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Depois de um primeiro turno em que superou a descrença e a gozação dos adversários, que o viam como um político de segundo escalão saído de um Estado de menor expressão (Alagoas), Fernando Collor chega ao segundo turno com força renovada. Nesta entrevista, publicada em novembro de 1989, o candidato do PRN ataca Lula, do PT, e diz que não abriria mão de nenhum ponto de seu programa de governo em troca de alianças que poderiam ajudá-lo a alcançar os 51% de votos válidos. Collor também dá pistas do pacote econômico que se concretizaria logo no início de seu mandato, com o confisco das cadernetas de poupança. “Haverá um plano para os primeiros 100 dias de governo, mas perfeitamente enlaçado com o plano macro, com o plano global de governo”, disse.

As antessalas de Fernando Collor de Mello estiveram lotadas da manhã à noite, ao longo da terça-feira, 21, no seu comitê eleitoral do setor comercial Sul, em Brasília. Governadores, parlamentares, funcionários públicos, cabos eleitorais de toda sorte – todos corriam à procura de Collor, para se acomodar à sombra do novo poder nascente. Faltavam cadeiras, mas nem as mais altas autoridades ligavam para o desconforto da espera. O governador do Piauí, Alberto Silva, por exemplo, resignava-se a ficar de pé diante da porta do candidato, elogiando-o, com fervor: “É o fenômeno da política: venceu sem partido, sem grandes nomes, sem nada!”

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Preferência
Collor: Brizola seria mais difícil

Naquele dia, Collor passou mais de dez horas encerrado em seu gabinete, não saindo, sequer, para o almoço. Alegre e determinado, acabou conseguindo atender todos que o procuravam – embora, ao fim do dia, se mostrasse esgotado pelo esforço de falar tanto, sem poder cometer nenhum erro. A essa altura, Collor já realizou metade do seu sonho: alçou-se ao primeiro plano da política nacional, saindo de um patamar que os adversários consideravam risível – o governo de Alagoas e uma estrutura política antes de tudo amadora.
Agora, o candidato entra no segundo turno pouco disposto a mudar seus métodos de campanha, como se pode perceber pela leitura desta entrevista.

ISTOÉ — O sr. acentuou sempre, ao longo da campanha, sua ausência total de compromissos com políticos e com os partidos. Como concilia agora essa colocação com o segundo turno, quando serão necessários os compromissos para a campanha fechar os 51% de votação?
Fernando Collor –
Fundamentalmente, a minha aliança é com o povo brasileiro e com a sociedade civil. E, dentro da sociedade civil, com a parcela mais sofrida, mais necessitada, mais à margem do processo de desenvolvimento. É com ela que eu continuarei aliado no segundo turno.

ISTOÉ — Em todo caso, o sr. já começou esse trabalho de procurar alianças, não é isso?
Collor  Não, não procurei, até porque a parte que nos cabe está cumprida, ou seja, oferecemos à Nação o nosso programa de governo. Ele aí está para ser debatido, discutido e, eventualmente, aprovado por aqueles que queiram, a partir da aprovação, se incorporar na nossa jornada.

ISTOÉ – A imprensa noticiou que o sr. teria dirigido alguns recados a Leonel Brizola, recados que foram rechaçados por ele. E verdade?
Collor Não, não mandei nenhum recado.

ISTOÉ – Qual é a sua opinião sobre Leonel Brizola?
Collor A disputa no segundo turno seria muito mais difícil com a presença do governador Leonel Brizola. A proposta dele, sem dúvida alguma, era bem mais ampla do que a do Lula. E ele, pela política de alianças que estabeleceria se estivesse no segundo turno, sem dúvida alguma seria um candidato mais forte. A proposta do candidato do PT é extremamente radical, estreita, prega a luta armada, prega explicitamente derramamento de sangue até se for necessário para se chegar ao poder, prega a invasão de terras, a invasão de propriedades, prega, enfim, um processo que não condiz com o sistema democrático que nós tanto prezamos e queremos manter.

