O estado de ânimo de Aécio Neves, ao chegar para a entrevista com os editores da revista ISTOÉ, lembrava o do início da campanha. Como se nada ou muito pouco tivesse mudado de lá para cá. Apesar de atravessar um momento eleitoral delicado, o candidato do PSDB à Presidência, imbuído de um otimismo indômito, se mostrou o tempo todo convicto da reversão do quadro atual, o que, em sua avaliação, lhe permitirá chegar ao segundo turno das eleições.

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DEBATE DE IDEIAS:
Os entrevistadores (da esq. para a dir.): Carlos José Marques, diretor editorial;
Mário Simas Filho, diretor de redação da ISTOÉ; Gisele Vitória, diretora de redação
da revista Gente; Ricardo Boechat, colunista da ISTOÉ; Delmo Moreira,
redator–chefe da ISTOÉ; Clayton Netz, redator–chefe da revista Dinheiro;
Milton Gamez, diretor de redação da revista Dinheiro; Luiz Fernando Sá,
diretor editorial–adjunto; e  Caco Alzugaray,
presidente executivo da Editora Três

ISTOÉ – É evidente o desejo de mudança do brasileiro, exposto desde o ano passado nas manifestações de rua. O que o seu governo trará de novo para o País?
Aécio Neves –
A primeira é uma mudança ética, de valores. Talvez essa seja a mais perversa das heranças que esse governo nos deixará: a baixa qualidade das relações políticas e o absurdo aparelhamento da máquina pública para servir a interesses que não são os dos brasileiros, são de grupos políticos que convivem dentro do governo. A segunda é uma mudança de visão do Estado. Eu pratiquei isso durante toda a minha vida. Entendo que o Estado não tem que ser ineficiente por ser Estado. O setor público não precisa necessariamente apresentar maus resultados apenas por ser público. Acho que essa é uma mudança profunda que o Brasil precisa viver, qualquer que seja o próximo governante.

ISTOÉ – Como se faz isso?
Aécio –
Promovendo o resgate da meritocracia, de um governo que funcione, tenha metas, apresente resultados. Hoje vemos uma desqualificação cada vez maior dos serviços públicos. A terceira mudança é uma nova visão de mundo. O Brasil se isolou por uma visão absolutamente equivocada desse governo, que promoveu um alinhamento ideológico da política externa sem que isso trouxesse qualquer benefício ao País. O mundo avança em acordos bilaterais. O governo do PT, no entanto, celebrou apenas três acordos bilaterais: com Egito, Israel e Palestina, o que não teve qualquer consequência objetiva no fortalecimento da nossa economia, na ampliação de mercados para os nossos produtos. O sentimento de mudança hoje é tão avassalador na sociedade brasileira que até o governo do PT quer mudar.

ISTOÉ – A governabilidade tem sido garantida com alianças que levam ao tradicional toma lá dá cá. Como não cair nessa armadilha?
Aécio –
É possível estabelecer uma relação política fora dessa mercantilização. As negociações sempre existiram, espaços de poder compartilhado sempre existiram. Mas o PT amesquinhou essa relação. Diretorias de bancos, ministérios distribuídos em função, por exemplo, de alguns segundos a mais na propaganda eleitoral. Eu ainda sou parlamentar, presidi a Câmara e construí alianças em torno de projetos. É isso que o Brasil precisa voltar a viver. Defendo que no início do próximo governo se faça uma reforma política. Precisamos resgatar a cláusula de barreira ou acabar com as coligações proporcionais. É impossível fazer as reformas que o Brasil precisa com mais de 20 partidos já funcionando no Congresso e outros 20 se preparando para chegar lá. Defendo, além do voto distrital misto, o fim da reeleição, mandato de cinco anos para todos os cargos públicos e coincidência das eleições.

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ISTOÉ – O sr. cortará impostos?
Aécio –
Eu falo da simplificação do sistema tributário como uma medida emergencial para ser iniciada no primeiro dia de governo. Não seria correto dizer que nós temos condições hoje de fazer uma reforma tributária que aponte na diminuição horizontal da carga tributária. Isso só vai acontecer no momento em que encaixarmos o crescimento dos gastos correntes com o crescimento da economia. Enquanto os gastos correntes crescerem o dobro do que cresce o PIB, você não tem espaço fiscal para fazer a diminuição da carga. Mas a simplificação é possível, sim.

ISTOÉ – De que modo?
Aécio –
O conjunto das empresas privadas no Brasil hoje gasta R$ 40 bilhões anualmente para pagar imposto. Isso para manter a máquina pagadora, não para pagar o imposto. Simplificar isso é essencial.

