O programa assistencial Compartilhar Cesta Cidadão estava destinado à polêmica desde que foi criado em novembro de 1999 pelo governador do Rio, Anthony Garotinho. O projeto consistia em contemplar com cheques de R$ 100 famílias carentes com rendimento inferior a um salário mínimo. Em contrapartida, as crianças da família beneficiada deveriam ser mantidas na escola. No entanto, o programa apelidado de Cheque Cidadão revelou-se um instrumento demagógico que privilegia as igrejas evangélicas – reduto eleitoral de Garotinho. Às denúncias feitas pelos beneficiários da iniciativa se junta agora a revelação de José Carlos Azevedo, que atuou por sete meses como fiscal do programa. “Tem muita safadeza no Cheque Cidadão”, afirma Azevedo, que era encarregado de descredenciar as igrejas que manipulassem o benefício. “Pastores usam o programa para aumentar o número de fiéis, fazer campanha política, pedir dinheiro. Eu relatei vários casos desse tipo, mas os coordenadores não tomaram providências”, diz Azevedo. O alvo da reclamação é o pastor Everaldo Dias Pereira, subsecretário do Gabinete Civil. Uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) também descobriu irregularidades na administração do programa.

O Cheque Cidadão beneficia 27 mil famílias de todo o Rio e das 270 igrejas cadastradas para a distribuição 85% são evangélicas. Azevedo trabalhou como fiscal do programa de abril a novembro de 2000. Descobriu muita gente cadastrada fora dos requisitos para o benefício, tais como empresários e pessoas que moravam em casas com piscina. “Notei que ocultavam algumas denúncias. Eram guardadas na gaveta do pastor porque tinham a ver com seu grupo político”, recorda. “Falei na frente de dona Rosinha (primeira-dama do Estado e secretária de Ação Social) que o pastor Everaldo era vigarista”, disparou. Azevedo conta ainda que cheques serviram para pagamento de cabos eleitorais que atuaram na campanha do irmão de Everaldo, Edmilson Dias, que acabou eleito vereador. As denúncias foram encaminhadas ao Ministério Público.

Ameaças – Azevedo saiu do programa sem receber indenização ou ressarcimento para tratamento de saúde – ele machucou a perna enquanto trabalhava. Para tentar manter seus direitos, revelou ter guardado documentos que comprovariam seu trabalho e as irregularidades. “Ricardo Bittar (subsecretário de Ação Social) me disse que não queria que outras pessoas tomassem conhecimento desses papéis. Falou que ia conversar com dona Rosinha”, contou. A partir daí, a vida de Azevedo passou a ter lances de filme policial. Em março, na saída do Palácio Guanabara, dois motoqueiros o abordaram. “Um deles me apontou uma arma e exigiu a pasta com documentos do Cheque Cidadão. Não quiseram levar mais nada. Registrei a queixa na polícia. Mas tinha cópia dos documentos roubados”, revelou. Com medo do que chamou de “alguma armação” foi a um segundo encontro com pessoas indicadas por Bittar acompanhado de dois assessores do deputado Paulo Ramos (PDT). “Quando cheguei, policiais armados me cercaram e um delegado disse que eu estava preso por extorsão.”

O pastor Everaldo afirmou que nunca foi responsável pela fiscalização do proro de benefícios reembolsados. A conclusão é que cerca de 13 mil cheques estão sendo pagos sem que haja beneficiários cadastrados. Outro problema é que pelo menos 3.738 inscritos têm renda superior a um salário mínimo. Na inspeção, descobriu-se cadastros duplos. O deputado estadual Paulo Ramos defende a criação de uma Comissão Especial na Assembléia Legislativa para acompanhar a investigação em andamento no Ministério Público. “O que se nota é que o governador está mais interessado no rótulo do programa do que em sua efetiva aplicação”, critica Ramos. 


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