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O Fernando Collor de Mello e o futuro presidente da República precisam se encontrar. O presidente, eleito no domingo, 17, com mais de 35 milhões de votos, anuncia, pelos jornais, que deseja fazer “um governo de entendimento e união nacional”. Mas Fernando Collor de Mello, aos 24 minutos do dia 18, cercado por meia centena de amigos em sua mansão no Lago Norte, em Brasília, ergueu um brinde, em lágrimas, e comemorou: “Destruímos o PT.”

Já se conhece mais, em todo caso, sobre os planos do novo presidente. Ele pretende governar “com 13 ministérios” e não com 12 como anunciava sua assessora Zélia Cardoso de Mello. E já encontrou algumas alternativas para compor sua equipe de governo.

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Vencedor
Enquanto propunha um governo de união nacional,
erguia um brinde em lágrimas: "Destruímos o PT"

Collor diz que “nenhum ex-ministro” deverá integrar sua equipe e sonha com um ministério de grandes nomes. Entre outros os do ex-presidente da Petrobras Ozires Silva, do dirigente da Vale do Rio Doce, Eliezer Batista, e dos parlamentares tucanos Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Collor pretende, também, sair rapidamente do isolamento político observado na campanha. Na madrugada do domingo, 17, enviava três emissários ao Rio de Janeiro para uma conversa reservada com um integrante da Executiva Nacional do Partido Comunista Brasileiro. “Quero fazer um governo de entendimento”, mandou dizer o presidente aos comunistas. Antes, porém, que a realidade dos fatos e os seus desejos se ajustem, Fernando Collor de Mello e o futuro presidente da República terão de se encontrar e dirimir algumas questões. Como, por exemplo, pretende o presidente obter o apoio do PCB se o anticomunismo deu o tom para a reta final da campanha de Fernando Collor de Mello? Ou ainda: como o presidente imagina neutralizar a oposição da Central Única dos Trabalhadores, com seus 1.600 sindicatos e 18 milhões de trabalhadores, se Fernando Collor já optou pela cúpula do sindicalismo de resultados da CGT, deixando claro que Antônio Rogério Magri só não será um de seus ministros se recusarem o convite?

Mas há mais: o presidente eleito conta com as bênçãos da Igreja Católica para o seu governo. No entanto, Fernando Collor chegou à Presidência com a engajada contribuição dos maiores adversários da Igreja Católica hoje, os grupos pentecostais. Isso, sem falar do descompasso entre a socialdemocracia, que o futuro presidente diz querer como modelo de governo, e a origem de sua votação. Fernando Collor de Mello venceu em 22 das 27 unidades da federação e teve mais de 50% dos votos em 18 destes Estados, mas, salvo uma escala de luxo como em São Paulo, sua passagem para o Palácio do Planalto foi carimbada pelo voto conservador dos grotões do País.

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Vencido
Quando a vitória já parecia certa, Lula foi alvejado pela campanha
collorida por um tiro diário no coração

É certo que, do ponto de vista numérico, votos não devem ser qualificados, mas, sim, contados. Mas é inevitável que se imagine o futuro governo e suas ações e dificuldades levando-se em conta o desempenho da oposição nos principais centros urbanos do País. À exceção de São Paulo e Curitiba, no ano de 90, quando serão renovados o Congresso e os governos estaduais, as forças oposicionistas estarão plantadas, eleitoralmente, nas principais capitais e centros urbanos do Brasil. Não será nada fácil para o novo presidente o confronto com essa oposição urbana logo após seis meses de governo. Ainda mais porque Collor garantiu, em campanha, a redenção dos “descamisados e pés descalços”, mas chegará ao poder em meio a uma crise, econômica, de proporções ainda incalculáveis.

No final da semana que antecedeu as eleições, um editor da revista norte-americana Fortune, até há meses um entusiasta da candidatura collorida, dizia para amigos em São Paulo: “Mudei de ideia. Acho que a melhor saída é o Lula e esta é também a opinião de muitos jornalistas americanos.” Diga-se, a propósito, que a imprensa americana, depois de uma fase de encanto com o clean, jovem e liberal Fernando Collor, começa a dizer que o Brasil escolheu um presidente “conservador e populista”.

Collor, apesar do vazamento de nomes de ministeriáveis por parte de seus assessores, tem evitado falar em público sobre o futuro ministério e os planos de governo. Mas o esboço de ação para os primeiros 100 dias do novo governo já está pronto. Faltam os ajustes inevitáveis, que serão puxados pelo cortejo de alianças a caminho. Logo no primeiro dia, pretende editar três dezenas de decretos e projetos. O impacto maior ficará por conta da extinção das “mordomias oficiais” entre as quais as mansões no Lago, em Brasília, e os apartamentos para a alta burocracia. Ao mesmo tempo, Collor pedirá ao Congresso sinal verde para avançar no programa de desestatização.

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São Paulo e Rio
"Sarney" passeia na av. Paulista, em São Paulo. As bandeiras do PT tremulam
na praia carioca. O Sarney de Brasília diz que aceita a antecipação
da posse, mas Collor prefere esperar

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Nos 100 dias seguintes, Collor prevê a ampliação das frentes de luta. Novamente, dois alvos irão polarizar as atenções. O primeiro é a renegociação da dívida externa. O presidente deverá pedir ao Congresso o estabelecimento de um teto máximo para o pagamento dos juros. A equipe hoje chefiada pela economista Zélia Cardoso fixou um patamar: 2,5% do PIB. Ou, em números redondos, US$ 5 bilhões. Isto vem a ser a terça parte dos juros que o País teria de pagar nos dias atuais.

