Quando um homem percebe algum sinal de mudança em sua capacidade sexual, a primeira coisa que faz é esconder o susto debaixo do tapete. Se o problema se repete ou, pior, mostra que veio para ficar, a maioria sente vontade de desaparecer do mundo. Começa a evitar momentos de intimidade com a mulher, foge das rodas de chope com os amigos, baixa a produtividade no trabalho e vai ficando com o pavio cada vez mais curto. Muitas vezes, a situação se prolonga até o sofredor tomar coragem e procurar ajuda médica. Não são poucos os que vivem esse drama, o da impotência, de acordo com a psiquiatra Carmita Abdo, especializada em sexualidade, que colheu depoimentos de brasileiros de diversas regiões do País. Sua pesquisa aponta que 47% da população acima de 18 anos tem algum grau de disfunção erétil. Outro estudo, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz, de Salvador, também surpreende: a cada ano um milhão de novos casos surgem no Brasil. É muita gente.

A boa notícia é que os recursos para combater o mal estão aumentando, o que deve provocar uma nova corrida aos consultórios, fenômeno registrado em 1998, quando chegou por aqui o Viagra, do laboratório Pfizer. Até o final de outubro, as farmácias ganharão mais um medicamento para lutar contra o tormento da impotência: o Uprima, do laboratório Abbott. É mais uma arma dentro do rico mercado de drogas facilitadoras da ereção, setor que movimenta anualmente US$ 3 bilhões no mundo.

E novos produtos estão para aportar no território brasileiro, incrementando o arsenal masculino, como o Cialis (princípio ativo IC 351), do laboratório Elli Lilly . “Hoje, só fica impotente quem quer”, afirma o urologista Luiz Otávio Torres, que presidiu o 6º Congresso Latino-Americano de Impotência, ocorrido recentemente no Rio.

O surgimento desses medicamentos vem provocando uma grande revolução sexual. Trouxe mais dinheiro para a pesquisa do complexo mecanismo da ereção (leia detalhes no quadro à pág. 83) e abriu novos horizontes para o conhecimento dos mistérios da sexualidade humana. “A questão está se humanizando. Quando se fala de disfunções sexuais, há cada vez menos risadinhas maldosas. As pessoas agora discutem mais abertamente seus problemas”, acredita o urologista Sidney Glina, presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa da Impotência. Mais um efeito se destaca. Se antes os homens levavam entre quatro e cinco anos para buscar ajuda especializada, esse tempo baixou agora para dois anos e meio. O urologista Torres, por exemplo, tem notado um aumento no número de queixas de impotência em seu consultório. Não que a quantidade de impotentes tenha aumentado. Simplesmente aborda-se o assunto com mais naturalidade. “A mentalidade está mudando”, festeja. Outro dado curioso é que no último ano o médico passou a receber pacientes mais jovens, na faixa dos 30 anos, que antes temiam assumir o problema.
 

Queixas – Ainda há muito o que melhorar nesse cenário. A pesquisa mostrou que os homens sentem grande solidão quando o assunto é impotência. “Aproximadamente 70% dos entrevistados se sentiriam mais confortáveis para falar de suas dificuldades sexuais se o médico tivesse perguntado alguma coisa a esse respeito. A maioria hesita em tocar no assunto”, observa a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do estudo e do Projeto de Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo. O mapeamento feito por ela confirmou que os problemas aumentam com a passagem do tempo. Para avaliar as queixas, as dificuldades de ereção são classificadas em mínima, moderada e completa.

Entender as causas da disfunção erétil não é uma tarefa simples, mas aos poucos os especialistas começam a desvendar certas características que ajudam a dimensionar o problema no Brasil. A mesma pesquisa mostrou, por exemplo, que até o grau de escolaridade influencia a impotência. “De maneira geral, as pessoas com mais instrução têm maior quantidade de informações para perceber que cuidar da saúde evita o desenvolvimento de doenças que levam à disfunção erétil”, diz Carmita. Realmente, algumas enfermidades, como diabete e hipertensão, ocupam os primeiros lugares da lista de fatores de risco para a perda da capacidade erétil. Esses males comprometem o funcionamento do organismo e podem afetar o mecanismo da ereção. A depressão, a baixa estima, o stress, o tabagismo, o alcoolismo e a falta de atividade física também jogam no time que derruba a performance sexual. A repercussão das dificuldades sexuais na qualidade de vida dos indivíduos é tão grande que a Organização Mundial de Saúde (OMS) já pensa em considerar a impotência um problema de saúde pública. O constrangimento dos homens com esse problema é forte a ponto de afetar seu desempenho no convívio social e no trabalho.