ISTOÉ – Mas o candidato Lula tem usado uma linguagem bem moderada até, admitindo conversas . . .
Collor Surpreendeu-me agora no dia da eleição…

ISTOÉ – …e o assessor econômico principal dele chegou a colocar em várias entrevistas que não vai mexer no capitalismo, que não é nada disso.
Collor  Espero que isso seja sincero. Agora, no último dia 15, foi distribuído aqui em Brasília um panfleto da juventude petista que me deixou bastante preocupado, porque esse panfleto trata dessas questões que há pouco abordei de uma forma muito clara e nítida e que não é exatamente a forma democrática.

ISTOÉ – Mas, de qualquer forma, se por um lado o Lula tem realmente problemas de alianças muito mais sérios do que teria Leonel Brizola, por outro lado, possui a vantagem de ter uma penetração muito grande no mesmo tipo de eleitorado que o seu, ou seja, o eleitorado descamisado. Isso não o preocupa?
Collor Não, porque se a gente for verificar não somente nas pesquisas que foram realizadas, nas na própria realidade das urnas, o que se verifica é que a minha candidatura tem a sua força, sobretudo, nas classes C, D e E…

ISTOÉ – Mas ele também entra aí!
Collor  Entra, mas não com a mesma força que eu entro. A candidatura do PT é muito forte na classe A, na elite, que é a única classe social onde eu perco. E não é somente um fenômeno no Brasil. Em Alagoas também sempre ocorreu.

ISTOÉ – Maluf e Afif, já que estamos falando em nomes, não seriam aliados naturais da sua candidatura?
Collor Não, porque esta eleição difere das outras. Nas eleições anteriores, a liderança conduzia o eleitor a votar no candidato A, B ou C. Nesta eleição, o eleitor está conduzindo a liderança a votar no candidato de sua preferência. Por exemplo, se o sr. Mário Covas achar em algum instante que é proprietário dos cinco milhões de votos que obteve, ele incorre em gravíssimo erro.

ISTOÉ – Por falar em Covas, publicou-se a notícia de que o sr., para tentar atrai-lo, estaria disposto a tirar o Itamar Franco da vice.
CollorIsso não é verdadeiro e já dei uma declaração formal desmentindo essa especulação, que não é procedente e em nenhum momento foi cogitada.

ISTOÉ – Sobre que pontos programáticos o sr. aceita conversar com outros candidatos, com os derrotados nesta eleição?
Collor Isso não está colocado. A minha presença no segundo turno não condiciona nenhum tipo de conversa sobre o que poderia ser modificado, ou não, dentro do meu programa. O programa existe e ele é um todo, indivisível e consequente. Ele foi distribuído, chegou às mãos de todas essas lideranças que, se tiverem um tempinho para ler, para se interessar, podem expor alguma dúvida sobre o ponto A, B ou C que a gente pode dirimir. Mas não que alguns desses pontos venham ser modificados em nome de um adensamento de minha candidatura para o segundo turno. Acho que esse adensamento será conquistado na medida em que mantivermos o mesmo espírito com que iniciamos esta caminhada e que nos mantenhamos acesos no resgate desses princípios republicanos de exercer a atividade pública com honradez, com dignidade e com caráter. Alcançaremos a liderança nas pesquisas de uma forma autêntica porque nascida nas ruas, na sociedade.

Já rechacei duas vezes o apoio da Fiesp. Agora o faço pela terceira vez

ISTOÉ – Por falar na sociedade, os empresários paulistas se reuniram e resolveram apoiar a sua candidatura. Como o sr. vê esse apoio?
Collor Já rechacei o apoio da Fiesp duas vezes e o faço agora, pela terceira vez. A Fiesp representa o que já de mais atrasado no empresariado brasileiro. A modernidade das nossas intenções e, mais do que isso, das nossas propostas, é um fator impeditivo para que tenhamos algum ponto em comum, porque se eu sou contra os cartórios, contra esses benefícios, contra a presença patriarcal e paternalista do Estado da nossa economia, e se a Fiesp usufrui desse Estado clientelista e paternalista, ela conflita com o meu programa de governo.