Nas conversas que manteve com Collor a economista sugeriu “pulso forte” no começo, para tirar partido da legitimidade ganha nas urnas e, ao mesmo tempo, tentar brecar o processo de hiperinflação. Este é o segundo alvo prioritário do novo presidente. Zélia acredita que Collor possa repetir no Brasil uma receita semelhante à de Menem na Argentina, mas recomenda uma movimentação mais cautelosa. Entre a Argentina de Menem e o Brasil de Collor existe uma solitária semelhança: a esperança de milhões de descamisados. O resto são mundos paralelos. Collor, ao contrário de Menem, não tem um partido organizado, nem o controle dos sindicatos, como ressalta um de seus assessores. Em todo caso, um dado é tido como certo na assessoria de Collor: caso ele opte pelo choque liberal seu convidado para o Ministério da Economia será o mega empresário Antônio Ermírio de Moraes.

Com ou sem Antônio Ermírio, o presidente eleito não terá maiores dificuldades em obter o apoio do empresariado que em campanha dizia querer manter distante. Difícil será sua vida na área sindical. Como lançar uma ponte nessa direção é ainda uma pergunta sem resposta. E não se imagine que Antônio Rogério Magri, da CGT, irá representar, de fato, os setores sindicais. Na terça-feira, 19, de madrugada, em entrevistas nas tevês, Magri admitia o fechamento do Ministério do Trabalho ou, quiçá, sua transformação em uma secretaria especial da Presidência da República. Se isto se der, nascerá no Brasil a “Secretaria de Resultados”, vitória ímpar dos trabalhadores em todo o mundo.
Há ainda outra questão no ar. Collor se inclinará para a corrente econômica liderada por Zélia, carimbada como desenvolvimentista, ou para a linha tradicional, voltada para o controle das contas? Assessores especulam que Collor buscará uma linha intermediária reunindo “gente nova”, como Zélia, e “gente experiente”, na linha Ozires Silva, ex-presidente da Petrobras.

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Nos próximos dias, Collor deverá dar também passos na direção da Igreja. Durante a campanha, ele preferiu atribuir a “setores da Igreja” a rejeição à sua candidatura, mas, na tarde de segunda-feira, em reunião com os mais próximos do novo presidente, o jornalista Sebastião Nery arrancou gargalhadas ao dizer: “A CNBB é a CUT de batina.”

Nas Forças Armadas os entendimentos buscarão uma varredura no campo minado dos soldos e orçamento. Collor pretende dizer aos comandantes militares que a modernização das Forças Armadas não dará marcha à ré. A expectativa, segundo fontes ligadas aos militares, fica por conta da escolha do ministro da Marinha. Se for o almirante Mário César Flores, chefe do Estado-Maior, fica confirmada uma decisão: em lugar de criar o Ministério da Defesa, Collor terá sinalizado para o fortalecimento da Marinha com a perda gradual de peso do Exército.

O realinhamento de forças de imediato não traria ameaças para Collor. A Marinha é uma força eminentemente profissional. Um condestável com origens navais não chegaria a criar área de atrito com o Exército, mas iria funcionar como contraponto à influência da tradicional força política do País. O atual ministro, Leônidas Pires Gonçalves, aliás, numa surpreendente declaração no dia da eleição disse, candidamente, que “gostaria de indicar” ou influenciar na escolha do seu sucessor.

Na semana da eleição, Leônidas recebeu um amigo de José Sarney, o ministro da Cultura, José Aparecido. O ministro do Exército, indagado sobre a antecipação da posse do futuro presidente, afirmou ser contrário. Entende o co-governante da era Sarney que “o resultado precisa ser assimilado”. Na segunda-feira, 18, o próprio Sarney disse que não tomará nenhuma atitude para antecipar a posse, mas admitiu: “Se o novo presidente assim desejar, ele tem de dirigir-se ao Congresso e, se for aprovada a ideia, não criarei obstáculos.”

A tese da antecipação gerou controvérsias no governo. O ministro do Planejamento, João Baptista de Abreu, diante das contas do País, disse ser “favorável”. O amigo de Sarney, Saulo Ramos, da Justiça, atacou: “Ao invés de fazer teratologia mental (narração de coisas maravilhosas ou estudo das monstruosidades) o ministro poderia pedir demissão do governo”, sugeriu Saulo. Fernando Collor, através de seu porta-voz, o jornalista Cláudio Humberto, mandou dizer também que não deseja receber o abacaxi já. Humberto ancorou-se no respeito à Constituição e teorias similares para dar o recado de Collor que, antes ou, mais provável, após a diplomação ainda em dezembro, pretende tirar férias de oito a dez dias. O presidente eleito na terça-feira, 19, oscilava entre Paris e a América Latina.

Foi digna da América Latina a maracutaia na semana que antecedeu a escolha do presidente depois de um jejum de 29 anos. Com a inestimável colaboração de boa parte da mídia, o candidato Collor programou um tiro por dia no coração da candidatura Lula. A semana começou com uma armação no programa Ferreira Neto, da TV Record. Ali, Collor ameaçou a classe média com o término da poupança e a invasão dos apartamentos, episódios estes inevitáveis se o PT chegasse ao poder. Na terça, Collor passou na alcova do adversário. Consta que a jogada atingiu a alma de Lula, que chegou ao decisivo debate na quinta-feira, 14, muito abatido. Na véspera, as máquinas de vídeo-pôquer supostamente pertencentes ao locutor-vereador do PT-SP Juarez Soares causaram furor no País da ciranda financeira e das lotos e loterias do governo.

