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A morte de Antônio Ermírio de Moraes, no domingo 24, aos 86 anos, encerra um capítulo da história econômica do Brasil: a era dos capitães da indústria. Sobrevive a ele a lenda de homens que, a despeito da falta de incentivo, da descrença no potencial da manufatura nativa e das enormes carências do País nas primeiras seis décadas do século passado, deram início à construção do maior parque fabril do hemisfério sul.

Mauá à parte, a saga desses grandes pioneiros foi pontuada por sobrenomes como Matarazzo, Street, Simonsen, Crespi, Lafer, Jafet, Pereira Ignácio e Ermírio de Moraes – este, em primeiro lugar, na figura do patriarca José (1900-1973). Antônio não só honrou o legado do pai como o ampliou, o multiplicou. O Grupo Votorantim se viu alçado à condição de um dos maiores conglomerados industriais privados nacionais e seu grande artífice se tornou, por décadas, o mais respeitado porta-voz de todo o setor produtivo.

“Como empresário, Antônio une duas qualidades normalmente não encontradas numa mesma pessoa: uma visão macroanalítica, que lhe deu a capacidade de avaliar seus negócios de forma ampla e estratégica, e uma capacidade fora do comum de análise técnica dos detalhes operacionais, a qual utilizou, de forma bem-sucedida, na busca pela excelência e por custos competitivos para as suas unidades”, disse a seu respeito o colega Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho de administração da Gerdau, em depoimento registrado no livro “80 Olhares nos 80 Anos de Antônio Ermírio de Moraes” (Ediouro, 2008, com organização e textos de Gabriel Chalita e José Pastore).

Paulistano, o industrial nasceu a 4 de junho de 1928, quase dois anos após José Ermírio Filho, primogênito de José e Helena Pereira de Moraes. A prole do casal, depois reforçada com a chegada de Maria Helena e Ermírio, passou a infância em um lar próspero, para dizer pouco, mas nunca teve regalias, paparicos ou moleza. Todos pulavam muito cedo da cama e eram levados sempre pelo mesmo motorista – o pai, a caminho do trabalho – ao Liceu Rio Branco, em Higienópolis, onde chegavam meia hora antes dos demais alunos.

Os fins de semana e as férias eram desfrutados, no mais das vezes, numa casa em Bertioga, balneário paulista que nunca chegou a ser propriamente um reduto de milionários e bacanas. Mas o que mais diferenciava os filhos de José e Helena de outros herdeiros de impérios empresariais era a educação – “senhor” para cá, “senhora” para lá, “por favor” aqui, “obrigado” ali – no trato com qualquer interlocutor, fosse qual fosse a sua condição socioeconômica.

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“Sempre estive com meus filhos na hora do almoço e na hora do jantar, nunca deixei de estar, e com isso criamos um grupo de rapazes que na realidade cresceu e se desenvolveu obedecendo a um princípio que sempre preguei em toda a parte, que é a humildade. Criei meus filhos dentro de uma humildade”, revelou o patriarca em depoimento ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo, em abril de 1971.

Por mais que apreciasse Machado de Assis, Eça de Queiroz, José de Alencar e Voltaire (no original) – que lhe foram apresentados, em sua maioria, pelo professor José Rios Castelões, no Liceu –, Antônio decidiu abraçar a Engenharia. Assim como o pai, foi aluno da Colorado School of Mines, nos Estados Unidos. De início, pensou especializar-se em petróleo, mas acabou optando pela metalurgia.

Na América, de 1945 a 1949, levou uma vida espartana na cidadezinha de Golden, no Colorado, e fez duas descobertas cruciais. A primeira: nascera com apenas um rim. “Tomei uísque com Coca-Cola e fui parar no hospital. Quando me deram o diagnóstico, pensei que ia morrer”, contava. A segunda atendia por Maria Regina da Costa e tinha 16 anos. Os dois se conheceram em Nova York, quando ele estava prestes a voltar para casa. Jantaram com pompa e circunstância no mítico hotel Waldorf Astoria e seguiram para o Brasil a bordo do mesmo navio. Casaram-se em 1953 e tiveram nove filhos: cinco meninos (Antônio, Carlos, Mário, Luís e Rubens) e quatro garotas (Rosa Helena, Vera Regina, Maria Lúcia e Maria Regina).