ISTOÉ – Mas, o sr. não está pensando muito em termos de aumentar sua base? Como então pretende chegar aos 51%?
Collor Olhe, como é que eu cheguei aos 30%? Chegamos a isso sem ter um partido, sem ter uma estrutura partidária, sem ter grandes políticos do nosso lado. Chegamos sem nenhum grande empresário, sem nenhum banqueiro, sem apoio militar, sem nada! A gente não pode esquecer que, quando iniciamos a nossa campanha, ela era vista com um certo ar de riso, quando não de incredulidade. Achavam que isso era um sonho, que era apenas o arroubo de um jovem que havia saído de Alagoas. Os 51% serão decididos pela sociedade entre duas propostas que são muito nítidas. O candidato do PT é o marxista. Eu combato o marxismo. E, dentro do marxismo, ele já está atrasado porque o polo irradiador da doutrina marxista, que é a União Soviética, já está dando uma demonstração de que quer se inserir na modernidade dos novos tempos, quando abre o país ao capital estrangeiro, quando já fala em lucro, quando já promove eleições, quando já inicia um processo de reformas, quando derruba o Muro de Berlim.

ISTOÉ – O sr. não está simplificando demais a situação?
Collor Não. A sociedade vai ter de escolher entre uma pessoa que quer a presença do Estado cada vez maior na economia e uma pessoa, como eu, que defende que o Estado deve deixar de ser gigantesco, ineficiente, corrupto e irracional, para ser uma entidade racional, eficiente, que atenda à população com os serviços públicos à altura dos impostos que vêm sendo pagos. Eu defendo a abertura; ele defende o fechamento do País para o resto do mundo. Eu defendo o contrário, a inserção do País no restante do mundo, abrindo nossas fronteiras de uma forma responsável e com regras muito nítidas e claras ao capital, tanto privado quanto estrangeiro. Então, é aí que se vai buscar a vitória. Poderá a sociedade brasileira optar por uma linha de pensamento ou por outra.

Irei aos debates, sim. E usarei os comícios. Eles não estão fora de moda

ISTOÉ – Quais serão as suas táticas de campanha? O sr. vai trabalhar à base de comícios ou prefere investir mais fortemente na televisão?
Collor Sempre comícios. Erram os que afirmam que depois do advento da televisão os comícios se tornaram uma atividade démodé. É um equívoco. Os comícios são e sempre serão fundamentais e importantíssimos para qualquer candidato que queira ter possibilidade de vitória.

ISTOÉ – Mas o sr. vai a debates na televisão?
Collor  Irei aos debates, sim.

ISTOÉ – O sr. já disse que não aceita a ideia do parlamentarismo já, como alguns querem; mas também já disse que é parlamentarista! Como é que concilia essas duas posições?
Collor Com base na nossa Constituição. Eu entendo que o parlamentarismo seja o sistema de governo mais democrático e mais aperfeiçoado. Lutamos para que o parlamentarismo fosse vencedor na Constituição, junto com o mandato de quatro anos para presidente da República. Infelizmente, o presidente da República, com uma ação indébita e nefasta, interceptou essa que era a vontade já manifestada na Comissão de Sistematização. E, quando o assunto foi levado a plenário, ele conseguiu modificar e aprovar aquilo que o povo não desejava: cinco anos de mandato para si e o sistema presidencialista de governo. Mas, agora temos a Constituição, e do mesmo modo que respeitamos os cinco anos para o Sarney, nós temos de respeitar também aquilo que a Constituição determina, que é a implantação do parlamentarismo, depois de feito o plebiscito, em 1992.