Os petistas e agregados tiveram alguma esperança quanto ao desempenho de Lula quando, na quarta, o deputado Plínio de Arruda Sampaio (PT-SP) exerceu o direito de resposta à armação Ferreira Neto-Collor. O jornalista publicitário viu-se reduzido a quase coisa alguma diante das respostas de Plínio às alegações colloridas. Pensou-se, ali, que Lula estaria bem treinado para o dia seguinte. Não estava. E na sexta-feira a TV Globo abandonou eventuais resquícios de pudores e promoveu um comício eletrônico no seu Jornal Nacional, cuja audiência média supera os 45 milhões de brasileiras e brasileiros, agora tornados “minha gente”.

No sábado, o País, e em especial São Paulo, viu-se invadido de versões revolucionárias do sequestro Abílio Diniz. No dia seguinte às eleições, em Brasília, diretores dos institutos de pesquisa, em conversas informais, não deixaram dúvidas. As versões do sequestro forçando às vezes a ideia da origem terrorista dos sequestradores, às vezes contrariando até a versão das autoridades, acabaram favorecendo a candidatura Collor. Não se diga que a Frente Popular foi pega de guarda baixa. Em reunião no comitê da Vila Mariana (SP) na quarta-feira, l3, pela manhã, o deputado Paulo Delgado (MG) opinou: “Eu não confio na polícia que leva dois meses para prender o Naji Nahas, que qualquer operador de Bolsa saberia onde encontrar”, disse o deputado, antes de sugerir: “Acho que no programa de hoje à noite devemos abrir o seqüestro de Abílio Diniz e tratá-lo como um caso político que será usado contra as eleições”. A tese de não “contaminação eleitoral” na divulgação de versões do seqüestro derrotou Delgado na reunião da qual participavam Plínio de Arruda Sampaio, César Alvarez (secretário de organização do partido), Gilberto Carvalho (coordenador de computação) e Wladimir Pomar. Esqueceu-se a Frente Popular do ensinamento de Von Clausewitz: “Na guerra, a única virtude negativa é a bondade da alma”.

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Fora de série
Esta Mercedes lulou em vão

Em um país onde centenas de ônibus são retidos nas garagens em dia de eleições, o PT, como se estivesse na Dinamarca, assistiu ao Tribunal Superior Eleitoral operar como se o Brasil fosse a Suécia. Não há porque pôr em dúvida as boas intenções do presidente do TSE, ministro Francisco Rezek, mas há que se perguntar: até a terça-feira, 19, quando já se anunciava a eleição e até nomes do Ministério de Collor, que medidas efetivas havia tornado o Tribunal diante das evidências de crimes eleitorais na Bahia, Ceará e Rio de Janeiro? Sabe-se que nas capitais e arredores destes Estados, ônibus foram retidos para impedir votos ou enviados para garantir a ida de eleitores às urnas. E daí?

É certo que a Justiça tem os seus prazos e caminhos, mas, no caso de uma eleição como esta, o que se poderá fazer após o anúncio extra-oficial da eleição de um candidato?

De todo modo, antes que o PT e sua Frente baixassem a guarda na véspera dos votos na urna, a esquerda, mais uma vez, já fracassara. Chegar ao segundo turno sem uma candidatura comum e, ainda, sem um programa previamente acertado, foi fatal. Durante quase duas semanas o candidato Lula viu-se paralisado pela busca de alianças que já existiriam se, ainda no primeiro turno, os acertos em torno de um projeto comum tivessem sido, pelo menos, iniciados. Deveriam as chamadas “esquerdas”, se de fato queriam vencer as eleições, recordar por quantas vezes sua divisão ou prevalência de sonhos individuais as levaram à derrota. Mas é possível que, no fundo, tenha prevalecido o que germinava nos corações e mentes de boa parte desta esquerda. Não deve ser à toa que, no domingo á noite, em São Paulo, reunidos num jantar com um amigo, dois conselheiros do candidato Lula tenham observado: “Menos mal termos perdido. Nós não estávamos preparados para governar.”

Pitadas de intriga
As brigas do poder collorido

O Brasil amanheceu no dia 18 com um presidente eleito e, em torno do seu grupo de poder, já rolava uma brigalhada em nada diferente daquelas da era Sarney. Personagem destacada da briga, o vice-presidente de operações da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, disse, ainda no domingo, que a edição do Jornal Nacional da sexta-feira, 15, noticiando o debate dos presidenciáveis na véspera, “foi mais favorável ao Collor” por um “erro de avaliação do departamento de jornalismo” da emissora. Segundo Boni, o noticioso da Globo refletiu “com uma pitada de exagero” a vantagem de Collor.

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Roberto Marinho
"Boni não entende de eleição"

Boni foi, sem dúvida, modesto quando falou em pitada. Em Brasília, na segunda-feira, 18, os dirigentes dos institutos de pesquisa admitiram: aquela edição do JN influiu mais no ânimo dos eleitores do que o próprio debate. Mas foi aí que a briga começou. Na mesma segunda-feira, o dono da Globo, empresário Roberto Marinho, respondeu a Boni: “Ele é o melhor diretor de televisão do Brasil, mas nunca o tive como especialista em questões eleitorais”. Marinho, certamente, considera-se um especialista no assunto eleições. Ainda na segunda-feira, fez ler no seu JN um editorial que estava pronto desde a sexta-feira, 15. Nele, trata Lula como “companheiro”, nega exercer um “poder político hegemônico” no País e, a propósito de responder a críticas do candidato petista, ataca o seu verdadeiro adversário: “Não caia na cantilena de Leonel Brizola. Ele é um fazendeiro que investe no estrangeiro seus bens de origem desconhecida”.

