A situação é triste e infelizmente bastante comum. Durante anos, o indivíduo perambula de consultório em consultório em busca de uma resposta para os sintomas que se manifestam há tempos e que pouco a pouco destroem sua qualidade de vida. São desgastes como crises de diarreia frequentes, cólicas abdominais, vômitos e fraqueza nas pernas. Ele pode ser portador da doença de Crohn, uma enfermidade extremamente debilitante e que, muitas vezes, é desconhecida pelos próprios médicos. Por isso, há atualmente um grande esforço por parte dos especialistas para torná-la mais conhecida e seus tratamentos, mais eficazes.

abre.jpg
ESPERA
A médica Marina demorou anos para saber que era portadora. Medicada, mantém
a doença sob controle. O médico Sobrado, especialista no tratamento,
lamenta os atrasos para a obtenção do diagnóstico

01.jpg

A doença é caracterizada por uma inflamação intestinal crônica. Ela pode atingir todo o sistema digestivo, mas em geral ataca principalmente a parte final do intestino delgado (íleo) e a área que inclui o reto e o ânus. Sabe-se que está associada a marcas negativas do estilo de vida, como maus hábitos alimentares, ansiedade e estresse. A ciência ainda busca identificar todas as suas causas, mas entre as já catalogadas estão o tabagismo, disfunções do sistema imunológico (as células de defesa do corpo passam a atacar as células intestinais) e também desequilíbrios na composição da flora bacteriana do intestino.

Estima-se que sua prevalência mundial seja de 30 a 50 casos por 100 mil habitantes. Já o surgimento de novos casos está calculado entre quatro e sete por 100 mil habitantes por ano. Não há dados específicos do Brasil. Em geral, a doença se manifesta a partir da adolescência (por volta dos 15 anos) e até os 40 anos. Além dos sintomas relacionados ao sistema digestivo, ela pode dar sinais em outras partes do corpo. Entre eles estão o surgimento de aftas frequentemente, dores nas articulações, lesões na pele e vermelhidão nos olhos.

É exatamente por causa de manifestações por vezes tão distintas que o diagnóstico se torna um desafio para médicos não treinados a identificar a enfermidade. “O paciente acaba procurando um dermatologista quando surge um problema na pele. Depois aparece a vermelhidão nos olhos e ele vai a um oftalmologista. E a resposta sobre o diagnóstico vai sendo adiada”, diz o coloproctologista Carlos Walter Sobrado, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e presidente do Departamento de Coloproctologia da Associação Paulista de Medicina.

02.jpg

O problema do atraso no reconhecimento da enfermidade é que sua progressão pode levar a consequências graves, como o aparecimento de fístulas e estenoses, e até à morte, sem falar no enorme impacto que causa na qualidade de vida pessoal e profissional. A médica paulista Marina Epstein, 29 anos, é uma das portadoras que já sofreram muito por causa da doença. Ela só obteve o diagnóstico há oito anos. Antes disso, passou por crises pontuadas por dores abdominais, sangramentos, diarreia.

Hoje, Marina tem a doença sob controle. “Estou muito bem”, conta. Ela faz uso dos recursos que a medicina conseguiu encontrar para tratar a enfermidade e que se destinam a atacar diferentes frentes do problema. Basicamente, são três opções. A primeira são os corticoides, remédios que ajudam a combater a inflamação intestinal em sua fase aguda. A outra alternativa são os imunossupressores. Sua finalidade é diminuir a atividade do sistema imunológico. “É uma forma de fazer com que as células de defesa deixem de atacar as células intestinais”, explica Sobrado.

A categoria mais recente a entrar no arsenal contra a doença de Crohn foi a dos medicamentos biológicos. São medicações modernas que atuam sobre substâncias específicas associadas à enfermidade (daí o fato de produzirem menos efeitos colaterais). Por essa razão, apresentam os melhores resultados, com impacto positivo não só no controle dos sintomas, mas também na cicatrização da mucosa intestinal.

A escolha do recurso a ser usado deve obedecer a alguns critérios. “É preciso levar em consideração pontos como a gravidade e a extensão da doença”, explica o gastroenterologista Jaime Zaladek Gil, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Há poucas semanas, a Associação Americana de Gastroenterologia divulgou novas recomendações nesse sentido. “É preciso fazer a estratificação dos riscos do paciente antes de determinarmos a estratégia a ser adotada”, disse à ISTOÉ o médico William Sandborn, da Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA), e um dos coordenadores do trabalho que resultou no relatório da entidade americana. “O objetivo é prevenir que a enfermidade evolua para complicações como as fístulas e, em última instância, evitar que cirurgias sejam necessárias”, afirmou.