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Mudanças – Parte desse fantasma está sendo exorcizado desde que o Viagra surgiu. Não só aqui como no mundo. Milhares de pessoas decidiram se tratar. Como o ex-playboy Jorge Guinle, que no começo não queria ceder ao apelo do comprimido. Hoje, Guinle, que alardeia ter recebido em sua cama as maiores divas de Hollywood, como Marilyn Monroe, Rita Hayworth e Jane Mansfield, é um dos que comemoram a existência do remédio. Aos 85 anos, jamais marca um encontro amoroso sem tomar, uma hora e meia antes, a drágea azul. “O que era bom, ficou fantástico”, resume, sem a menor sombra de modéstia. “O homem que inventou isso deveria ganhar uma estátua”, completa. A alegria promovida pelo medicamento contamina também os capazes de funcionar sem aditivos. O poeta Luiz Octavio Paes, o Tavinho, 46 anos, casado há 23 e pai de três filhos, frequenta o Clube do Viagra, que se reúne uma vez por mês em um bar na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Tavinho usa meio comprimido para fazer farra com sua turma de globais, empresários e anônimos em um bordel da cidade. “É uma turbinação de quatro a cinco horas, uma coisa de louco”, exagera. Ele diz que sua mulher fica chateada, mas que já se acostumou com seu comportamento. O apresentador Jô Soares, outro que não precisa do remédio, também não tem nada contra recorrer a uma ajudinha. “Nunca usei, mas tomaria Viagra numa boa, mesmo sem precisar”, confessa.

Mercado – No Brasil, a pílula azul bateu todas as armas usadas anteriormente contra a impotência, como as próteses (tubos de silicone com uma parte central de prata ou aço, que dá rigidez ao pênis e que podem ser dobrados) e as injeções de prostaglandina (substância aplicada na base do pênis que dilata as artérias do órgão). É verdade que no mercado há mais uma alternativa, o Regitina, do laboratório Novartis. Mas seu consumo entre os brasileiros deve corresponder a 10% das vendas do comprimido da Pfizer. “A venda é pequena em comparação ao Viagra. O medicamento é indicado para quem tem crises de ansiedade, o que afeta o desempenho sexual. Ele é contra-indicado para quem tem pressão baixa e já toma drogas para resolver esse problema”, afirma Branderley Cláudio, diretor-médico do laboratório Novartis. O produto da Pfizer não enfrenta esse obstáculo e tem um apelo mercadológico mais forte. Afinal, foi o primeiro tratamento de via oral a aparecer no mundo. Atualmente, o Viagra colhe os louros de ser o remédio mais comercializado do planeta, com faturamento anual de US$ 1,2 bilhão. O mercado brasileiro é o segundo do ranking mundial de vendas do comprimido.

É atrás desse filão que está o laboratório Abbott. Nesta semana, ele lança o Uprima na Europa. A novidade será apresentada durante o Congresso Mundial de Sexologia, em Paris. A empresa promete trazer o medicamento para o Brasil até outubro. O Uprima atua de forma bem diferente do Viagra, embora os efeitos finais – que é o que interessa – sejam os mesmos. O princípio ativo do comprimido da Pfizer é o sildenafil, que atua sobre a fosfodiesterase do tipo 5, enzima que inativa o neurotransmissor GMP cíclico, substância importante no processo de ereção. O Uprima é feito de apomorfina, composto que age nos receptores da dopamina, gatilho químico disparado pelo cérebro para o enrijecimento do pênis. A pílula é vermelha e tem dois formatos: triangular (comprimido que foi fotografado para a capa da revista) para a dosagem de 3 miligramas e sextavado para a versão de 2 miligramas. Ela é colocada debaixo da língua e seu tempo de absorção varia entre 15 e 20 minutos. De acordo com a Pfizer, o Viagra atua depois de meia hora. Outra vantagem do novo medicamento é que pode ser usado junto com drogas que contenham nitrato (indicadas para quem sofre de angina, por exemplo). A associação dessa substância com o Viagra pode levar a uma parada cardíaca.