Em torno de Collor, também, já medra a intrigalhada. Leopoldo, irmão do presidente, chamou de “traidores” os porta-vozes Cláudio Humberto e sua mulher, Thaís. “O Cláudio deve estar embranquecendo de medo, pois isso é próprio da má-formação do seu caráter”, disse Leopoldo ao Jornal do Brasil. “Isso é ciumeira”, responde Cláudio. Já Regina, a mulher de Leopoldo, ameaçou “ir aos jornais” se o cunhado, Fernando, não atribuísse a vitória ao irmão, Leopoldo, piloto do caso Míriam-Lula. A fuzarca verbal gerou o comentário de um assessor: “Isto parece briga de bicheiro no ponto”.

A locomotiva mudou de trilho
São Paulo não votou a favor. Votou contra

São Paulo não concedeu, dia 17, a Fernando Collor de Mello só uma vitória nas urnas. Deu-lhe um aliviante pretexto, a desafogante sensação de que o futuro presidente da República não é meramente o queridinho dos grotões, do Brasil do atraso, dos eleitores interioranos e dos setores menos esclarecidos da Nação. Em São Paulo, apenas, Collor conseguiu inverter essa tendência verificada em todo o País – em São Paulo onde paradoxalmente nasceu o sindicalismo avançado do qual Lula é o maior símbolo. Mas São Paulo lhe basta. Se a Frente Brasil Popular ainda mostrou vigor no ABC, coração da indústria de peso e berço do PT e, eventualmente, em cidades dinâmicas, como São José dos Campos, Osasco e Bauru, o ex-governador de Alagoas venceu no maior colégio eleitoral (com seus 18 milhões de votantes), por uma margem folgada de quase 15 pontos percentuais – prevendo-se uma vitória de 8,5 milhões a 6,8. E colheu triunfos significativos onde São Paulo tem muito do seu progresso – Campinas, Santos, Piracicaba, Sorocaba. Mais do que tudo: Collor venceu na capital.

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De resto, Collor confirmou, no interior de São Paulo, uma vitória que, no primeiro turno, fora surpreendente e apertada, mas que se ampliou no segundo. Mas Lula e o PT punham fé numa reviravolta na capital, palco de um comício que, sob chuva, levou mais de 200 mil pessoas à praça defronte ao Pacaembu, a uma semana da definitiva eleição, e que chegou a prenunciar uma virada que as urnas não confirmaram: “Não adianta tapar o sol com a peneira, temos de encarar a derrota”, capitulava, logo aos primeiros resultados, o presidente regional do PT, Paulo Okamoto. Ele talvez possa começar a investigação pela curiosa constatação de que, nas 12 cidades que o PT governa, em todo o Estado só em três Lula venceu.

Para o PT, a penosa digestão do resultado em São Paulo terá como horsd’oeuvre essa indispensável autocrítica, mas pode, desde já, dispensar críticas pesadas aos aliados do segundo turno. Leonel Brizola e Roberto Freire tiveram ralos votos a 15 de novembro – e, com certeza, os transferiram para Lula. Com os tucanos, sobretudo, convém não ser injusto. Embora o senador Mário Covas tenha sido hostilizado, na hora de votar, por eleitores que diziam ter votado nele, no primeiro turno, a irritação com sua adesão à candidatura da esquerda foi fenômeno da classe média alta dos Jardins – parte da votação popular de Covas migrou, sim, para Lula, ainda que tenha sido insuficiente para virar o jogo pelo menos na capital, onde Covas vencera o primeiro turno, com 31,9% dos votos. Na primeira rodada, Lula ficava nos 15,2%. Agora, chegou aos 40,3%. No interior, deve agradecer ao PSDB duas importantes vitórias: em Bauru e em Ribeirão Preto.

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Collor, na verdade, somou mais os votos da direita, com Paulo Maluf e Afif Domingos, e parte dos tucanos ocasionais. A rejeição tradicional dos setores da elite a um partido e uma candidatura operários – apimentada, na semana final da campanha, pelas histórias da bandeira vermelha do comunismo e pelo duvidoso episódio protagonizado pela ex-namorada do Lula – veio se juntar, agora, uma indicação preocupante para um partido que se quer popular: aquele voto de protesto, espontâneo e até irrefletido, que, em 1988, mudou o rumo da eleição municipal da noite para o dia e acabou elegendo Luiza Erundina, voltou-se agora contra o próprio PT e muda de dono. Esse voto de protesto, em 1989, como talvez de resto sempre, se municipalizou, não obedeceu à perspectiva nacional, mais abrangente, O eleitor menos informado votou para a Presidência pensando no ônibus, na Erundina e na Lubeca e não num programa econômico que possa fazer frente à hiperinflação.

A reação mostra fraqueza
Na Bahia, pelo menos

Na terça-feira, 19, à tarde, a eleição ainda não estava definida na Bahia. A previsão de vitória de Lula por coisa de 4% dos votos, segundo as pesquisas eleitorais, esbarrava na realidade política do Estado, aonde a abstenção chegava aos 25%. Maracutaias mil e o sumiço do ônibus poderia, segundo o próprio PT, dar a vitória a Collor por uma diferença não superior a 200 mil votos.Qualquer que seja o resultado, além de Lula a eleição baiana apontará outro vitorioso: o ex-governador Waldir Pires.