Fosse outro o seu sobrenome, Antônio estaria com o futuro garantido ao retornar à sua terra com o diploma de engenheiro debaixo do braço. O detalhe é que ele era um Ermírio de Moraes. Sabia que só com muito suor, dedicação e competência conseguiria garantir um lugar na Votorantim e galgar posições no organograma interno. O velho José, definitivamente, não queria saber de “filhinhos de papai” e nem de herdeiros ineptos nas suas empresas. “Você vai ficar um ano aqui sem salário. Se não servir, por favor, não quero ressentimentos, mas vai ter de procurar emprego em outro lugar”, disse-lhe o pai, repetindo, na essência, o recado que já transmitira ao filho primogênito.

O batismo de Antônio no “chão de fábrica” ocorreu na Siderúrgica Barra Mansa, no sul do Estado do Rio de Janeiro. O desempenho do jovem engenheiro na unidade, fundada em 1937, agradou ao pai e patrão. Tanto é que ele lhe confiou um dos maiores desafios que o grupo iria enfrentar em toda a sua história: tornar realidade a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), empacada havia quase dez anos.

Seu cronograma tinha sido atrasado, primeiro, pela entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o que reduziu praticamente a zero as chances de trazer máquinas e tecnologia para o Brasil. Depois, com o fim do conflito, as cotações do metal despencaram, devido aos grandes estoques – de sucata, inclusive – que inundaram o mercado, inibindo novos investimentos.

Foi só no fim da década de 1940 que o projeto começou a sair da gaveta de José. Superados os contratempos, tudo conspirava a favor do empreendimento: havia bauxita de sobra nas jazidas de Poços de Caldas (MG) e trilhos para levar o minério até a Fazenda Rodovalho, embrião do futuro município de Alumínio (SP), onde a matéria-prima seria processada em uma linha de produção comprada em condições favoráveis na Itália.

No meio do caminho de José e Antônio, no entanto, havia uma pedra, ou melhor, um polvo: a Light, senhora absoluta no País da geração e da distribuição de energia elétrica, principal insumo na produção do alumínio. O “polvo canadense”, como era conhecida a multinacional, sempre esbanjara má vontade em relação à CBA.

Em 1942, apesar de recomendação do governo para que suprisse a futura fábrica da Votorantim, argumentou que não tinha condições para tal. De olho no abastecimento de sua futura unidade, José Ermírio tratou, algum tempo depois, de solicitar ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) o direito à exploração do potencial hidrelétrico dos rios Juquiá-Guaçu e Assugui, em São Paulo. Iria gerar sua própria eletricidade, mas o molusco monopolista tentou barrar-lhe o caminho, argumentando que a exploração dos dois cursos d’água já estava nos seus planos. Conversa, pois seu objetivo verdadeiro era inviabilizar um potencial concorrente da também canadense Alcan, que estava chegando ao Brasil.

A CBA foi inaugurada em junho de 1955, com as presenças do governador Jânio Quadros e do presidente João Café Filho. Sua energia era suprida pela então já resignada Light, mas Antônio logo iria reduzir aquela dependência. Como não confiava no fornecedor e o consumo da unidade se revelara bem superior ao estimado, deu prioridade à construção de hidrelétricas próprias. A pioneira das 18 usinas da empresa foi a França, no Juquiá, iniciada em 1954 e concluída quatro anos depois, quando já começava a surgir no horizonte a Fumaça, cujas turbinas seriam movidas pelo mesmo rio a partir de 1964.

O empresário e a família levavam uma vida simples. Moravam na roça, mais precisamente em uma casa na Fazenda Rodovalho. “Não tinha telefone nem confortos. Apenas uma vendinha a certa distância, que não tinha de nada nas prateleiras. Ficava em casa o tempo todo, enquanto o Antônio ia trabalhar. Tinha só a companhia dos filhos”, relembrou Maria Regina em “Votorantim 90 Anos – Uma História de Trabalho e Superação” (Votorantim, 2008, com direção de pesquisa e texto de Jorge Caldeira).


Foi lá, naquele remoto distrito de Mairinque, a 75 quilômetros de São Paulo, que Antônio Ermírio de Moraes começou a escrever a história do maior capitão da indústria brasileira a partir da segunda metade do século 20. Desde sempre o seu xodó, a CBA se tornaria, 50 anos depois, a segunda fabricante de alumínio primário do País, uma das 10 maiores do mundo e a proprietária da maior unidade verticalizada do planeta, realizando no mesmo lugar desde o processamento da bauxita até a produção de lingotes, trefilados, vergalhões, placas, entre outros itens.