O Uprima já vem sendo testado por especialistas brasileiros. Em agosto, haverá nova bateria de avaliações. “Os estudos indicam que esse medicamento pode ser tomado até três vezes ao dia”, explica o urologista Celso Gromatzky, de São Paulo. Pode ser um grande avanço para quem deseja ter mais de uma relação sexual diária, por exemplo. Outra perspectiva dos médicos é combinar dois ou mais tipos de medicamentos em benefício da rigidez peniana. “No futuro, os especialistas poderão indicar um coquetel contra a impotência. A idéia é poder tratar um problema orgânico e uma causa emocional ao mesmo tempo. Mas para isso ainda precisamos estudar mais”, diz Branderley Cláudio, do Novartis. É claro que essas e outras indicações devem ser feitas por um médico. Afinal, é o profissional de saúde que saberá identificar possíveis problemas para o paciente em razão dos efeitos colaterais das drogas.

Quem conhece de perto esses efeitos é o gerente de vendas Rubens, paulista de 54 anos que preferiu não revelar a identidade. Ele integrou o grupo de testes do Viagra (feitos antes do lançamento da pílula). E recentemente participou das experiências com o Uprima. “Meu desempenho foi quase igual com os dois remédios. Também senti com ambos uma leve indisposição hepática e queda de pressão”, descreve. Rubens, que começou a ter problemas de ereção há cinco anos e levou outros dois anos para procurar ajuda, aprovou as duas alternativas. A impotência virou uma página de seu passado. No futuro, ele pretende optar pelo remédio que for mais barato. A Abbott ainda não fixou o preço do Uprima, mas anuncia que o valor ficará na mesma faixa do Viagra (cerca de R$ 70 a cartela de quatro comprimidos).

Satisfação – O empresário japonês Mituru Nakano, 55 anos, radicado em Belo Horizonte (MG), está curioso para experimentar o novo medicamento. Há oito anos, começou a ter problemas para manter a ereção. Primeiro, ele se submeteu a uma cirurgia de ligadura das veias penianas (hoje raramente indicada), cujo resultado só durou um ano. Tentou também as injeções de prostaglandina. “Elas eram dolorosas. E cada vez tinha de encontrar um lugar diferente para fazer a aplicação”, lembra. O aparecimento do Viagra foi um alívio. Agora, falta provar o concorrente. “Os homens de minha geração foram premiados com a loteria”, diz.

Hoje é consenso entre os urologistas que as primeiras opções são o tratamento oral (comprimidos) e a terapia sexual ou psicanálise. “Se essas duas etapas falharem, usamos as alternativas de segunda linha, que são as injeções e próteses”, observa o mineiro Ronaldo Damião, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia. É o que aconteceu com o mineiro Evandro Coelho Dayrell, 51 anos, diabético desde os 15. A doença acabou lhe provocando a impotência aos 39 anos. Sua vergonha o paralisou e foram sete anos de pesadelo, até tomar coragem para procurar ajuda médica. Em 1995, submeteu-se à implantação de uma prótese inflável. “Mais de 90% dos operados estão satisfeitos e indicam o tratamento para os amigos”, testemunha o urologista Luiz Otávio Torres. Dayrell que o diga. “Sempre gostei de mulher demais da conta. Comecei a viver de novo aos 46 anos”, exulta. Ele namora a aposentada Antoinette Gonçalves há quase dois anos. “A satisfação com a prótese é a mesma do pênis normal”, compara.