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Waldir Pires
"De qualquer maneira, sairão derrotados"

No primeiro turno, Collor vencera com 400 mil votos de frente tendo a seu lado o ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, o prefeito de Salvador, Fernando José, e o seu inventor, o empresário Pedro Irujo. No segundo turno, a Bahia voltou ao passado. A Collor e ACM aliaram-se o ex-governador Roberto Santos (ex-Arena, agora no PMDB), o senador Luis Viana (PMDB, cujo pai, conselheiro Luís Viana, governava a Bahia há um século), o senador Rui Bacelar (PMDB), que declarou “neutralidade” com as bases colloridas e, principalmente, o governador Coelho. Quem imaginar que o governador conhece algo sobre a história dos ônibus que sumiam da capital e apareciam no interior e sobre as pressões contra prefeitos e burocratas do Estado, não estará longe da realidade.

“Eles jogaram tudo, amedrontaram, deram dinheiro, ameaçaram cortar verbas, estradas, mas, de qualquer forma, sairão derrotadas”, dizia Waldir Pires. O resultado, ao menos, soará como derrota não apenas por não ter o governador chegado ao “milhão de votos na frente” que prometeu, mas também porque “a derrota será política e moral”.

Um campeão solitário

Amigos brigados, parentes descrentes, mas Fernando acreditou em Fernando

Fernando Collor de Mello, 40 anos, terminou a campanha eleitoral como começou: sozinho. A solidão não beira o drama, nem exibe qualquer semelhança com aquela vivenciada há dois anos quando ele, no papel de caçador de marajás, sonhava apenas romper as limitações da provinciana Alagoas e projetar-se nacionalmente com uma fatia de 8% a 10% dos votos numa eleição presidencial. Collor, como todos aqueles que confiam exageradamente no próprio taco, optou por ficar só porque é assim que se sente seguro. O único elo em comum entre o solitário caçador de marajás dos primeiros momentos e o solitário caçador de votos da reta final – que se pudesse teria mexido nos ponteiros do relógio e antecipado a história – é a disposição de se guiar exclusivamente pelo instinto com absoluta autossuficiência.

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No debate na tevê, quinta-feira, 14, o olho gordo da câmera capturou um candidato real, que tremia os lábios e os olhos quando se sentia acuado, não vacilava em brindar o adversário com investidas agressivas e acusações sem provas e não fez qualquer esforço para camuflar o radicalismo ideológico. O Fernando Collor, que nã0 hesitava em afirmar em alto e bom tom, que Lula não sabia ler, corn aristocrática arrogância, ou que lia pausadamente papéis sacados de pastas verdes e amarelas, não parecia nem de longe o debatedor bem-comportado e sem alma que o País viu acuado no primeiro debate, domingo, 3.

Collor permaneceu frio, medindo e repetindo frases para dar maior impacto, como aprendeu num curso relâmpago de uma semana com especialistas da agência norte-americana National Educational Media. Mas sabia, com convicção, que tinha atingido Lula no seu ponto fraco – a emoção.

As imagens da ex-namorada Miriam Cordeiro, que o irmão de Collor, Leopoldo, teria comprado com um cachê de NCz$ 200 mil- segundo as denúncias – para despejar uma saraivada de golpes baixos contra o adversário, tiveram o condão de fazê-lo recuar e ficar um tanto inseguro. Collor sentiu isso quando viu Lula ao lado da filha, Lurian, de 15 anos, na tevê e pôde sentir, talvez, nos seus olhos o temor de que sua vida pessoal fosse alvo de novos ataques no dia do debate.

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Iniciação
No caratê, ele se preparou para a política, bater firme, sempre no
mesmo lugar, deixando sem reação o adversário

“Eu vivo levando porrada de todos os lados e vocês não fazem nada”, desabafou uma semana antes do debate, numa reunião que mudou os rumos da campanha em Brasília. “Ele estava irritadíssimo”, confidenciaram assessores. “A impressão é que ia explodir a qualquer momento.” Aquela altura, Collor resolveu deixar de lado tudo o que seu instinto de lutador de caratê rejeitasse e agir estritamente dentro do seu estilo. Marcos Coimbra, 42 anos, diretor da Vox Populi, seu alter ego intelectual, acionou o sinal de alerta quando ele deu um passo à direita na virada de dezembro, após os tumultos de Caxias do Sul. “O discurso anticomunista radical pode lhe tirar muitos votos. É melhor recuar”, teria lhe aconselhado Coimbra. Acabou se rendendo aos repetidos apelos de Leopoldo Collor, 49 anos, um experiente ex-executivo da TV Globo com raro talento para as coisas práticas.

O irmão mais velho convidava-o a abrir os olhos: “Há infiltração da esquerda na sua campanha”, repetia Leopoldo, irritado a cada vez que terminava “os programas de merda” da jornalista Belisa Ribeiro. Não foram poucas as vezes que, pelo telefone ou pessoalmente, Leopoldo semeou o vírus da desconfiança no espírito de Collor. Belisa, paga com um contrato de US$ 100 mil, sem contar o dinheiro que recebeu por um trabalho especifico – um bem nutrido dossiê sobre a vida de Leonel Brizola -, passava de uma “espiã” de duas caras. “Uma falsa, interessada apenas no dinheiro”, intrigava insistentemente Leopoldo.