Não tenho qualquer compromisso com ACM, ou com Roberto Marinho

ISTOÉ – O sr. também disse que, caso eleito, congelará o salário dos parlamentares. Por que faria isso, em primeiro lugar?
Collor  Esta foi uma medida contida no bojo de uma proposta que o PRN, pelo próprio líder na Câmara dos Deputados, encaminhou ao plenário do Congresso Nacional. Nós procurávamos estabelecer uma maneira de combater a inflação, que já atinge números e índices assustadores. E tratávamos também da questão da formação de uma cesta básica com preços congelados, que fosse acessível para o assalariado. Tratamos também da questão do orçamento e nesse contexto propusemos que os parlamentares dessem essa demonstração de desprendimento e de boa vontade, congelando, durante um certo período, os seus subsídios. Não foi somente esta medida que foi sugerida e nem seria eu quem a tomaria, até porque não posso fazê-lo. O presidente não pode mexer nisso. Esta é uma decisão que deve partir do próprio plenário do Congresso Nacional, a quem cabe decidir sobre essas questões.

ISTOÉ – O sr. anunciou, então, uma proposta que não poderá cumprir.
Collor – Isso não é atribuição do presidente. Cabe ao Congresso Nacional decidir e, a nós, propor.

ISTOÉ – Esses altos salários realmente causam problemas para a administração, ou eles seriam apenas um problema moral?
Collor  É a questão do exemplo. É claro que esse eventual congelamento, por um determinado período, dos subsídios dos deputados, não representará uma grande economia do Tesouro Nacional. Mas representa muito mais do que isso: porque é o exemplo dado à sociedade, que cobra das suas autoridades.

ISTOÉ – Como o sr. pretende governar representando a modernidade, como falou, se é apoiado, em muitos casos, pelo que há de mais amigo na política brasileira?
Collor Mas o que vale é a minha posição, a minha postura, o que vale é a minha proposta. Não importam as pessoas. Acho que estamos levando uma campanha em cima de uma proposta muito clara, muito nítida, que representa e encarna a modernidade.

ISTOÉ – Já que se falou em pessoas, citemos pelo menos uma: o sr. considera que o ministro Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, seja moderno?
Collor O ministro Antônio Carlos Magalhães, ao que me consta, não está incorporado na nossa campanha.

ISTOÉ – Em outras palavras, o sr. está querendo dizer que não tem nenhum compromisso com Antônio Carlos Magalhães?
Collor – Nenhum compromisso. Nem com o Antônio Carlos Magalhães nem com ninguém.

ISTOÉ – Então ele não continuará como ministro das Comunicações?
Collor  Não, não há por que continuar.

ISTOÉ – De qualquer forma, o sr. Antônio Carlos é um homem com talentos variados. Ele não incursiona apenas pela área de comunicações. É um político profissional que pode ser usado em outros cargos. O sr. vai aproveitá-lo de alguma forma, ou não?
Collor  Em primeiro lugar, não posso ser indelicado. Nós temos de primeiro tratar de ganhar essa eleição, para depois começarmos a pensar.

ISTOÉ – Qual será a influência do sr. Roberto Marinho em seu governo?
Collor  Nenhuma influência. Essa é outra falácia que se cria. Quem assiste ao noticiário da Rede Globo percebe isso claramente, com muita nitidez.

ISTOÉ – Mas o sr. não nega que é amigo do empresário Roberto Marinho.
Collor Sem dúvida. Sou amigo não somente dele, como sou amigo do Bloch, como me relaciono com mo Silvio Santos, ainda que não possa dizer que seja seu amigo. Também me relaciono bem com o Johnny Saad, da Bandeirantes. Mas tudo isso não quer dizer nada. Se o fato de você ter amigos significa que você vai se deixar influenciar decisivamente por esse seu amigo, então a gente tem de viver isolado do resto do mundo.

