CICLO/ Centro Cultural Banco do Brasil, SP, até 27/10/ CCBB Belo Horizonte, de 18/11 a 19/1/2015/ CCBB Brasília, até 20/4/2015

Cem anos se passaram desde que Marcel Duchamp instaurou o gesto fundamental que mudaria a história da arte. Ao acoplar uma roda de bicicleta a um banquinho, o artista francês deixava de fazer arte e passava a nomear as coisas do mundo como arte. Foi só em 1915 que ele encontrou um nome para sua nova técnica: readymade, termo apropriado do mundo da moda, para designar a roupa produzida em série, para massas. Um ciclo de 100 anos se passou e Duchamp fez famílias e famílias de descendentes. Mas é precisamente a ideia da produção industrial massiva que é enfocada na mostra “Ciclo”, em cartaz no CCBB SP, depois em itinerância por Belo Horizonte e Brasília. 

“A diferença do readymade para a produção artística hoje está no excesso. É preciso ressignificar essa cultura massiva do excesso. Essa é uma questão ambiental para mim: o que fazer com tanta abundância”, diz o curador Marcello Dantas. Os trabalhos selecionados de 14 artistas de diferentes gerações e nacionalidades respondem às questões do curador.

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“Modelo para a Sobrevivência”, da uruguaia Julia Castagno, é uma estrutura geométrica confeccionada obsessiva e manualmente com cerca de dez mil palitos de dentes colados um a um, ao longo de dois anos. “O palito de dente é a matéria mais barata do mundo, vale menos que um centavo”, afirma Dantas, que instalou a escultura no antigo cofre-forte do Banco do Brasil, em alusão ao novo valor adquirido. A cultura do excesso também é moldada pela americana Tara Donovan, que se utiliza de milhares de copos plásticos brancos para configurar uma paisagem imaginária de enorme beleza e potencial meditativo.

O carioca Daniel Senise dá sua contribuição à mostra inventando um sistema construtivo a partir de correspondências e publicações do mundo da arte. O artista reprocessou seus catálogos e convites de exposições em tijolos de papel machê, que cobrem todas as paredes de uma sala do CCBB com a aparência do mármore. Um resultado surpreendente que tende a se tornar objeto de desejo de quem trabalha com arte. Impressionante também é o trabalho da americana Petah Coyne, que em “Eguchi’s Ghost” disseca um trailer de viagem em fios metálicos finíssimos que parecem tufos de cabelos grisalhos.

A exposição traz novos nomes e artistas já familiares, como a portuguesa Joana Vasconcelos, com seu trabalho-sensação: o lustre feito de absorventes íntimos, apresentado na Bienal de Veneza e muito bem instalado no lobby do edifício neoclássico do CCBB SP. Mas o grande destaque fica mesmo por conta de “Disarm”, instalação do mexicano Pedro Reyes. O artista utilizou fragmentos de cerca de seis mil armas apreendidas pelo governo para criar uma série de instrumentos musicais automatizados, tocados por uma orquestra invisível. “Todas essas armas mataram pessoas. A transformação da energia desses objetos em música é um ato político”, diz Dantas.

Fotos: Joana França