Por si só, a CBA já seria suficiente para honrar o currículo de qualquer empreendedor. Os feitos do herdeiro, no entanto, não se limitaram ao alumínio. Ao longo da década de 1960 – quando o pai se afastou dos negócios para comandar o Ministério da Agricultura e, depois, exercer o mandato de senador por Pernambuco, o timoneiro das operações do grupo em metalurgia e mineração lançou-se a outros desafios nos segmentos de zinco e níquel, ambos velhos sonhos do patriarca. No primeiro, teve que lidar com o descaso do Estado, que por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o BNDE (que ainda não ganhara o “S”, de “Social”), negou recursos ao projeto por desconfiar da competência da Votorantim. “Disse que, se me dessem recursos, faria em três anos. Se não dessem, faria em sete”, recordava Antônio.

Não só disse como fez. Em 1969, exatos sete anos depois da esnobada da agência estatal, a Companhia Mineira de Metais (CMM) começou a produzir lingotes de zinco eletrolítico. Hoje, a Votorantim Metais, que englobou a CMM, é a maior fabricante do metal na América Latina e a quinta do mundo, com minas em Vazante e Paracatu e fábricas em Três Marias e Juiz de Fora, todas em Minas Gerais. Além disso, tem forte presença no Peru, onde controla uma refinaria e é acionista de uma mineradora.

Talvez por seu palpite infeliz no episódio do zinco, o BNDE se excedeu em gentilezas quando, na década de 1970, Antônio o procurou para financiar uma operação de níquel em Goiás. O projeto remontava ao fim dos anos 1920 e interessava diretamente à Votorantim desde 1957, quando adquirira o controle da Companhia Níquel Tocantins, que detinha os direitos da exploração do metal desde 1935, sem nunca tê-los exercido.

Em 1973, ano da morte de José Ermírio de Moraes, o banco estatal recebeu um pedido de financiamento de Cr$ 150 milhões para viabilizar a produção de 5 mil toneladas ao ano de níquel eletrolítico. Aquilo era uma gorjeta para o BNDE, que propôs a liberação de até Cr$ 1 bilhão para produzir 20 mil toneladas ao ano do metal, ou seja, o quádruplo do que fora previsto para a indústria.

Era uma típica demonstração do ufanismo da tecnocracia estatal no auge da ditadura militar por conta do chamado “Milagre Brasileiro”, que nunca seduziu Antônio. Assim, uma vez mais, ele decidiu tocar o projeto com recursos próprios, inclusive para a geração de energia, já que o mesmo governo tão solícito na liberação de dinheiro só empurrava com a barriga a questão do fornecimento de eletricidade, vital para o negócio. “Imagine o que aconteceria se embarcássemos nessa canoa”, comentou a respeito em “Votorantim 90 Anos – Uma História de Trabalho e Superação”.

A cautela e a prudência mostraram-se mais do que acertadas. Quando a unidade de Niquelândia (GO) deu à luz o primeiro lote de níquel, em novembro de 1981, os custos de produção e os juros tinham se elevado sobremaneira. Se tivesse aceito o que financiamento ofertado pelo BNDE, teria colocado em risco a viabilidade do empreendimento.

O capitão e o poder

O incidente na negociação de crédito para a produção de níquel contribuiu para aumentar a desconfiança de Antônio em relação aos generais no poder, que já não era pouca. A partir de meados dos anos 1970, ele passou a aproveitar toda e qualquer oportunidade para criticar as trapalhadas dos militares. Soltou o verbo, por exemplo, quando o general-presidente Ernesto Geisel firmou o acordo nuclear com a Alemanha Ocidental, que previa originalmente a construção de oito usinas atômicas em Angra dos Reis (RJ), Peruíbe (SP) e Iguape (SP), nos litorais fluminense e paulista. “É uma burrice. Deveríamos estar investindo ali em turismo, não jogando fora, no mínimo, 15 bilhões de dólares”, comentou.

No mesmo período, houve outra polêmica com o governo. A bola da vez era a Valesul, uma indústria de alumínio que a então estatal Vale do Rio Doce decidira implantar em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro – um triunfo do que Antônio chamava de “eixo Copacabana – Ipanema”. Ele observou que a localização do projeto comprometeria a sua viabilidade, recomendando a instalação na Região Norte do País, detentora de grandes jazidas de bauxita, a principal matéria-prima do alumínio. “Um ministro me telefonou e disse que o presidente Geisel estava muito magoado comigo, porque as minhas críticas eram cáusticas demais. E eu perguntei a esse ministro: ‘E daí? Eu sou um brasileiro, um empresário com os meus impostos em dia, com minhas empresas funcionando e dando emprego a milhares de brasileiros. Tenho o direito de criticar, de falar o que eu penso. Se agrada ou não ao presidente, o problema não é meu”, devolveu.

