Conhecido pela humildade e discrição, o teórico francês Jean Tirole recebeu com surpresa a notícia de que havia ganhado o Nobel de Economia na segunda-feira 13. “Precisei de meia hora para me recuperar da ligação (do comitê do Nobel)”, declarou. Professor da Universidade de Toulouse, na França, Tirole já era um dos economistas mais influentes do mundo e seu livro sobre a teoria da organização industrial, de 1988, uma das principais referências bibliográficas nos cursos de pós-graduação em economia. Mas foi sua contribuição para a regulação de mercados em que poucas ou apenas uma empresa têm muito poder que pesou na decisão dos jurados de homenageá-lo. Sem regulação, essas indústrias produzem muitas vezes “resultados sociais indesejados”, como preços altos e baixa eficiência, declara a Academia Real das Ciências da Suécia, responsável pela premiação. Seus estudos têm, portanto, ampla aplicação prática.

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TEORIA NA PRÁTICA
Jean Tirole teve influência na criação das agências
reguladoras no Brasil pós-privatizações

O ponto-chave da teoria de Tirole sobre a área de regulação é que cada setor deve ter uma política de concorrência específica – antes dele, como destacou o comitê do Nobel, as regras gerais valiam para todos os mercados. Assim, o francês derrubou antigas certezas de que tetos tarifários, por exemplo, trazem eficiência e ganhos de produtividade em todas as situações. “Antes dos trabalhos de Jean Tirole e de seu mais importante coautor, Jean-Jacques Laffont, regulação era um assunto de engenheiros, não de economistas”, disse à ISTOÉ Renato Gomes, professor da Universidade de Toulouse. “Se pensava que o problema principal era determinar quanto o monopólio deve produzir e que preço pode cobrar.” Nessa abordagem, desconsiderava-se a possibilidade de as empresas manipularem custos para maximizar os lucros, sem qualquer preocupação com o interesse público. As ideias propostas por Tirole descobriram incentivos para os dois lados e encontraram aplicação, sobretudo, nas áreas de telecomunicações e bancos. O vencedor do Nobel atualmente trabalha junto com Gomes numa pesquisa sobre regulação de plataformas de busca e compras pela internet.

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Num momento em que a Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, reabre uma investigação antitruste contra o Google, essa é a nova fronteira dos oligopólios a ser explorada. “Tirole mostra que, num mercado onde há poucas empresas, é preciso limitar a capacidade delas de restringir a entrada de novos concorrentes”, afirma Rafael Costa Lima, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e ex-aluno de Tirole em Toulouse. É justamente isso que se suspeita que o Google e outros gigantes da tecnologia, que também incluem a Amazon e o Facebook, façam. Seu poder é enorme. De acordo com um levantamento da consultoria americana Net Applications, o Google domina 71% do mercado global de buscas on-line. No Brasil, o índice chega a 98%. Sem cobrar do consumidor ou praticando preços muito mais baixos que os dos concorrentes, essas companhias conquistam importantes fatias de mercado, acumulam poderes e sufocam potenciais oponentes.

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No Brasil, as conclusões apresentadas por Tirole tiveram peso especial no período das privatizações, nos anos 1990, e influenciaram a criação das agências reguladoras e dos órgãos de defesa da concorrência. Ainda assim, segundo Armando Castelar, coordenador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, há espaço para mais. “A necessidade de melhorar e atualizar marcos regulatórios é hoje um dos principais entraves ao investimento em setores estratégicos no País”, afirma. “Esse é um momento propício para usufruir de seus trabalhos.” Embora o francês tenha ganhado o prêmio sozinho na semana passada, é justo dizer que Tirole deve muito ao colega e mentor Jean-Jacques Laffont, morto em 2004. Ao receber o Nobel, o economista disse que Laffont merecia estar junto com ele.