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Pancadaria
O irmão Leopoldo denunciou a "traição" e comandou
no final a mudança de estilo

A “espionagem” não terminava sempre no vitriólico diagnóstico de Leopoldo – na ação solitária de Belisa. Deu nome a pelos menos dois sabotadores do staff que frequentavam diariamente o café-da-manhã de Collor, na casa do candidato ou na do empresário Eduardo Cardoso, em Brasília. Eram eles o jornalista Claudio Humberto Rosa e Silva, coordenador de imprensa, e o deputado federal Renan Calheiros, articulador político. A própria Belisa abriu a guarda e ofereceu o esperado pretexto para os falcões quando deixou, “numa pixotada inconcebível”, na própria do candidate, de levar ao ar as poucas cenas do primeiro debate que lhe poderiam renderam votos. A omissão voluntária ou falta de sensibilidade rendeu o mesmo dividendo negativo: queda em flecha nas pesquisas, e logo no momento da decisão. Collor como profetizava Lula — arriscava-se a morrer na praia.

Renan Calheiros ficava numa ilha intermediária. Era, sem dúvida, o braço direito de Collor nos círculos políticos, mas seu passado, assim como o de Belisa, estava ancorado na esquerda. Houve tempos em que costumava chamar Collor pelo nada lisonjeiro epíteto de príncipe da corrupção. Só mudou de linguagem e se rendeu ao seu comando na campanha para governador em Alagoas. Será que Belisa e Calheiros teriam efetivamente mudado de lado? Ou estariam vacilando diante do momento da verdade, com medo de perder a pose de esquerda light? Essa resposta Collor guardou para si.

Efetivamente, o único cidadão de qualquer suspeita era Rosa e Silva. Esse jornalista de 35 anos que, como Collor, ama caros charuto Monte Cristo, e, a despeito de ter vivido sempre em Alagoas, sabe com surpreendente desenvoltura circular pelos bastidores do poder. Ele realmente fora adversário de Collor. Um homem de esquerda, com vínculos com o PCB e o PT. Mas isso foi há muito tempo. Mais exatamente na época em que Rosa e Silva trabalhava para a Tribuna de Alagoas, comandada pelo senador Teotônio Vilela, e cultivava verdadeiro horror à oligarquia encarnada pelo clã Arnon de Mello.

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O pai
Gentil até onde a política permitia

De repente, tornaram-se amigos íntimos e Rosa e Silva assumiu as funções de inseparável escudeiro de Collor desde os primeiros momentos da campanha presidencial, quando, juntos, percorreram o País como uma versão nordestina de Dom Quixote e Sancho Pança, vendendo a ideia e a imagem do caçador de marajás. Desde que passou a trabalhar para as Organizações Arnon de Mello se revelara um amigo leal. Inclusive estava em Pequim naquele distante Natal de 1987 quando ele, Collor e o deputado Cleto Falcão, diante de um magnífico pato laqueado, decidiram lançar a candidatura do governador de Alagoas à Presidência, com o modesto objetivo de torná-lo nacionalmente conhecido.

Mas, quando, às vésperas do segundo turno, o chão começou a fugir-lhe, Collor preferiu apostar apenas em si mesmo. É um traço de personalidade que fortaleceu nos tatamis lutando caratê. Em Brasília, um carateca famoso, Antônio Flávio Testa, 38 anos, faixa preta no quinto dam, nunca esqueceu um adversário temível que foi o primeiro campeão de caratê da cidade e, certamente, chegaria a brasileiro se não tivesse capotado comm seu Puma na altura de Três Marias, Minas Gerais, numa viagem para competir no Rio.

A personagem em questão é Collor, faixa-preta no primeiro dam, que diariamente se exercita, no mínimo 20 minutos, e tem disciplina e fôlego suficientes para dormir algo como três horas por dia, recuperar de 30 minutos a uma hora de sono entre um comício e outro num helicóptero ou fazer de nove a dez comícios por dia, quatro ou cinco meses seguidos como aconteceu na campanha.

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Caça às bruxas
Belisa perdeu o lugar por ser "de esquerda". Zélia passou a correr risco.
Só o debate aliviou o astral

“Ele era frio, seguro de si. Quando descobriu a debilidade do adversário, atacava com golpes sucessivos, socos e pontapés, sincronizados num movimento simultâneo, sem dar-lhe chances de esboçar uma reação”, lembra Testa.

Collor é um político sem biografia. A sua trajetória poderia ser resumida em sucintos capítulos. Prefeito nomeado de Maceió, pelo partido do regime militar, a Arena, em 1978. Deputado federal pelo PDS, que não hesitou em votar contra Tancredo Neves, e a favor de Maluf, no Colégio Eleitoral, em 1984. E governador de Alagoas na segunda safra do voto direto em que soube tirar partido de uma campanha contra a casta de três centenas de funcionários altamente remunerados.

Bem que Collor tentou melhorar a biografia política por três ou quatro vezes. Ele saltou do PDS malufista para o PMDB das diretas e fez coro e comícios ao lado de Ulysses Guimarães, de Brizola e, ironicamente, de Lula. Foi radicalmente contra o mandato de cinco anos para Sarney. Tentou entrar no PSDB de Mário Covas, mas foi vetado. Também por influência de Marcos Coimbra, PhD em Sociologia, de nítida inclinação progressista, Collor foi empurrado na direção da social-democracia, um figurino que, ele reconhece, não lhe cai muito bem, por força da fonte herança anti-comunista da família.

