Vivo em permanente estado de ereção intelectual”, declarou certa vez Salvador Dalí (1904-1989), o mais midiático expoente do movimento surrealista, pintor compulsivo e autor das frases de impacto mais bombásticas do século XX, em retrospectiva no Brasil. Embora celebrizado pela pintura, “Salvador Dalí”, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, quer mostrar que, além de pintor, o artista catalão foi desenhista, pensador, escritor, apaixonado pela ciência, catalisador das correntes de vanguarda, ilustrador, designer, cineasta e cenógrafo, “um criador, no sentido mais amplo do termo”, segundo a curadora Montse Aguer, diretora do Centro de Estudos Dalinianos na Fundação Gala-Dalí.

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DESCONSTRUÇÃO
"A Máxima Velocidade da Madonna de Rafael", obra finalizada por Salvador Dalí
em 1954, será vista pela primeira vez em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake

Entre as 24 pinturas, 135 gravuras e desenhos, 16 fotos, três filmes e 39 documentos em exposição no ITO estão algumas das mais importantes obras de Dalí, como “O Sentimento da Velocidade” (1931), “O Espectro do Sex-Appeal” (1932) e “Figura e Drapeado em uma Paisagem” (1935). Com o intuito de “repensar o lugar de Salvador Dalí na história da arte do século XX e considerá-lo muito além de seu papel de artífice do movimento surrealista”, a exposição confirma que talvez a maior de suas obras tenha sido ele mesmo. Dalí foi acima de tudo um performer, um precursor da ideia de “obra de arte total” (conquistada a partir da justaposição de sua obra e sua personagem).

A exposição compreende os anos de formação, quando estudava belas-artes em Madri, mas se mostrava mais interessado nos ventos futuristas e cubistas que lhe chegavam de Paris nas páginas das revistas da livraria de seu tio Anselm Domènech, em Barcelona. A mudança para Paris, em 1929, e o ingresso no movimento surrealista, estão representados pela exibição dos magistrais “Um Cão Andaluz” e “A Idade do Ouro”, curta-metragens realizados em parceria com o conterrâneo Luis Buñuel.

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Nas telas, nos desenhos e nas gravuras da fase surrealista, o artista começa a dar vazão às obsessões, às inquietações, às paixões pelo invisível, pelo misticismo e pelo inconsciente. Em Paris, traz à tona a pesquisa sobre a duplicidade da identidade, um tema presente desde “Autorretrato Desdobrando-se em Três”, de 1926-27, até os autorretratos da fase final, em que aparece sempre fundido à imagem de Gala, sua esposa, musa, colaboradora e cara-metade.

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A melhor chave para a compreensão de Dalí é seu método paranoico-crítico de interpretação da realidade, definido por ele como um “método espontâneo de conhecimento irracional apoiado na subjetivação sistemática de associações e interpretações delirantes”. Mas talvez o mais chocante de seus delírios e de suas crises identitárias tenha sido seu apoio à ditadura de Franco, além de episódios envolvendo a delação de Buñuel nos EUA – dados incômodos, que historiadores de Dalí costumam evitar, mas que lhe causaram a expulsão do movimento surrealista.

A mostra chega ao Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, vinda do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, onde atraiu 978 mil visitantes.

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Fotos: Divulgação


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