ISTOÉ – Como o sr. pretende gerar empregos?
Aécio –
Emprego você não pode olhar a fotografia, você tem de olhar o filme. O Ministério do Trabalho mostra que julho foi o pior do século, junho foi o pior junho dos últimos dez anos e maio a mesma coisa. De geração de vagas e carteira assinada. O mercado está encolhendo. País que não cresce não gera emprego. Só tem um caminho para recuperar a geração de empregos, que é o caminho do crescimento.

ISTOÉ – Mas o governo não cansa de registrar que o País vive quase uma situação de pleno emprego.
Aécio –
O Brasil vem se transformando no País do pleno emprego de dois salários mínimos. Essa é a realidade. Nós perdemos já 1,2 milhão de postos de trabalho acima de três salários mínimos nos últimos quatro anos. Por quê? Porque o País se desindustrializou. Nós temos uma indústria que participa hoje de 13% do PIB, o mesmo que na época do Juscelino Kubistcheck. Resgatar os empregos de qualidade é essencial.

ISTOÉ – Há correções a fazer na taxa de câmbio?
Aécio –
O que existe hoje é populismo cambial. O governo perdeu a guerra contra a inflação e então se utiliza desse populismo cambial, como se utiliza da Petrobras. Inflação é cenário, é expectativa. Se você sabe que há preços represados hoje, como nós sabemos que há, obviamente você age porque em algum momento sabe que essa tampa da panela de pressão vai ter que sair. A inflação nos alimentos há mais de um ano está em dois dígitos, em todas as regiões metropolitanas do País.

ISTOÉ – Os números oficiais estão maquiados?
Aécio –
Claramente maquiados. Nós estamos com preços represados nos combustíveis e na área de energia. Em um determinado momento essa tampa terá de soltar.

ISTOÉ – O sr. pretende mudar a atuação do BNDES?
Aécio –
Eu acho que essa política do BNDES de escolha dos amigos do rei fracassou. O Brasil parou de crescer. Eu quero juros do BNDES para toda a economia. Nossa eleição sinaliza para uma política fiscal transparente, com previsibilidade, sem o intervencionismo absurdo que marca o atual governo. Precisamos resgatar as agências reguladoras como instrumentos da sociedade brasileira e de garantia àqueles que querem investir no Brasil. Nossa eleição vai criar, inclusive no período entre a eleição e a pré–posse, um ambiente oposto àquele que nós assistimos em 2002, quando veio o efeito Lula e houve a desorganização da economia.

ISTOÉ – Por que o sr. já apresentou seu ministro da Fazenda?
Aécio –
Quando eu anuncio que, se eleito, nomearei o Armínio Fraga como ministro da Fazenda, estou dando a sinalização clara na direção que o País vai. É muito cômodo você ouvir candidatos dizer “ah, eu vou governar com os melhores”… Quem é que vai governar com os piores, né? Não existe isso…

ISTOÉ – Para quais ministérios o sr. fará indicações técnicas, sem negociar com a sua base partidária?
Aécio –
Vamos ter alguma coisa em torno da metade dos atuais ministérios, o que não quer dizer que as ações conduzidas pelas pastas que serão extintas terão menor importância. Teremos, por exemplo, um grande Ministério da Infraestrutura.

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ISTOÉ – Comandado por um empresário?
Aécio –
Terei um nome qualificado, experiente, para tocar um conjunto de investimentos que o Brasil precisa fazer, com experiências em parcerias com o setor privado, que gere confiança no mercado, porque os grandes gargalos de infraestrutura que o Brasil precisa superar não vão ser feitos pelo governo solitariamente. Também teremos um superministério da Agricultura. Esse nome também não deixarei na cota da negociação, da divisão de espaço. Fazenda e Planejamento são a mesma coisa. Citei dois ou três aqui que eu acho que serão de escolha direta e pessoal do presidente da República.

ISTOÉ – O sr. é favorável à profissionalização para a direção de bancos e empresas estatais?
Aécio –
O setor público será profissionalizado. Estarão na direção dos bancos e das empresas públicas pessoas que o mercado conheça. Precisamos de pessoas absolutamente qualificadas fora de qualquer ingerência política. No caso das empresas públicas, em especial Petrobras e Eletrobras, nós vamos é reestatizá–las. Sempre fomos acusados de sermos privatistas, até levianamente em vésperas de eleições. Mas nunca esteve no radar do PSDB privatizar Petrobrás, Banco do Brasil. O que eu quero é tirar as estatáis dessa submissão a um projeto de poder e entregá–las à sociedade brasileira com gestão absolutamente profissional. A Petrobras não vai ser instrumento de política econômica, de controle inflacionário.