Esta, sim, merece um capitulo especial. Os dramas e ascensão dos Collor de Mello são emblemáticos das contradições e estilo das elites tradicionais. Arnon de Mello, pai de Collor, era um jornalista dos Diários Associados e homem de negócios endinheirado que se elegeu deputado federal, foi governador de Alagoas e sobreviveu, como senador, por cinco legislaturas. Entrou para a história pela porta da tragédia. Em 1963, num duelo em plenário com o também senador Silvestre Péricles de Góis Monteiro matou, com uma bala perdida, o senador José Kairala. Mas quem o conheceu não hesita em defini-lo como um homem afável, envolvente, sem gosto pela violência, salvo aquela violência natural que é a marca registrada dos conflitos de coronéis do Nordeste. Arnon construiu um pequeno conglomerado de comunicações, com rádio, jornal e tevê nas Alagoas. Homem de visão, cedo se deu conta de que o futuro estava na Globo e não nos Associados. Associou-se ao dr. Roberto Marinho e dividiu os negócios entre dois dos cinco filhos. Collor, quando completou 22 anos, foi dirigir as empresas de comunicação do grupo e Leopoldo foi trabalhar na Globo, uma forma de sedimentar os laços com Roberto Marinho.

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A mãe de Collor, d. Leda (pronuncia-se Léda), se casou com Arnon quando vivia no exílio em Lisboa, com o pai, Lindolfo Collor,’ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, que caiu em desgraça no Estado Novo. À época, Arnon era antigetulista, mas no segundo governo Vargas se aproximou do Catete por intermédio de Alzira Vargas, de quem era amigo de confiança. D. Leda fez campanha para o marido, de jipe, em 1950, era sua conselheira na expansão do império empresarial e nunca acreditou que Fernando viesse, um dia, a ser um político importante, menos ainda o presidente da República.

“Ele era muito fechado, só pensava em festas, namorar e nos esportes”, admite. Fernando viajava muito, estudava línguas – ele fala fluentemente inglês, francês e espanhol e se mantinha distante da efervescência política. Era um rapaz que amava os Beatles e os Rolling Stones, mas tinha a versão a Che e Lênin. Desse quem entendia era Marcos Coimbra. Collor viveu noutra galáxia, nos agitados anos 60. E o que realmente importava eram os prazeres de herdeiro rico que passava o ano entre o Rio e Brasília e, nas férias, embarcava para os Estados Unidos ou a Europa. D. Leda foi uma das primeiras vozes a se erguer contra a ideia de o marido lançar Fernando Collor deputado em 1974. O ceticismo só caiu per terra quando o filho assumiu a Prefeitura de Maceió, em 1979. Uma visão totalmente diferente tinha Amon, que, quando o filho fez 12 anos, passou a levá-lo aos comícios. Aos 73 anos, d. Leda fez campanha para o filho. Passou dois meses no Rio Grande – epicentro do brizolismo- tentando reviver ligações plantadas por Lindolfo Collor, morto em 1942, cujo centenário de nascimento se comemora neste ano. E, junto com Leopoldo, mobilizou toda a família para cobrir a retaguarda do filho. Leopoldo, que a mãe considera um estrategista perspicaz e ágil com as finanças e funcionou como interventor no Rio quando o comando da campanha, consumido pelos choques de interesse, entrou em pane. A irmã “Ledinha”, de 47 anos, assumiu, na prática, o comando das operações em Brasília desde a abertura das urnas em 15 de novembro, quando o empresário Paulo Octávio, amigo íntimo de Collor, se revelou sem carisma para barrar a ascensão lulista em Brasília. O marido de “Ledinha”, o embaixador Marcos Coimbra, pediu licença do cargo na Grécia para vir coordenar a agenda de Collor. Foi Coimbra quem lançou as pontes de Collor no Itamaraty e, ao lado de Olavo Monteiro de Carvalho, ex-cunhado do candidato eleito, aparou as arestas do seu nome junto ao empresariado e lançou a tese verdadeira, claro, de que o conflito com a Fiesp não passara de um episódio localizado. “Um acidente de campanha”, na precisa definição da assessoria. Pedo, de 36 anos, que às vezes é confundido com Collor, ficou no comanda das empresas da família e da supervisão da campanha em Alagoas. A única que ficou à margem, numa atitude de discreta oposição, foi a psicóloga Ana Luiza, de 45 anos.

É evidente que Collor não poderá governar com a família. O que fazer? Collor chegou ao poder graças a uma fórmula que reuniu ingredientes bastante simples: o vote do povão, de um punhado de amigos abnegados e uma nova elite que briga nos Estados com as elites tradicionais em busca de um lugar ao sol.

Collor montou o comando da campanha com amigos da adolescência e aliados que foram surgindo aqui e ali em função de interesses regionais ou cisões entre os donos do poder. Tanto que há quatro grupos de traços bem-definidos: o grupo de Alagoas, o “grupo do avião, o grupo do Ciem e o grupo dos agregados. Desses, inegavelmente o mais forte e influente, no que pesem as tormentas e dissenções internas, é o grupo do Ciem.

O pai de Collor, graças à influência nos círculos militares, conseguiu herdar o apartamento funcional em que vivia Juscelino quando foi cassado. Assim, Collor passou a juventude na Quadra 208, onde viviam os dos condestáveis da burocracia brasiliense e, com eles, frequentou os bancos do Ciem – Centro Integrado de Ensino Médio de Brasília. Foi lá que conheceu Marcos Coimbra, que viria a ser seu conselheiro e analista de pesquisas. Que cruzou, por aquela época, em campus opostos, com o militante do P C do B Álvaro Lins, hoje responsável ”pelo banco de dados em que armazena mais de dois milhões de informações sobre aliados e possíveis adversários. Ganhou amigos como Luiz Estevão e Paulo Octávio, ambos empresários, ambos tocados pela mosca azul do governo de Brasília.

