A seca duradoura que ameaça deixar os mais de 11 milhões de paulistanos sem água neste início de primavera está castigando também o maior rio do País que corre exclusivamente em terras brasileiras. Com mais de 2,8 mil quilômetros, o São Francisco nasce num filetinho de água que brota na Serra da Canastra, na região central de Minas Gerais, e vai desaguar caudaloso no Oceano Atlântico dividindo os Estados de Alagoas e Sergipe. Por conta da estiagem, pontos específicos dessa longa trajetória estão simplesmente secando e o rio, desaparecendo da paisagem. “A gente nunca viu parar de correr água por aqui. Foi isso que assustou”, diz Luiz Artur Castanheira, analista ambiental do Parque Nacional da Serra da Canastra, onde oficialmente começa o São Francisco.

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DESERTO
Com apenas 5,58% de sua capacidade, a barragem de Três Marias,
em Minas Gerais, se parece mais com o sertão nordestino

Foi lá, a 1,3 mil metros de altitude, em uma área de mata localizada no município de São Roque de Minas (MG), que os funcionários do parque se depararam com a cena absolutamente insólita ao buscar água para tentar apagar um incêndio. Os pequenos filetes de água que brotavam do solo e formavam um pequeno arroio desapareceram. “A nascente sumiu, secou”, diz Castanheira, que saiu a entrevistar os mais antigos funcionários do parque para descobrir se algo semelhante já havia acontecido. Pela memória e pelo que já se pesquisou nos registros históricos, esta foi a primeira vez que a nascente do imponente São Francisco secou.

Felizmente, os riachos que abastecem o parque e vão transformando o pequeno arroio em um rio de verdade estão sobrevivendo à seca e continuam a abastecer o Velho Chico. “Ele ainda percorre 14 km no parque e sai aparentemente normal”, diz Castanheira. Mas a 400 quilômetros dali, em Três Marias (MG), o São Francisco está novamente prestes a desaparecer. Criada em 1962, a imensa barragem de Três Marias, com seus mais de 2,7 quilômetros de extensão, está tendo destino semelhante ao do reservatório da Cantareira, em São Paulo. De maneira lenta, porém persistentemente, os mais de 15 bilhões de metros cúbicos de água estão desaparecendo e dando lugar à terra barrenta e rachada pelo sol forte do centro de Minas Gerais.

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SEM CHUVA
A estiagem na região central de Minas Gerais já dura três anos e o índice
pluviométrico de setembro, que em média é de 52 mm, neste ano está em 7 mm

A Cemig, a companhia de energia de Minas Gerais, responsável pela barragem e pela usina hidrelétrica de mesmo nome, estima que o volume útil do reservatório não chegue a 6%. “Desde o último ciclo chuvoso, em outubro de 2013, temos uma vazão abaixo da média”, conta o engenheiro de Planejamento Hidroenergético da Cemig, Ivan Carneiro. Se em setembro as chuvas costumam acumular 52 milímetros de água, neste ano o mês atinge apenas 7 milímetros. A cena por ali é desoladora. E nos 40 quilômetros seguintes o Velho Chico corre assim, capenga, até que o Rio Abaetés, um de seus importantes afluentes, lhe devolva o viço. Mas, até lá, as cidades da região já começam a conviver com o risco real de não ter água. “A tendência é que se suste o uso não prioritário”, diz o professor Demetrios Christofidis, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB). “Assim, são mantidos os abastecimentos apenas para consumo humano e de animais.”

A diminuição do volume das águas do Velho Chico também começa a afetar o turismo e o transporte ao longo de sua extensão. Em Pirapora (MG), o barco a vapor Benjamin Guimarães, uma das maiores atrações do São Francisco, está ancorado desde agosto por não conseguir navegar em suas águas. Em Pernambuco, a Icofort, empresa especializada em transporte de caroço de algodão, suspendeu o transporte hidroviário de mercadorias em junho e passou a utilizar as rodovias. De acordo com o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), a mudança deve aumentar em cerca de 20% e 30% o preço final do produto.

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COMEÇO
Pela primeira vez na história a nascente do São Francisco secou
e o filete de água que dá início ao rio desapareceu

Mais do que nunca os milhões de brasileiros que dependem do São Francisco esperam que ao menos metade da profecia de Antônio Conselheiro de que o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão se concretize. E rápido.

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