Amigos, amigos, negócios à parte. Essa é uma regra que não vale para o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Numa adaptação bem própria, ele segue o princípio de amigos, amigos, negócio fechado. O mais recente exemplo disso é a transferência de tudo o que envolve o setor de eletricidade no país para o banco Rossiya, presidido por Yuri Kovalchuk, velho amigo de Putin, companheiro de confidências, ópera, festas, vodca e rubros desde os tempos em que a projeção do presidente não ultrapassava os limites de São Petersburgo. Um detalhe em nada desprezível é que, quando se fala do mercado de eletricidade na Rússia, está se falando de nada menos que 2% do PIB do país – ou seja, o negócio com que ele presenteou Kovalchuk gira na casa dos US$ 42,4 bilhões e já rendeu ao amigo cerca de US$ 100 milhões. “O Rossiya é o banco pessoal de Putin”, alfinetou certa vez o presidente dos EUA, Barack Obama, ao saber que contas de empresas estatais e até da Frota do Mar Negro na Crimeia já foram transferidas ao Rossiya, que soma atualmente US$ 11 bilhões em ativos e possui participações em diversos setores da economia – entre eles diversos órgãos ligados à mídia, que amplificam o poder de sedução política de Vladimir Putin junto à opinião pública.

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GINÁSTICA NO PODER
Putin e a namorada, Alina (nos tempos de atleta, no detalhe):
ele a transformou em todo-poderosa da mídia,
justamente para a mídia falar bem dele

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O presidente russo também tem sido um bom camarada para o famoso violoncelista Sergei Roldugin. A sua erudição e o seu virtuosismo são incontestáveis, mas, quando se atesta a fortuna do músico, fica claro que tem um dedo de Putin no robusto instrumento: US$ 350 milhões. A amizade é antiga, vem lá da década de 1970 quando ele conheceu o hoje presidente e fez-se padrinho de Maria, sua filha mais velha. Roldugin garante, segundo reportagem do “The New York Times”, que seu capital se multiplicou graças a bons investimentos feitos em papéis de pequenos bancos, conduzidos por homens próximos a Putin. Dinheiro é uma coisa, arte é outra coisa, e nesse campo Putin funcionou como um mecenas: Roldugin é diretor artístico da Casa da Música, uma academia onde se aprende os clássicos, sediada num sofisticado palácio de São Petersburgo, datado do século XIX e que pertenceu a familiares do czar Alexander II. A escola foi aberta com a ajuda de Putin e isso toda a Rússia sabe e aplaude. Roldugin costuma presentear o amigo com concertos particulares no Kremlin. No programa, Mozart, Weber e Tchaikovsky. Esse cenário remete, pouco mais, pouco menos, aos tempos de monarquia e ao deleite de reis e rainhas com seus artistas da cortes. De volta à Rússia de hoje, no entanto, o regime governamental burocrático, estamental e patrimonialista, assim como a política de apadrinhamento de Putin, é herança das obscuras estruturas de poder da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas nas quais também o público e o privado são confundidos pelos mandatários. O capitalismo de compadres é descendente direto do comunismo de camaradas, e Vladimir Putin foi treinado nessa cultura e práxis política ao trabalhar durante cinco anos na extinta Alemanha Oriental como oficial da KGB, a agência de espionagem e polícia secreta da URSS. Quando o império soviético ruiu, Putin foi trabalhar no escritório do prefeito de São Petersburgo, onde teve uma malsucedida carreira de amanuense. Afastado do serviço, recorreu aos amigos, obteve apoio e solidariedade. Nele cristalizou-se então, tanto por temperamento quanto pelo que a vida lhe bateu, o princípio de aos amigos tudo, aos inimigos a lei.

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A velha camaradagem transborda também para esferas mais íntimas do presidente. Se ele ajeita e acerta a vida dos amigos, dá para imaginar a sua dedicação com as mulheres pelas quais se apaixona. É o caso de sua namorada, Alina Kabaeva, com quem, de acordo com a imprensa internacional, o presidente tem um filho e até cogitou se casar, mesmo já sendo casado. De Putin, Alina ganhou joias e cargos privilegiados. Ex-campeã de ginástica rítmica, ela é quase três décadas mais nova que o presidente, que está com 62 anos, já foi eleita pelo mesmo partido de Putin para o Parlamento Russo onde exerceu o cargo de deputada por seis anos e, recentemente, assumiu o cargo de dirigente do Grupo Nacional de Mídia, a principal empresa de comunicação da Rússia – pró-Kremlin, naturalmente. Desde 2008, quando esse conglomerado foi criado, a ex-atleta dirige o conselho de supervisão do grupo. E surpresa: um de seus proprietários é o antigo camarada Yuri Kovalchuk, aquele do banco Rossiya – lembram dele? É assim que o ciclo de amizades de Vladimir Putin se fecha. E sempre em torno dele.

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Fotos: MAXIM SHIPENKOV, TATYANA MAKEYEVA, ALEXANDER NIKOLAYEV – AFP PHOTO; Krivobok Ruslan; Igor Russak/RIA Novosti  


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