Papa Francisco decidiu intensificar a cruzada contra a pedofilia na Igreja Católica, iniciada no pontificado de Bento XVI. Na semana passada, em um intervalo de dois dias, o Vaticano anunciou o afastamento do paraguaio dom Rogelio Ricardo Livieres Plano das funções de bispo da diocese de Ciudad del Este, no Paraguai, e mandou para a prisão o ex-núncio apostólico, o arcebispo polonês Józef Wesolowski, que esteve à frente da diocese de Santo Domingo, na República Dominicana, entre 2008 e 2013. Os dois estão envolvidos em casos de abuso sexual de menores.

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FIRME
Francisco demonstra tolerância zero diante dos casos
de abusos sexuais praticados por padres

Até o alemão Ratzinger se tornar papa, em 2005, o Vaticano tratava os casos de pedofilia praticados por seus pares como questões internas, resolvidas dentro dos muros da Santa Sé. Bento XVI mudou isso e orientou o colegiado católico a abolir o sigilo diante dos episódios, assumindo falhas cometidas pela Igreja, e, de certa forma, prestando contas às vítimas de abusos. Desde então, eclodiram casos mundo afora, o que causou, em um primeiro momento, perplexidade e abalou a credibilidade da instituição. O fato é que Francisco assumiu a Cúria, em março de 2013, imprimindo velocidade e firmeza à luta contra essa chaga moral. “Como Jesus, vou usar o bastão contra os padres pedófilos”, disse. No final de 2013, o argentino Jorge Mario Bergoglio criou a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores para cuidar dos casos de abusos sexuais. E em julho se encontrou com pessoas abusadas sexualmente por padres.

Agora, pela primeira vez na história da Igreja, um caso envolvendo pedofilia praticada por um clérigo está sendo julgado dentro do Vaticano, onde Wesolowski, o ex-núncio polonês, se encontra em prisão domiciliar. Ele é acusado de pagar para manter relações sexuais com menores dominicanos e possuir material pornográfico infantil. Se condenado, pode passar até sete anos na prisão vaticana. “Com essas decisões, Francisco se adianta a uma possível perda moral, porque deixa claro que a Igreja tem suas sujeiras e trabalha para eliminá-las”, diz o sociólogo da religião Francisco Borba, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo.

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SEM PERDÃO
Envolvidos em crimes sexuais, o paraguaio dom Rogelio (à esq.)
foi afastado e o polonês Wesolowski, preso

Foi essa tolerância zero do papa que precipitou o afastamento de dom Rogelio, o bispo paraguaio acusado de encobrir casos de abusos sexuais contra crianças praticados por sacerdotes da diocese de Ciudad del Este, então chefiada por ele. Seu número dois ali, o padre argentino Carlos Urrotigoity, que exercera o sacerdócio em uma paróquia da Pensilvânia, nos Estados Unidos, foi acusado de assédio sexual por um estudante, em 2002. A diocese para qual ele trabalhava o considerou “uma ameaça séria para os jovens”. A capacidade de reconhecer os próprios erros é o que mais tem fortalecido a Igreja durante os séculos. Francisco vem dando passos mais largos nesse sentido, de acordo com Borba, que coordena o Núcleo Fé e Cultura da PUC. “É reconhecendo e punindo que a Igreja se torna um modelo para a sociedade, que, mundo afora, tem procurado sinais de credibilidade em seus governantes.”

Fotos: AFP PHOTO/GABRIEL BOUYS; Raul Gonzalez/ABC