A seguir, vem o grupo de Alagoas. Seus expoentes são o deputado Cleto Falcão, líder de Collor na Assembleia, que ambiciona o governo de Alagoas, e o jornalista Cláudio Humberto Rosa e Silva, enfraquecido pelo chumbo grosso disparado por Leopoldo Collor no final da campanha.

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Em Maceió
Mas, fora de casa, só saía às ruas com militância paga e proteção de policiais

N0 “grupo do avião” o nome novo é do ex-deputado e jornalista Sebastião Nery, que funciona como conselheiro para assuntos ligados a Leonel Brizola e comunicação. Os agregados – se é que se pode chamá-los assim – vão desde figuras que trabalham na linha de frente, como a economista Zélia Cardoso de Mello, a personalidades dos bastidores, come o ex-presidente da Petrobras, Ozires Silva, ou pessoas totalmente desconhecidas como o empresário alagoano Paulo César Faria, que term, pelo menos oficialmente, as chaves do cofre da campanha. Ou seja, um orçamento de US$ 150 milhões, num cálculo conservador. Pode-se ainda incluir a deputada Márcia Kubitschek, a quem Collor conheceu por intermédio de sua ex-mulher, Lilibeth Monteiro de Carvalho, quando tinha 16 anos, e o empresário Eduardo Cardoso, seu amigo e confidente há uma dezena de anos.

Amigos ajudam na campanha, mas não configuram um governo. Collor não tem partido. Ele pode caminhar na direção de um novo “centrão”. Tentará se reforçar os laços com as ovelhas desgarradas, como ele chama os dissidentes de esquerda, do PCB, do PDT ou do PSDB. Quer selar urna aliança duradoura com o sindicalismo de resultados de Antônio Rogério Magri. E certamente não terá dificuldades em recompor sua imagem com os militares, no que pesem os informes que aterrissaram na sua mesa, nos últimos dias da campanha, dando conta de que a tropa não colloriu. Lulou.

Independente do leque de alianças que venha a reunir, uma realidade é inescapável: politicamente, Collor é um prisioneiro da solidão. Pessoalmente, Collor sentiu na pele o rigor dessa situação nessa segunda rodada da campanha. Um exemplo, o comício de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Foi no dia 12. A hostilidade dos militantes petistas e brizolistas obrigou-o, por ordem da Justiça, a se confinar no estádio de futebol, sob a proteção de 300 brigadistas da PM. Collor olhava para os muros do estádio e se sentiu prisioneiro. À exceção dos dias que se seguiram ao último debate, a sua campanha viveu mergulhada numa contradição insolúvel: as pessoas tinham vergonha de assumi-la publicamente e toda a militância, do colador de cartazes à boca-de-urna, funcionava movida a dinheiro.

Collor é um místico. Quem tivesse o cuidado de olhá-lo no palanque ou nas visitas oficiais, facilmente descobriria o colete à prova de bala e um patuá, amuleto com poderes mágicos, camuflados sob a camisa. No dia em que a vidente mineira Neila Alckmin previu um atentado, ele não saiu de casa. O videntc Ivo Carabajal ficava de plantão sempre que havia um comício, um debate decisivo ou os pontos caiam nas pesquisas. D. Leda, sua mãe, faz parte de uma escola de origem hindu que acredita na era de Aquarius, com a volta da felicidade à Terra, a partir do ano 2000.

No domingo, 17, à medida que as urnas iam sendo abertas e, em velocidade quase igual à da Globo, os computadores espalhados por dez cidades brasileiras traziam noticias dos ventos favoráveis, Collor, segundo amigos, se mantinha frio. “A viagem está apenas começando. Agora, é que começam os desafios pra”, disse algumas vezes na sua casa, no Lago Norte, à qual apenas um círculo fechado de amigos teve acesso. A solidão se transformou, a um só tempo, no ponto forte e no ponto débil de Collor. A incapacidade para tecer alianças em bases reais criou um vácuo que ele, por mais corajoso e guerreiro que seja, dificilmente conseguirá preencher.

Quando estourou a crise com o general Ivan de Souza Mendes, ministro-chefe do SNI, a quem chamou de generaleco, foi Collor quem procurou lançar uma cabeça-de-ponte nos quartéis. Não curvou a espinha, mas selou com o general Oswaldo Muniz Oliva, o comandante da Escola Superior de Guerra e pai do economista Aluísio Mercadante, do PT, um acordo de cessar-fogo. E cumpriu. Provavelmente, Oliva será seu ministro do Exército.

Mas nem sempre consegue controlar seu temperamento – e o tom radical, anticomunista, da semana de campanha, no fundo tem muito a ver com ele próprio. Ele mesmo confessa que esse é o seu pecado capital: na crise, age por impulso e é tudo ou nada. Na vitória, pode ser conciliador. Quando seus partidários começaram a sair às ruas buzinando os carros e soltando fogos, sem medo de ser colloridos, ele foi o primeiro a sair a público para anunciar que vai organizar um partido, dar um passo atrás, para tentar arrefecer o estigma de anticomunista e tentar um grande entendimento com a oposição.