A os 49 anos, Robert Downey Jr. desfruta do prestígio que recuperou aos olhos de Hollywood – e com juros. Com o passado de drogas e de loucuras enterrado, o astro nova-iorquino figura em primeiro lugar no ranking divulgado recentemente pela revista “Forbes” com os atores que mais faturaram no último ano: US$ 75 milhões, a mesma quantia faturada por ele no período anterior. Obviamente a fortuna se deve ao sucesso colossal da franquia “Homem de Ferro” e à participação do ator, repetindo o papel do super-herói, na milionária série “Os Vingadores’’. Juntos, os filmes da Marvel estrelados por Downey Jr. arrecadaram mundialmente mais de US$ 4 bilhões de bilheteria. Nada mal para quem amargou um período turbulento, entre 1996 e 2002, marcado por prisões por porte de heroína, cocaína e anfetaminas e por sucessivas temporadas em clínicas de reabilitação.

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NO TOPO
Os filmes da Marvel estrelados por Downey Jr. arrecadaram
mundialmente mais de US$ 4 bilhões de bilheteria

“Tive muita sorte por conseguir me reafirmar na indústria”, disse o ator, recuperado do vício que ele teria herdado do pai – foi o cineasta underground Robert Downey, usuário de drogas, quem apresentou a maconha ao filho, quando ele ainda era garoto. Também foi o pai que o lançou como ator, aos 5 anos, no filme “Pound’’ (1970), uma controversa sátira protagonizada por cachorros à espera de adoção. “Hoje eu enxergo mais claramente a superficialidade que gravita ao redor da profissão de ator. Acho que amadureci o suficiente para não me deixar influenciar pelos aspectos mais tolos. Dependendo de como anda a sua carreira, você pode equivocadamente se sentir mais importante do que é’’, afirmou Downey Jr., duas vezes indicado ao Oscar.

Ele concorreu, como melhor ator, pelo retrato impecável do personagem-título de “Chaplin’’ (1992), e pelo papel do ator australiano que muda a cor da pele em “Trovão Tropical” (2008), na categoria de melhor coadjuvante.

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Robert Duvall (no detalhe) interpreta o pai do protagonista em "O Juiz".
Downey Jr. também é produtor do filme ao lado damulher, Susan Levin.
Eles são donos da produtora Team Downey

Com a carreira de volta aos trilhos, Downey Jr. aproveita o poder que conquistou para assinar a produção de alguns de seus filmes. É o caso de “O Juiz’’, drama que chega aos cinemas nacionais no dia 16 de outubro – depois de passar pelo Festival do Rio. Seu personagem aqui é um advogado que acerta contas com o passado ao voltar à cidade natal para o enterro da mãe e descobrir que o pai (Robert Duvall, o juiz do título) é acusado de assassinato. “Depois que você atinge certo ponto na carreira como ator, é natural querer se expressar de outra maneira. Não basta apenas interpretar, o que equivale a estar sentado no banco do copiloto. Queria me envolver em outros aspectos na realização de um filme.”

O trabalho atrás das câmeras (assinado pela empresa Team Downey) é dividido com a mulher, a produtora Susan Levin, com quem Downey Jr. está casado há nove anos. A dupla se conheceu durante as filmagens do thriller “Na Companhia do Medo’’ em 2003 e, desde então, Susan seria a responsável por Downey Jr. nunca mais ter caído em tentação. O casal tem um filho, Exton Elias, de 2 anos. “Susan ainda faz, com as sobras na geladeira, o melhor sanduíche do mundo”, brincou o ator, abrindo um sorriso.

Simpático, mostrou-se interessado no Brasil na conversa com ISTOÉ. “Qual é mesmo o ritmo musical brasileiro que ganhou um nome em inglês, por conta da presença de soldados americanos durante a Segunda Guerra Mundial?”, perguntou ele, referindo-se ao forró (que poderia ter relação com a expressão “for all”). “Tendo nascido no Brasil, não me espanta que seja uma dança sexy.’’

