Um barco preparado para fazer abortos em alto-mar começou a navegar pelas águas da Europa na semana passada. A polêmica embarcação pertence à Women on Waves Foundation (Fundação Mulheres sobre as Ondas), uma ONG holandesa que pretende oferecer a opção do aborto a mulheres que moram em países onde a prática é ilegal.

A intenção da fundação é levar o navio, equipado com uma clínica ginecológica montada em um contêiner, a vários portos nesses países, entre eles o Brasil. Em todos os lugares, o procedimento será o mesmo: enquanto o barco – batizado de Aurora – estiver ancorado, a tripulação vai apenas oferecer testes de gravidez, dar informações sobre planejamento familiar e distribuir contraceptivos para a população. Depois de alguns dias as mulheres interessadas em interromper a gravidez serão levadas para águas internacionais, onde o aborto pode ser realizado através de uma cirurgia ou pela simples ingestão de pílulas abortivas. Para reduzir os riscos, apenas as mulheres com menos de três meses de gravidez poderão ser submetidas ao aborto. Caso o navio seja impedido de atracar pelas autoridades locais ou por grupos antiaborto, as mulheres poderão ser levadas a bordo em pequenas lanchas. A tripulação, de dez pessoas, é composta por dois médicos ginecologistas e uma enfermeira e tem capacidade de atender até 25 pacientes.

A Women on Waves garante que os médicos envolvidos e as mulheres que se submeterem à prática não poderão ser processados quando voltarem ao porto. Segundo a ONG, as leis que proíbem o aborto não têm validade quando o barco estiver em águas internacionais. Neste caso, a legislação da Holanda – país que permite o aborto e onde o navio está registrado – seria aplicada.

A Women on Waves foi criada em maio de 1999 pela médica holandesa Rebecca Gomperts. Ela afirma que teve a idéia de instalar uma clínica ginecológica em um navio quando militava no grupo ambientalista Greenpeace. Rebecca trabalhou no navio Rainbow Warrior, antes de ele ser afundado pelo serviço secreto francês em 1985, quando o greenpeace se engajou numa campanha para impedir testes nucleares no Oceano Pacífico. A médica diz que aprendeu em suas viagens por vários continentes, especialmente pela América Latina, que o aborto ilegal é a maior causa de mortalidade materna em todo o mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 50 milhões de abortos são feitos anualmente no mundo. Destes, cerca de 20 milhões ocorrem ilegalmente e de forma insegura, o que acaba matando pelo menos 70 mil mulheres por ano. “Como mulher e como médica, eu não posso aceitar esse sofrimento desnecessário”, diz ela. Por isso, Rebecca resolveu buscar ajuda financeira para o projeto de levar a clínica “portátil” aos quatro cantos do mundo. A ONG vive de doações de várias entidades privadas e filantrópicas. Os abortos que oferece são gratuitos, mas as mulheres que tiverem condições serão convidadas a fazer uma doação à ONG.

A República da Irlanda foi o primeiro destino do Aurora. O navio deveria atracar no porto de Dublin (capital irlandesa) na quinta-feira 7, em meio a muita polêmica. Com uma população majoritariamente católica, a Irlanda é um dos três únicos países a proibir o aborto na Europa – os outros são Polônia e Malta. Mas o governo irlandês é acusado por alguns críticos de ter uma atitude hipócrita em relação ao tema. Embora a prática seja estritamente proibida na ilha, desde 1992 a legislação irlandesa reconhece o direito de as mulheres deixarem o país para fazer abortos no exterior. Ou seja, quem tem dinheiro para sair do país pode abortar.

Protestos – A Women on Waves pretende levar o navio a vários portos irlandeses, numa viagem de dez dias. Mas vários grupos estão protestando contra a presença do Aurora. Manifestantes tentaram impedir a saída do navio da Holanda, alugando barcos para atravessar o caminho da embarcação. Mildred Fox, uma deputada que organizou parte das manifestações contra a ONG, é contundente: “No futuro nós vamos acabar tendo um navio holandês vendendo drogas ou fazendo eutanásia a apenas 12 milhas náuticas da costa irlandesa”, disse a deputada, numa referência à legislação holandesa, que tolera o consumo de alguns narcóticos e a morte assistida.

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Depois da Irlanda, o navio deverá ir para a América Latina e a África, continentes onde a maioria dos países proíbe o aborto. Segundo informações da imprensa européia, o Brasil consta do roteiro. Mas as representantes da Women on Waves na Irlanda não confirmaram se a embarcação chegará mesmo a um dos portos do País. Isso poderá depender, entre outras coisas, da mobilização dos próprios grupos brasileiros em defesa do aborto. “Nós iremos a todos os países onde as mulheres, ou as autoridades de saúde locais, pedirem a nossa presença,” diz a doutora Rebecca.

 


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