ISTOÉ – Juscelino baseou sua ação no desenvolvimentismo, nas metas; o Brizola falava nos Cieps, na educação; o Lula está prometendo reforma agrária e distribuição de renda. Quais suas ideias básicas para governar o País?
Collor O nosso programa privilegia o crescimento econômico, do qual não podemos abrir mão, com justiça social. Para que isso seja alcançado, teremos de enfrentar três grandes problemas que são a corrupção, a inflação e a miséria. Para enfrentar cada um desses problemas nós temos de promover um amplo leque de reformas, a partir do saneamento financeiro do Estado, da reforma administrativa, da reforma financeira, da reforma fiscal e do equacionamento da dívida externa e da dívida interna. Com isso, estaremos preparando o País para o crescimento econômico com o bem-estar social.

ISTOÉ – Mas é possível fazer essas reformas sem mudar a Constituição?
Collor – É perfeitamente possível, porque nós teremos um Congresso que estará solidariamente conosco nesse processo de reconstrução nacional. Esta não será uma tarefa isolada do presidente nem de um agrupamento de partidos. Será uma tarefa, como disse, da sociedade civil, com base nesse amplo entendimento que deverá ser estabelecido, de se reconciliar a sociedade com o Estado brasileiro. E uma das peças fundamentais da sociedade civil brasileira organizada é exatamente o Congresso Nacional, o Poder Legislativo.

ISTOÉ – O sr. está querendo dizer que o Congresso vai aceitar essas reformas?
Collor – Sem dúvida, até porque quando o povo estiver votando no candidato a presidente da República, estará votando não somente na pessoa dele, mas também em seu programa de governo; ou seja, quando o presidente da República tiver de remeter algo ao Congresso, os parlamentares já estarão recebendo as suas propostas com a unção popular. Portanto, em nenhum instante poderão se contrapor a essas reformas, que foram previamente aprovadas pelo eleitorado brasileiro.

ISTOÉ – Se o sr. chegar à Presidência, coma serão as suas relações com a área militar?
Collor – As relações serão ditadas pelo que estabelece a Constituição. O papel dos militares está muito bem delimitado no texto constitucional, como também o papel do Executivo.

ISTOÉ – Mas o papel dos militares na Constituição ainda é o de tutelar as instituições, a tutela ficou.
Collor  Não me parece…

ISTOÉ – Apenas ressalvou-se que precisaria haver convocação de um dos Poderes. Mas a tutela continua…
Collor  Sim, mas a chamado. Antes, não havia essa expressão. Foi uma modificação fundamental, um grande avanço, acredito, diante do que estava estabelecido.

ISTOÉ – No entanto, as militares continuam dando palpites. Ainda outro dia, o general Leônidas Pires Gonçalves falou que não aceita a bandeira brasileira com outra cor que não seja verde-e-amarela, numa clara referência ao vermelho da bandeira do PT…
Collor  E, mas ele também defendeu o parlamentarismo, o que induz a gente a pensar que está também defendendo a criação do Ministério da Defesa.

Talvez o candidato do general Leônidas não tenha entrado no segundo turno

ISTOÉ – Por quê?
Collor Porque no regime parlamentarista a instituição do Ministério da Defesa é uma consequência lógica!

ISTOÉ – Mas ele é um tradicional inimigo desse ministério.
Collor Também era um tradicional adversário do parlamentarismo. Não sei por que houve essa mudança de posição.

ISTOÉ – Não será porque ele acha que Lula possa ganhar?
Collor Não acho. Talvez o candidato da sua preferência não tenha entrado no segundo turno.

ISTOÉ – O sr. vai acabar mesmo com o SNI?
Collor Vou acabar com o SNI.

ISTOÉ – Acabar ou apenas transformá-lo numa secretaria?
Collor – Vou acabar com essa repartição que prestou tantos desserviços à causa democrática.