ISTOÉ – Armínio Fraga tem dito que será necessário um ajuste fiscal logo no primeiro ano de governo. Ao mesmo tempo, o sr. promete a ampliação dos gastos sociais. Como fecha essa conta?
Aécio –
Nós não vamos enganar ninguém. Vamos buscar sempre alcançar um superávit. Mas não estamos ainda com o controle dos números da máquina. O certo é que não vamos fazer como o atual governo, que vem fraudando, maquiando números. Em relação aos gastos sociais, nós vamos qualificá–los. O que está dando certo, o que dá resultado, será mantido. Hoje tem gente paga pela campanha do PT andando de ônibus pelo Nordeste brasileiro para dizer que, se o Aécio ganhar a eleição, vai acabar o Bolsa Família. O Bolsa Família custa R$ 25 milhões, é 0,5% do PIB, não é algo que interfira nesse equilíbrio fiscal que nós precisamos manter. Se eu vencer as eleições, não farei um governo de planos mirabolantes, sustos no mercado. Vai ser um governo de previsibilidade. Uma política fiscal absolutamente transparente é que vai permitir resgatarmos a capacidade de a economia crescer sem sustos. Agora, essa política de desonerações que o governo vem fazendo, sem efeitos práticos, e privilegiando determinados setores da economia tem de acabar.

ISTOÉ – O sr. manterá a redução do IPI dos automóveis?
Aécio –
Não deu certo. Até aqui não trouxe o efeito de crescimento da economia que o governo julgava que poderia vir.

ISTOÉ – O sr. está em campanha desde a derrota do PSDB na eleição passada. Por que acha que não tem conseguido convencer o eleitor, a se julgar pelo que mostram as pesquisas? Qual é a dificuldade?
Aécio –
Olha, nós estamos tendo uma nova eleição, o fato é este. Tínhamos uma perspectiva e uma estratégia que se interrompeu com a morte do Eduardo Campos. Até então havia um cenário que sinalizava que nós estávamos no segundo turno e faríamos o embate com o governo que está aí. Vem a Marina, é uma nova eleição. E nós temos de nos adaptar a essa nova estratégia. Não estou dizendo que seja simples, mas eu tenho muita confiança de que a nossa proposta vai ser compreendida, na hora da decisão, como a melhor para o Brasil. A mudança que o eleitor quer não se dá no dia da eleição. Tem muita gente que tende a votar na Marina, segundo as últimas pesquisas, com sentimento de que é ela que tem melhores condições de derrotar a Dilma. Mas estou convencido de que o PT perdeu essas eleições. O sentimento de mudança é muito forte e muito enraizado hoje no Brasil. Quem for ao segundo turno vai vencer as eleições. Eu proponho uma mudança que se inicie no dia 1º de janeiro do ano que vem e que ocorrerá ao longo dos quatro anos. Eu sou a mudança segura, numa linha correta do ponto de vista econômico, como quadros muito qualificados para melhorar a qualidade dos serviços públicos em todas as áreas. Não sei exatamente o que a outra candidatura significa. Ainda tenho hoje em algumas regiões do Brasil, como o Nordeste, 60% de desconhecimento. As outras duas candidaturas estão próximas de 100% de conhecimento.

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ISTOÉ – O sr. acha que quem concorrer contra a Dilma ganha no segundo turno?
Aécio –
Quem concorre contra a Dilma é presidente da República. O PT perdeu essas eleições e nós temos duas alternativas: nós e a Marina. Não duvido das boas intenções dela, mas a Marina é fruto desse mesmo sistema que hoje ela combate. Ela militou por 20 anos no PT.

ISTOÉ – Essa insatisfação é com o governo, mas também não é uma insatisfação com a polarização PT/PSDB?
Aécio –
Há dois componentes principais nas intenções de voto da Marina: uma é a negação da política, outra a insatisfação com essa polarização. E uma outra parcela que quer derrotar o PT. Só que derrotar o PT é apenas o início da obra, não é a conclusão da obra. Eu não quero estar daqui a quatro anos lamentando com o brasileiro uma nova opção equivocada, porque a inexperiência da Dilma no governo custou muito caro ao Brasil. Então, o Brasil tem duas alternativas hoje. A nossa é experimentada, os quadros estão aí e estamos sinalizando com muita clareza em que direção vamos. A outra trata a política como se fosse um balcão de supermercado: vamos buscar os melhores, vamos pegar os melhores daqui, os melhores dali. Mas para ela avançar em qual direção? Respeito a Marina, mas até agora não teve que mostrar com clareza o que pretende fazer se vencer as eleições. E só boas intenções não resolvem os problemas do Brasil.

