas”. Lamentavelmente o número de seus seguidores estrangeiros cresce a cada dia, e a primeira grande surpresa deu-se na decapitação do jornalista americano James Foley que teve um britânico como carrasco – o seu sotaque, no vídeo, denunciou a sua origem. Surpresa maior, no entanto, dá-se agora: até a noite da quinta-feira 23 não havia a confirmação se Michael Zehaf-Bibeau era ou não canadense, mas cristalizava-se a certeza de suas profundas ligações desde a infância com o país: ele cresceu e foi criado em Quebec. De acordo com documentos oficiais, já havia sido condenado pelos crimes de porte de drogas e fraude de cartões de crédito, e seu passaporte fora confiscado. O terrorismo no Canadá é tão repudiado e tão fora de sua lógica de Estado que mesmo a mãe do autor dos ataques, Susan Bibeau, fez questão de declarar que, “se estou chorando, é pelas vítimas e não pelo meu filho”. A população canadense em peso recorreu à internet para deixar patente a sua indignação postando, por exemplo, mensagens como essas: “É uma situação das mais estranhas em uma cidade usualmente tranquila”, escreveu um morador. “O Canadá acabou de perder a sua pureza”, postou o analista político John Ivison.

CANADA-02-IE.jpg
NO TWITTER
A polícia canadense confirmou na quinta-feira 23 que  essa imagem
é do terrorista Michael Zehaf-Bibeau, autor dos atentados  ao Memorial
Nacional da Guerra  e ao Parlamento. A sua mãe, Susan Bibeau,
declarou que chora pelas vítimas de seu filho, não por ele

IEpag50e51_Internacional-2.jpg

Fotos: Chris Wattie/reuters; MP Nina Grewal/Handout; PETER MCCABE/AFP Photo