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Confira depoimentos de participantes.

Aos poucos os homens foram lotando o saguão de um prédio em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo. Olhares ressabiados, gestos contidos, a tônica das conversas é de reclamação. A plateia integralmente masculina se queixa do dia de trabalho perdido e do programa que se anuncia para as próximas horas. “A mulher ferra a gente e ainda somos obrigados a assistir palestra”, resume um funcionário de uma fábrica de plásticos, revoltado porque a máquina que ele opera ficaria parada durante toda a manhã da terça-feira 23. Isso porque ele foi obrigado, por uma notificação oficial, a comparecer à primeira das sete aulas do curso para agressores de mulheres promovido pelo Ministério Público de São Paulo. A reportagem de ISTOÉ acompanhou esse primeiro dia de aula, que foi ministrada num auditório para mais de 100 pessoas e começou com uma solenidade de abertura. Representantes do Poder Judiciário e da prefeitura da cidade se revezavam com discursos sobre a importância do projeto, batizado de “Tempo de Despertar” em homenagem a um filme de 1990 com o ator Robin Williams (1951-2014). Durante as palestras, os agressores mexiam no celular, bocejavam e davam risadas irônicas diante de algumas declarações das autoridades. Alguns se recusavam a aplaudir ao fim das apresentações e outros nem sequer abriram a sacola lilás na qual estava o material das aulas.

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NEGAÇÃO
Os 22 alunos passaram parte do dia bocejando e mexendo no celular,
mas aos poucos foram aprendendo as lições do programa

A atitude dos convocados reflete o tratamento que muitos homens dispensam às suas parceiras (leia quadro). “Eu fico humilhada e rebaixada com as agressões que sofri, porque não tenho condição física de revidar. Você sente uma dor muito grande no coração, que é maior do que a dor no corpo, porque não espera que a pessoa que ama vá fazer aquilo”, diz Lucélia Combinato, que trabalha numa quitanda e é mulher de José Manuel de Almeida, um dos homens recrutados. Ela já foi espancada várias vezes e não pretende voltar atrás na denúncia que fez contra o companheiro. Mesmo assim, não o abandonou. “Apesar das agressões, fico com ele pela família, pelo amor e pelo tempo de convivência. Eu acho que a pessoa merece uma segunda chance para tentar melhorar, mas acredito que o curso não vai mudar a mentalidade dele”, afirma a mulher. A união dura 23 anos.

Depois da solenidade inaugural, a plateia formada por 22 alunos se mostrou um pouco mais envolvida, à medida que a pauta do dia – a evolução dos direitos femininos no Brasil e a criação da Lei Maria da Penha, em 2006 – era desenvolvida. As próximas aulas devem tratar de temas como tipos de violência doméstica, masculinidade, como controlar a impulsividade e lidar com ciúmes e traições. A maioria dos homens convocados é reincidente, apesar de eles serem acusados de crimes brandos, como ameaças e lesões corporais leves. Eles estão soltos e não foram julgados, mas o comparecimento ao curso poderá servir como atenuante em caso de condenação. A obrigatoriedade é a principal reclamação de Cléber de Oliveira, primeiro aluno a se pronunciar durante a palestra. “Chamei minha mulher de vagabunda, só que ela me ofendeu antes. Quem foi convocado se sente pré-julgado, mas estou determinado a provar a minha inocência.” Ele já esteve preso durante dois anos por assalto à mão armada, hoje é dono de restaurante e foi ao projeto com sua nova esposa, Érica Romão. “Todo mundo tem seus momentos, mas comigo o Cléber nunca foi agressivo”, diz.

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LUTA
Lucélia Combinato já foi espancada diversas vezes pelo parceiro, José Manuel
de Almeida. Apesar de prestar queixa contra ele, quer manter a união de 23 anos.
Abaixo, a promotora Maria Gabriela Manssur, coordenadora do curso em São Paulo

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O principal objetivo do programa é diminuir a taxa de reincidência. Pioneiro em São Paulo (uma ONG já deu aulas semelhantes sem caráter oficial), o projeto é baseado em experiências de sucesso no Brasil e no mundo. Estados Unidos e Europa já tomam medidas como essa, e por aqui alguns Estados já fazem o mesmo. “Aproximadamente 120 homens passaram pelas aulas, e por enquanto a taxa de reincidência é zero”, afirma Érica Canuto, do Ministério Público do Rio Grande do Norte, onde o curso existe há dois anos. No Rio de Janeiro, as palestras começaram em 2007 e tiveram 879 participantes. “Na primeira reunião eles chegam revoltados. A partir da segunda ou terceira ficam mais calmos e depois muitos falam que precisavam passar por ali para modificar o comportamento”, diz a juíza Adriana Mello, que coordena uma iniciativa parecida no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Em Taboão da Serra, a mudança pôde ser observada já no primeiro encontro. Ela se deu depois que os 22 alunos foram separados em três grupos menores para conversar entre si com a mediação de psicólogos e assistentes sociais. Dispensado após essa dinâmica, ao meio-dia, junto com seus colegas de curso, o marido de Lucélia, José Manuel de Almeida, prometeu melhorar seu comportamento. Mas ainda coloca parte da culpa na companheira. “Sei que não estou 100%, assim como ela não está, porque às vezes coloca uma palavra errada quando está conversando comigo.” Para a promotora Maria Gabriela Manssur, que está à frente do curso em São Paulo, é essa visão que as aulas devem transformar. “Queremos que eles modifiquem o pensamento machista que os leva a cometer atos de violência”, diz.

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