ISTOÉ – A Presidência pode dispensar um órgão de informação?
Collor – Precisamos é de um de inteligência, um desmilitarizado que não tenha status de ministério. Tem de ser um órgão de assessoria. E, fundamentalmente, um de inteligência que ajude o presidente a governar, que o ajude a descortinar novos horizontes. E não que fique criando dificuldades para que o presidente governe.

ISTOÉ – O candidato Lula diz que tem um ministério já pronto e que sabe hoje quais serão os seus ministros. Como essa vê essa questão?
Collor – Isso é uma precipitação, porque ele precisa primeiro ganhar para tornar realidade essa possibilidade de ter A, B ou C no seu ministério.

ISTOÉ – Mas o sr. tem nomes já preparados para essa função?
Collor – Se eu tivesse, não os declinaria.

ISTOÉ – Quem seria o seu ministro da Economia? A economista Zélia Cardoso de Mello?
Collor  Não tenho a menor ideia!

ISTOÉ – Quem seria o seu ministro do Trabalho?
Collor Da mesma maneira, não saberia dizer. Sei apenas que será um líder do sindicalismo de resultados, porque eu desejo fazer com que haja uma modificação das relações trabalhistas no País. É importante que ao trabalhador seja dada também a oportunidade de responsabilidade na administração federal.

ISTOÉ – O sr. pretende implantar um plano de emergência se e tão logo tomar posse?
Collor – Haverá um plano para os primeiros 100 dias de governo, mas perfeitamente enlaçado com o plano macro, com o plano global de governo.

ISTOÉ – Quais são os pontos básicos desse plano?
Collor Isso vai depender do cenário que nós encontrarmos.

ISTOÉ – É necessária alguma forma de pacto social para permitir que o Brasil volte a se desenvolver?
Collor – O que eu prego é o entendimento. A palavra pacto foi bastante desgastada pela pouca consequência às iniciativas que foram adotadas por parte do governo federal. Eu falo num entendimento nacional e num programa de reconciliação nacional.

ISTOÉ – E os salários, como é que vão ficar? Logo que assumisse, recomporia os salários, as despesas salariais que os sindicatos tanto reclamam hoje?
Collor – Temos de trabalhar em cima disso. A nossa política econômica não prevê, em nenhum instante, que o trabalhador seja mais uma vez penalizado. O trabalhador vem sendo, literalmente, roubado, assaltado em todos esses programas que vêm sendo feitos. É sempre ele quem paga a fatura.

A sociedade quer que a investigação sobre Sarney saia da gaveta

ISTOÉ – Falemos do presidente José Sarney: o sr. pretende mesmo investigar os atos de corrupção que lhe são atribuídos?
Collor  Todos os atos que em processo de apuração serão continuados. Aqueles sobre os quais tiver pairado alguma dúvida de que foram engavetados por questões políticas serão desengavetados, tocados adiante. Até porque a sociedade exige uma resposta, em relação a esse período de impunidade que ainda estamos vivendo.

ISTOÉ – Quer dizer que Sarney não terá vida mansa no seu governo?
Collor – Nem ele nem ninguém. Se alguém tiver culpa no cartório, terá que pagar por isso.

ISTOÉ – O sr. não tem certeza hoje sobre essa culpa em cartório. Ou tem?
Collor – Preferiria chegar à Presidência e, com os dados de que disponho e outros com os quais espero contar, poder demonstrar isso.

ISTOÉ – No entanto, em campanha, falou que o governo é fraco, ineficiente e corrupto!
Collor – Sem dúvida alguma que o é.

ISTOÉ – Então não estava se referindo à pessoa do sr. José Sarney, mas ao governo em geral?
Collor Ele é culpado, no mínimo, por omissão. Ele também o é, porque não vem demonstrando a mesma operosidade com que me persegue, não a vem demonstrando na caça ou na elucidação dos casos de corrupção que acontecem nos seus bigodes.