“Fui o meu maior obstáculo na carreira”

A seguir, os principais trechos de entrevista concedida à ISTOÉ, durante dois encontros com a reportagem em Los Angeles:

ISTOÉ – “O Juiz” apresenta personagens que, só após muito sofrimento, conseguem chegar à melhor versão de si mesmos. Também acredita nisso?
Robert Downey Jr. –
Sim. O filme faz com que atores e espectadores se identifiquem. Todo mundo tem problemas de relacionamento e de família, além de acontecimentos embaraçosos que preferimos esquecer. Quando estávamos no set de filmagem, por mais que estivéssemos representando, nos escondendo por trás dos personagens, acho que todos conseguíamos lembrar de momentos dramáticos da vida.

ISTOÉ – Você usou esses momentos, como a sua passagem pela prisão, na interpretação?
Downey Jr. –
Na hora de atuar, não. Quando estávamos contracenando, (Robert) Duvall e eu tínhamos o mesmo objetivo: queríamos passar pelo processo e não buscar imediatamente o resultado. Sabíamos que teríamos de convencer como pai e filho que escondem dores antigas, o que levou à relação terrível que vemos no início do filme. É a jornada que importa. Até porque nós, geralmente, não nos damos conta de que estamos vivendo um momento dramático quando ele está acontecendo. Isso você percebe no retrospecto. Na hora, não vê claramente.

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NO RUMO
A franquia dos filmes do Homem de Ferro recolocou
a carreira dele nos trilhos

ISTOÉ – O filme o fez rever a relação com o seu pai?
Downey Jr. –
Gosto de pensar que economizei dinheiro em terapia só por ter feito esse trabalho (risos). “O Juiz” me interessou justamente pelo roteiro conseguir abranger uma constelação no que diz respeito à vida emocional. Todos temos um arco de evolução ao longo da trama. E esse arco é repleto de falhas, assim como as histórias e os personagens. Como costuma acontecer na vida real, não há garantia de final feliz, há apenas esperança.

ISTOÉ – Com qual aspecto da relação pai e filho do filme mais se identificou?
Downey Jr. –
Hoje, estamos acostumados a tentar resolver aspectos complicados da vida, como relações familiares, com uma espécie de terapia caseira. Mas não era assim. Como o meu personagem, cresci nos anos 1970 e 1980, quando tudo ainda era muito velado. Não discutíamos sentimentos abertamente, os ressentimentos atravessavam anos. Não digo que isso não aconteça mais hoje, mas a atitude é diferente, pois tentamos resolver.

ISTOÉ – De onde vem o gosto pelos personagens intensos?
Downey Jr. –
Não sei. A verdade é que estou muito mais tranquilo hoje, embora ainda tenha a habilidade de interpretar caras nervosos e agitados. Talvez eu dê essa impressão porque ainda não sei gerenciar minha ansiedade. Quanto mais realista me torno, mais tenho de encarar a vida como ela é – e a vida é repleta de coisas assustadoras. Às vezes, posso acordar muito bem, mas, depois do café, tenho um pensamento terrível. E se um avião cair sobre a minha casa… Não é nenhum surto psicótico, mas uma ansiedade mal administrada. É aquele trabalho interno que ninguém mais pode fazer por você.

“Hoje enxergo mais claramente a superficialidade que gravita ao
redor da profissão de ator. Você pode, equivocadamente,
se sentir mais importante do que é’’

ISTOÉ – Como administra isso hoje?
Downey Jr. –
Primeiramente estou aprendendo a aceitar que se preocupar demais com uma coisa, sobre a qual você não tem controle, é o mesmo que rezar para que ela aconteça (risos).

ISTOÉ – Foi graças ao herói Homem de Ferro que você recuperou o status de astro na indústria, certo?
Downey Jr. –
Sim. Muitas vezes, fui o meu maior obstáculo na carreira, tendo perdido muitas oportunidades de estar sempre empregado. Certamente foram os filmes que fiz nos últimos cinco anos que me colocaram na posição confortável em que me encontro. E o maior bônus que tive foi o de me restabelecer nesse negócio altamente competitivo sem precisar sacrificar o meu prazer de atuar. Faço filmes nos quais ainda sinto que posso contribuir artisticamente.

Fotos: Divulgação; Kobal/The Picturedesk/AFP