É importante ressaltar que cerca de 70% dos homens apresentam dificuldades sexuais por causas emocionais ou psicológicas. “Se uma pessoa está estressada ou deprimida, se teve perdas financeiras ou uma decepção, a ereção pode ser afetada”, explica o urologista Sidney Glina. Esses problemas são alimentados pelo desconhecimento da própria sexualidade. “O homem é inseguro. Se a ereção não acontece, ele diz que estava com vontade de transar, mas o pênis não quis. Como se fossem duas entidades separadas”, emenda. Quem consegue aceitar que a impotência pode ter causas psicológicas tem grandes chances de reencontrar mais rápido o rumo do prazer. Caso contrário, pode dar partida num círculo vicioso. “Quando falha a primeira vez, o homem se preocupa. Ele tenta outra relação. Se falhar de novo, começará a se sentir ansioso, com receio de não conseguir transar. Aí, fica mais difícil porque a adrenalina (hormônio) faz o pênis ficar flácido. A adrenalina é um veneno para a ereção”, observa.

Divã – O psicanalista freudiano paranaense Admar Horn, 49 anos, há dois anos e meio radicado no Rio, conta que a impotência tem levado muitos clientes ao seu consultório. “Os remédios ajudam muito a combater as causas orgânicas, mas não substituem o tratamento psicológico”, diz. Horn associa a impotência à “angústia da castração”, ou sentimento de perda. Para ele, a impotência sexual é a ponta do iceberg de uma impotência generalizada de viver. O divã pode ajudar o paciente a se conscientizar de sua condição e buscar a solução adequada com um especialista. “Mas nunca é um problema isolado.”

Na estatística do Instituto H. Ellis, de São Paulo, de cada dez pacientes quatro querem tomar o Viagra e seis aceitam a terapia, usando ou não o comprimido. Quando a causa está na cabeça, há casos resolvidos com seis ou oito meses de acompanhamento psicológico. “O que acontece no consultório é praticamente uma reeducação para encarar o sexo de uma maneira diferente, com mais erotismo e menos pressão”, afirma o psicólogo Sidnei Di Sessa. Ele revela que 90% dos homens que desenvolvem disfunções sexuais são extremamente genitalizados. Ou seja, só se preocupam com a ereção e a penetração. Durante a terapia, dependendo da receptividade do paciente, Sessa indica filmes, leituras e exercícios, atividades que podem ser feitas com a parceira. A proposta é despertar o erotismo latente. “Na verdade, as pessoas sabem muito pouco sobre sexo. Quantos prestam atenção ao cheiro, ao toque, às cores do corpo da companheira? Há vários caminhos para ampliar as possibilidades de prazer e recuperar a satisfação sexual”, conclui.

Mas, afinal, por que o sexo ocupa tanto espaço em nossos corações e mentes e no divã dos terapeutas? “A sexualidade é uma importante forma de contato, presente nas relações entre as pessoas o tempo todo. Vivemos seduzindo e sendo seduzidos. Isso possibilita vivenciar emoções, desejos, frustrações. É através dela que a personalidade se estrutura”, analisa a psiquiatra Carmita. De acordo com a especialista, quem está com dificuldades sexuais tende a se isolar e evitar mais do que trocas de olhares. Hoje em dia essa não é mais a melhor solução. Está provado que encarar o problema é o rumo certo para voltar a ter mais prazer na vida.


Colaborou Lena Castellón

A porção mulher

A reviravolta no desempenho sexual masculino, impulsionada pelos medicamentos orais para tratar a disfunção erétil, também fez aflorar novos comportamentos femininos. Algumas mulheres finalmente se convenceram de que a sua vida sexual poderia ser mais satisfatória se perdessem o receio de buscar tratamento para os seus problemas. Outras passaram a incentivar o parceiro a encontrar soluções para a performance deficitária na cama. Esse é o lado bom. Mas houve reações menos positivas. Uma parcela de mulheres se recusa a aceitar o companheiro aditivado com os remédios da ereção e mais interessado em sexo. Elas temem que o namorado ou marido se sinta à vontade para ter sexo com outras mulheres, já que ele voltou a “funcionar”. Segundo os especialistas em sexualidade, o tratamento da disfunção erétil do parceiro pode realmente abalar o relacionamento quando os problemas sexuais dele de alguma forma camuflam as dificuldades dela. Que não são poucas. Um levantamento feito recentemente pelo Projeto Sexualidade, do Hospital das Clínicas de São Paulo, mostrou que 35% das mulheres disseram não sentir desejo sexual. Como se vê, ainda existe muita poeira debaixo do tapete.


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