Marcadas por um forte nacionalismo, as ideias e a retórica de Antônio se assemelhavam às de seu pai. O toque pessoal ficava por conta de um tom mais ácido e de um elemento novo e que fazia toda a diferença naqueles tempos de abertura política: a defesa do regime democrático. A partir do fim da década de 1970, os grandes empreendedores do País, reunidos no Fórum dos Líderes da Gazeta Mercantil, abraçaram a causa. Em outubro de 1980, os 10 mais votados na eleição do jornal, com o chefe da Votorantim à frente, assinaram um documento que advertia sobre os riscos de um retrocesso por conta da recessão que se avizinhava. “Numa atmosfera como esta, os inimigos da democracia poderiam fazer respirar seus propósitos totalitários.”

Era uma referência aos “duros” do sistema, que, entre outros atos de terror, estavam por trás da bomba que matara Lydia Monteiro, secretária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Rio de Janeiro, em 27 de agosto. “Aqueles que se dedicam a maquinar nas sombras o fracasso da abertura e, pior que isso, ousam utilizar o recurso abominável do terrorismo não prevalecerão sobre a vontade da esmagadora maioria do povo”, dizia o texto.


Antônio começava a se tornar uma personalidade nacional, e não apenas no mundo dos negócios. Alguns meses antes, em janeiro de 1980, ele já fora elevado à condição de “herói da resistência” ao peitar a equipe econômica do governo Figueiredo, sob o comando de Delfim Netto, fechando por alguns dias a Siderúrgica Santo Amaro, na Bahia. A empresa desrespeitara o tabelamento da Secretaria Especial de Abastecimento e Preços do Ministério do Planejamento, chefiada por Carlos Viacava, e como represália sofreria fiscalização da Receita Federal e ficaria impedida de ter acesso a créditos oficiais.

“Aceito muitas coisas, mas não posso me sujeitar a acatar lições de moral do Delfim e muito menos ainda de um moleque como o Viacava: o governo manda e desmanda na política econômica, mas nas minhas empresas quem manda sou eu. A siderúrgica foi desativada por um capricho meu, porque fui atingido no que tenho de mais caro: o meu caráter e o meu nome, jogados na lama pelo governo”, esbravejou o “capitão”.

Não por acaso, Antônio logo passou a ser reverenciado e cortejado pela oposição ao regime militar. Foi consultado e apoiou a indicação, pelo governador Franco Montoro, de Mário Covas para prefeito de São Paulo, em 1983. Um ano depois, Tancredo Neves tentou emplacá-lo como candidato a vice-presidente na chapa que enfrentaria a dupla Paulo Maluf-Flávio Marcílio no Colégio Eleitoral, projeto político que não prosperou, assim como o sonho de se tornar governador de São Paulo, em 1986.

Mesmo sem mandato, o industrial teve influência no debate nacional instalado após a redemocratização. Durante os trabalhos da Assembleia Constituinte, de 1987 a 1988, criticou a ampliação dos direitos trabalhistas, sem muito sucesso, e comemorou a reserva de mercado para empresas nativas na exploração de minérios e do potencial energético dos rios, pelas quais, assim como o pai, sempre havia lutado.

“Há firmas estrangeiras que têm lavras imensas aqui no Brasil e que jamais mineraram, em tempo algum. Estão sentadas nessas lavras há dez, 15 anos e nada ocorre. Uma multinacional aqui, a 150 quilômetros de Brasília, tem a maior reserva de níquel do Brasil e ninguém fala nada”, queixou-se, em maio de 1987, aos constituintes da Subcomissão de Princípios Gerais, Intervenção do Estado, Regime da Propriedade do Subsolo e da Atividade Econômica.

Quase sexagenário, Antônio esbanjava vigor e entusiasmo. Esse estado de espírito se traduziria no maior salto já visto em toda a história do Grupo Votorantim. Entre 1990 e 2007, período em que seguiu firme à frente dos negócios, como presidente do conselho de administração, os investimentos somaram US$ 17,1 bilhões, as receitas pularam para a casa da dezena de bilhões de dólares, cinco fábricas de cimento foram adquiridas no exterior e o leque de atividades ganhou amplitude, com o início ou a expansão das operações em setores como o financeiro, energético, papel e celulose, citricultura e novas tecnologias.