ISTOÉ – A presidenta Dilma comparou Marina a Collor pela ausência de uma estrutura partidária. O sr. vê riscos semelhantes?
Aécio –
Não acho que a história dela se pareça com a do Collor. Mas a pregação da não política, sem uma palavra de valorização e fortalecimento dos partidos é algo que me preocupa. A negação pura e simples da política é estranha, principalmente vindo da Marina, alguém que militou tradicionalmente na política durante mais de 20 anos. Essas contradições têm que ser analisadas por todos nós. Qual é a Marina que vai governar? É a que acena em abraçar o agronegócio ou aquela que em 1999 apresentou um projeto de lei para proibir o cultivo de transgênicos no País? É aquela que dentro do PT se submetia a esse corporativismo que impedia avanço na gestão pública ou é a que propõe agora em seu governo a meritocracia? É a que acena para o presidente Fernando Henrique de um lado e para o Lula de outro, como se fosse possível essa compatibilização? Agora o brasileiro vai avaliar com consistência, com profundidade, as alternativas que existem aí.

ISTOÉ – Sua campanha apostava mais no combate direto à presidenta Dilma. A partir de agora vai mirar mais no combate à Marina?
Aécio –
Sou oposição à Dilma, oposição ao PT. Não circunstancialmente. Sou oposição desde sempre. Nunca acreditei nesse modelo que está aí. Então não abro mão da prerrogativa e da primazia oposicionista em relação ao modelo que está aí. Mas o meu papel é mostrar também as fragilidades da candidatura de Marina. Não do ponto de vista pessoal, pois a respeito, como respeito a Dilma do ponto de vista pessoal. Mas a Dilma fracassou. A inexperiência dela custou muito caro ao Brasil. O aprendizado do PT no governo da Dilma custou um tempo que não volta mais. Nossos indicadores sociais pioraram. Na economia é isso que nós estamos vendo hoje: um quadro de recessão, os investimentos deixaram de vir para o Brasil, um cemitério de obras com sobrepreços e abandonadas ou paralisadas pelo País afora. O conjunto da obra do PT vai levá–los a uma derrota. E eu quero conhecer com clareza, além das platitudes do discurso da Marina, o que ela efetivamente pensa e como ela vai governar.

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ISTOÉ – O senador Agripino Maia disse que, em um eventual segundo turno entre Marina e Dilma, apoiaria Marina. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin chegou a colocar em seu programa eleitoral o Beto Albuquerque, vice de Marina. O que está havendo com sua campanha?
Aécio –
Em relação ao Agripino, que é do DEM, se disse isso eu lamento. O meu sentimento é de que vamos para o segundo turno e que chegaremos muito competitivos para ganhar as eleições. Acredito muito nisso, senão não estava fazendo campanha. Eu vou para a disputa até o final. Agora, o Geraldo Alckmin tem sido comigo extremamente correto e eu não tenho questionamento nenhum a fazer sobre sua posição. Ele recebe o apoio do PSB, fez essa aliança política, é importante para ele e desejo que ele tenha enorme sucesso, porque Geraldo fortalecido, a nossa campanha está fortalecida. Estou em terceiro lugar nas pesquisas, a 30 dias das eleições. Seria ruim se eu estivesse em terceiro lugar no dia da eleição. Acredito que no dia da eleição vou estar disputando o primeiro lugar.

ISTOÉ – As pesquisas mostram que 43% dos eleitores de Alckmin estão votando em Marina. Isso não significa, no mínimo, uma falta de atuação política do PSDB paulista a seu favor?
Aécio – Não. O PSDB está mobilizado e o Geraldo tem feito a parte dele. Espero reverter esse quadro. Meu papel é mostrar que nós podemos derrotar o PT e, mais do que isso, fazer um governo que atenda às expectativas do brasileiro. Derrotar o PT é o início da solução do problema. Mas não podemos correr o risco de daqui a quatro anos experimentar a mesma frustração que estamos vivendo agora.  

Participaram dessa entrevista os seguintes jornalistas: Caco Alzugaray, Carlos José Marques, Clayton Netz, Delmo Moreira, Eumano Silva, Gisele Vitória, Luís Artur Nogueira, Luiz Fernando Sá, Mário Simas, Milton Gamez, Ricardo Boechat, Sérgio Pardellas e Yan Boechat
Fotos: Pedro Dias/Ag. Istoé