A CBA, a menina dos olhos do capitão, mais que duplicou o seu parque de hidrelétricas, com a aquisição ou construção de 10 usinas, cinco delas em consórcio com outras empresas. “Reinvestimos o que ganhamos, evitando financiamentos. É uma filosofia que aplicamos há anos com sucesso”, ensinava ele, que desde 1987 passou a frequentar a lista dos homens mais ricos do planeta, publicada pela revista “Forbes”.

A única frustração nessa época – e talvez a mais amarga de toda a carreira do industrial – foi a derrota no leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, em maio de 1997. Sempre centralizador, Antônio acabou provocando a saída de seu consórcio do Bradesco e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que se uniram e bateram o ex-aliado. Ele engoliu em seco e seguiu em frente.

Estreou como dramaturgo, escrevendo três peças – “Brasil S.A.” (1996), “S.O.S. Brasil” (2000) e “Acorda Brasil” (2006), que lhe abriram as portas, em 1999, da Academia Paulista de Letras – e manteve a rígida rotina de trabalho. Workaholic nato, chegava à sede da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) antes de clarear, marcava reuniões para as sete da manhã, trabalhava no mínimo 12 horas por dia e não permitia, em hipótese alguma, que seus funcionários emendassem dias úteis com as festas de fim de ano ou qualquer outro feriado.

Férias? Só duas vezes: a primeira em 1953, quando intercalou a viagem de lua de mel à Europa com visitas a siderúrgicas na Alemanha e Áustria. A derradeira em 1992, ocasião em que deixou o batente por duas semanas. Anos depois, ao receber o título de Administrador Emérito do Conselho Regional de Administração de São Paulo, o CRASP, apresentou um balanço do seu jeito “caxias” de ser. “Fiz as contas e concluí que as férias e finais de semana que deixei de aproveitar significam 14 anos de vida. Não é uma lamentação, mas uma constatação."

Era exatamente isso, uma constatação, nada mais. Se estivesse disposto a reduzir as jornadas de trabalho, já que “pendurar as chuteiras” estava fora de suas cogitações, ele poderia ter aproveitado a profissionalização da gestão do grupo, em 2001, para se dedicar “apenas” à presidência do conselho de administração da Hejoassu, a principal holding do conglomerado.

No rearranjo interno, as famílias acionistas se reuniram no Conselho de Família e se afastaram dos negócios, desde então a cargo da Votorantim Participações, responsável por três grandes “subsidiárias”: Votorantim Industrial, Votorantim Finanças e Votorantim Novos Negócios. Antônio foi o único dos Ermírio de Moraes que não seguiu a nova cartilha, permanecendo à frente da CBA, subordinada à Votorantim Industrial.

Só a doença foi capaz de alterar o seu dia-a-dia. Os rumores sobre a saúde do empresário surgiram em maio de 2006, quando ele teve um mal-estar durante a première de sua peça “Acorda Brasil”, no Teatro Frei Caneca, em São Paulo. “Não me senti bem por conta da emoção da estreia. Continuo com minha rotina normal, na CBA, na Beneficência, nos compromissos culturais”, declarou, meses depois.

Seu estado, contudo, foi se agravando. Em janeiro de 2009, anunciou aos leitores de sua coluna dominical no jornal “Folha de S.Paulo”, com o qual colaborava desde 1991, que seus textos dali para a frente seriam esporádicos. Na Beneficência Portuguesa, que presidia desde 1971, foi sucedido pelo filho Rubens, também em 2009. No mesmo período, deixou de “bater cartão” na sua amada CBA e recebeu um golpe baixo do destino: a morte do filho Mário, aos 51 anos, vítima de câncer.

O velho capitão, o homem que caminhava pelo Centro de São Paulo sem seguranças, que fazia questão de se sentar ao lado de seu motorista, para não parecer esnobe, o “pão-duro” que sabia na ponta da língua os gastos de sua casa com água e energia e carregava ainda a fama (injusta, por sinal) de usar os ternos herdados do pai, estava saindo da vida para entrar na história. A lamentar que não tenha realizado o seu desejo derradeiro: “Se Deus me der força, quero morrer trabalhando”.


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